Empresa de energia é condenada a melhorar os serviços prestados, decide TJ/MS

O juiz Bruno Palhano Gonçalves, da comarca de Anaurilândia, região leste do Estado, acolheu o pedido da Defensoria Pública local para condenar a concessionária de energia local a implementar e comprovar o investimento em melhorias técnicas no prazo de 180 dias, com multa diária de R$ 10 mil, além de deferir tutela de urgência para, no prazo de 30 dias, adequar tensões da rede elétrica nos postes, com multa no mesmo valor. Em laudo feito para a ação, foram detectadas 1.674 interrupções de energia, em um período apurado de quatro anos.
Trata-se de uma Ação Civil Pública coletiva, movida pela Defensoria Pública, depois de diversos relatos de consumidores da cidade que pediam providências para que as constantes quedas de energia cessassem e que a qualidade na prestação do serviço melhorasse. Um dos casos relatados foi de um empresário proprietário de um açougue que, diante das inúmeras interrupções no fornecimento de energia elétrica, perdeu 1.600 kg de carne, sofrendo um prejuízo de aproximadamente R$ 12.000,00. Ainda segundo a Defensoria, o próprio Poder Público local é um dos prejudicados, com suspensões de energia que perduram por horas e paralisam o atendimento ao público.
Por outro lado, a empresa requerida contestou a ação afirmando, de modo preliminar, a ilegitimidade ativa da Defensoria Pública, a falta de interesse processual e a impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, argumentou que está prestando serviço eficiente e adequado, sendo que, desde o início de sua atuação no Município de Anaurilândia, investiu mais meio milhão de reais, cumprindo assim todas as metas de qualidade impostas pela Agência Reguladora (ANEEL).
A empresa ainda sustentou que as oscilações e interrupções do fornecimento de energia elétrica são toleradas por lei, até porque as linhas de transmissão estão sujeitas às mais diversas intempéries, de tal forma que nem a utilização de todos os recursos tecnológicos do mundo serão suficientes para evitá-las.
Durante o processo, a Agência que regula os serviços prestados no Estado de MS, Agepan, prestou informações para o processo quanto aos indicadores de qualidade dos serviços prestados pela requerida no Município de Anaurilândia, além de ter feito laudo pericial, que foi aceito pelo autor da ação e rechaçado pela empresa ré, que contestou o documento.
Em sua decisão, o juiz Bruno Palhano Gonçalves entendeu que o serviço público prestado por empresa com concessão do Poder Público tem natureza essencial e contínua. É pessoa jurídica de direito privado, que presta serviços de fornecimento de energia elétrica e desenvolve atividade de comercialização deste serviço, pelo regime de concessão e mediante contratos de adesão, submetendo-se, perfeitamente, à definição de fornecedor, trazida pelo art. 3º do Código de Defesa do Consumidor.
O magistrado disse, ainda, que esta ação presta-se a proteger os direitos dos consumidores em três vertentes fundamentais na prestação dos serviços públicos: continuidade, qualidade e segurança. E que a ANEEL tem as atribuições para estabelecer normas de regulação dos padrões de qualidade dos serviços públicos de energia elétrica, prevendo a responsabilidade da concessionária em realizar investimentos de obras e instalações para assegurar a qualidade dos serviços prestados. “É justamente neste ponto que consiste o cerne da questão objeto do litígio, na medida em que a presente ação coletiva visa compelir a ré a adotar as providências técnicas necessárias para garantir a boa qualidade dos serviços de energia elétrica, prestados aos munícipes de Anaurilândia”, disse.
O laudo realizado durante o processo apurou que nos anos de 2003 (início da ação) e 2004, nos perímetros urbanos e não urbano, ficaram dentro da meta estabelecida pela ANEEL. Contudo nos anos de 2009 a 2013, teriam ocorrido 219 interrupções de fornecimento de energia programadas e 1.674, não programadas, entre elas 786 devido a raios, durante tempestades.
O magistrado ressaltou que, embora os índices estabelecidos pela ANEEL tenham sido atendidos, não significa que os serviços prestados atenderam às condições de qualidades ao ponto de serem considerados ”adequados”, à luz do Código de Defesa do Consumidor e da própria Lei n.º 8.987/95. “Ao contrário, restou evidente a deficiência técnica dos serviços prestados pela requerida, demonstrada pela própria constatação efetuada pelo perito judicial quanto às interrupções não programadas no período de 2009 a 2013”, disse o magistrado, que salientou que a média apurada nestes quatro anos foi de mais de uma interrupção de energia por dia.
Outro ponto do laudo apontou que, entre os anos de 2004 e 2017, 79,96% das interrupções dos serviços decorreram de fatos geradores assim classificados: a) Falha de Material/Equipamento: 23,92%; b) Não Identificada: 17,87%; c) Descarga Atmosférica: 16,80%; d) Não Programada: 13,13%; e) Árvore ou Vegetação: 8,24%.
“Verifica-se que o principal causador das interrupções foi a falha no material/equipamento empregado pela empresa ré nas linhas de transmissão, o que evidencia a ausência de utilização de recursos técnicos suficientes para garantir a prestação de um serviço público adequado aos usuários. Importante ponderar que fatos geradores advindos de descargas atmosféricas (raios), que na hipótese estão classificados como terceiro maior agente causador das interrupções, não podem elidir a responsabilidade da requerida, pois, diante da previsibilidade de tais fenômenos naturais, ela tem a incumbência de adotar as medidas técnicas necessárias para que suas redes de energia elétrica estejam protegidas, sob pena inclusive de ser responsabilizada por eventuais danos causados aos usuários do serviço”, finaliza.
A ação foi julgada procedente para condenar a empresa na obrigação de fazer consistente na implementação e comprovação das providências técnicas e investimentos para a melhoria da qualidade do serviço de fornecimento de energia elétrica, no prazo de 180 dias, contados do trânsito em julgado, sob pena, em caso de descumprimento, de multa diária no importe de R$ 10.000,00. Além disto, concedeu a tutela de urgência para, no prazo de 30 dias, sob multa diária também de R$ 10.000,00, adotar providências técnicas necessárias para adequar as tensões da rede de energia elétrica instalada nos postes identificados no processo.
Ficou decidido, ainda, que na ausência de prestação de informações pela requerida, em eventual fase de execução, incumbirá ao autor comprovar nos autos as ocorrências de interrupções e oscilações, para que a multa arbitrada seja aplicada, a qual será revertida em prol do Fundo de Defesa do Consumidor no âmbito estadual (art. 13 da Lei n.º 7.347/85).
Veja a decisão.
Processo: nº 0550021-08.2004.8.12.0022
Fonte: TJ/MS


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