por João Tancredo
Até o final do dia, quase mil pessoas em todo o mundo terão morrido em decorrência de algum acidente de trabalho. É o número de mortos na Guerra do Iraque em novembro, nas contas da ONG Iraq Body Count. Em três meses, equivaleria a um Maracanã lotado. Tal realidade poderia ser apenas triste, porém ela é cruel.
Os riscos presentes no ambiente laboral são, na maioria das vezes, previamente conhecidos e as tragédias poderiam ser evitadas. De tão comuns, esses casos sequer viram notícia nos jornais. Uma exceção são os acidentes aéreos no transporte de petroleiros no Brasil, que se tornaram manchetes repetidas vezes, dado o impacto dos fatos.
Ainda está vivo na memória o desastre, este ano, com um helicóptero na Bacia de Campos, no Rio, ao decolar de uma plataforma de petróleo rumo à Macaé. A imprensa resgatou o histórico de acidentes com a mesma transportadora, que desde 2003 produziu 14 mortos, além de feridos.
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) e os sindicatos há anos já alertavam para a constante ocorrência de acidentes aéreos (mais de 150 mortes desde 1998). Suspeita-se de falhas de manutenção e necessidade de maior fiscalização dos contratos de prestação de serviço.
Os petroleiros já têm medo de voar. Têm pavor de morrer e deixar a família desamparada. Daqui a alguns anos, veremos profissionais produtivos serem destruídos por distúrbios psicológicos. Sem contar as demais situações de risco com que lidam.
Outras classes muito afetadas por acidentes de trabalho são bancários, digitadores, metalúrgicos, estivadores e operadores de linha de montagem. No rol das doenças desenvolvidas, podem-se citar as Lesões por Esforço Repetitivo (LER) e a estafa.
Cada profissão tem riscos inerentes e, justo por isso, as empresas deveriam se antecipar, com medidas para a redução de impacto e a promoção da saúde. Para isso existem normas de sindicatos, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e mesmo da Constituição.
As companhias só têm a ganhar com essa política. Estudos da OIT mostram que os países mais competitivos são também os mais seguros. Essa tendência crescerá, junto com o discurso da responsabilidade social.
Cada trabalhador precisa ser percebido como um ser único, uma vida. Ele tem nome e identidade. Não é apenas parte de um exército de reposição. Se as empresas não conseguirem humanizar as relações de trabalho e o descaso prevalecer, caminharemos para um país — ou quiçá um mundo — de inválidos. E quem pagará a conta, como sempre, é a sociedade e o Estado.
João Tancredo é advogado especializado em Responsabilidade Civil nos Acidentes de Trabalho
Revista Consultor Jurídico