Empregado doméstimo alegou trabalhar 22h ininterruptas por dia, relatora não acreditou e fixou um turno razoavel

Para a magistrada, o fato de o empregador não ter controlado a jornada não respalda a conduta do empregado de apresentar em juízo horários e dinâmica de trabalho distorcidos da realidade e com o claro intuito de auferir vantagem.


A partir da publicação da Lei Complementar nº 150/2015, passou a ser obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo (artigo 12). O empregador acionado na Justiça do Trabalho deve provar a jornada de trabalho mediante juntada dos controles de ponto, aplicando-se por analogia a Súmula 338, I, do TST. A não apresentação injustificada gera presunção relativa da jornada alegada na reclamação, a qual pode ser elidida por prova em sentido contrário.

Foi trilhando esse raciocínio que a 11ª Turma do TRT de Minas fixou a jornada do ex-empregado de um sítio como sendo das 7h às 18h, de segunda-feira a sábado, com uma hora de intervalo para descanso e alimentação. Ao acompanharem o voto da juíza convocada Ana Maria Espí Cavalcanti, os julgadores consideraram que o trabalhador doméstico não poderia ter cumprido jornada tão extensa quanto a alegada na reclamação. A relatora aliou informações prestadas por testemunhas a máximas de experiência para reconhecer a jornada menor. Nesse contexto, deu provimento parcial ao recurso do dono do sítio para reduzir a condenação.

O empregado alegou que trabalhava das 7h às 18h, cuidando do sítio de propriedade do réu. Segundo ele, a partir das 18h, passava a atuar como vigia. Isso ocorria seis dias por semana, com uma folga. No dia da folga retornava à noite, para não deixar o sítio desguarnecido. Apesar de negar os fatos, o patrão não apresentou os registros de ponto, o que levou o juiz de 1º grau a acatar a jornada alegada pelo trabalhador. O réu foi condenado a pagar as horas extras, excedentes da 44ª semanal, e o adicional noturno.

No entanto, ao analisar o caso, a relatora chegou a conclusão diversa. Ela não acreditou que o trabalhador pudesse, de fato, trabalhar 22 horas contínuas ininterruptas. “Considerando as necessidades fisiológicas humanas básicas (sono, alimentação, descanso) é humanamente inviável crer que o reclamante desempenhava suas tarefas nesse extenso lapso temporal”, avaliou. Para a magistrada, o fato de o empregador não ter controlado a jornada não respalda a conduta do empregado de apresentar em juízo horários e dinâmica de trabalho distorcidos da realidade e com o claro intuito de auferir vantagem.

Segundo observou a julgadora, a Justiça do Trabalho deve buscar a verdade real, com base nos elementos constantes dos autos. A jornada de trabalho deve ser fixada de modo razoável e condizente com a realidade. “O arbitramento de jornada é plenamente válido e corriqueiro no âmbito desta Justiça, sobretudo quando, diante da ausência de controles de ponto, o autor sustenta uma jornada excessivamente extensa e claramente superior aos limites daquilo que razoavelmente pode suportar o ser humano”, registrou.

Após analisar os depoimentos das testemunhas, concluiu não haver indícios de que o trabalhador efetivamente pernoitasse no local de trabalho ou tivesse a incumbência de vigiar a propriedade no período noturno. Nesse sentido, o proprietário de rancho vizinho ao do réu apontou que o trabalhador chegava ao local de trabalho na parte da manhã e, logo depois de sua chegada, ia embora. Afirmou que nunca o viu trabalhando no período noturno. Outra testemunha, ao descrever um episódio em que deu carona ao trabalhador, informou que o deixou “em sua residência na cidade”. Na avaliação da relatora, o fato sugere que o empregado tinha residência própria. Ela não acreditou que ele praticamente morasse no sítio e dele não pudesse se ausentar.

A juíza convocada se valeu do artigo 375 Código de Processo Civil, segundo o qual o magistrado poderá aplicar as regras de experiência comum para deslinde de controvérsias surgidas ao longo do processo. Tomando por base o que ordinariamente acontece, chamou a atenção para o fato de o sítio não ser produtivo e nem ermo. A conclusão alcançada foi a de que não era necessário que o empregado permanecesse sempre alerta no imóvel, para vigília e segurança do espaço. No mais, eventual período de pernoite não poderia ser considerado como tempo efetivamente de trabalho, ao aguardo de ordens do empregador. Isso porque quem dorme não trabalha.

Por tudo isso, a Turma de julgadores reduziu a jornada para efeito de condenação e, como consequência, excluiu o adicional noturno e a incidência da hora ficta noturna.

Processo: PJe: 0010655-95.2016.5.03.0152 (RO)
Acórdão em 08/08/2018

Fonte: TRT/MG


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