A 6ª Turma do TRT-4 reconheceu o direito à reparação civil por dano moral de uma ex-funcionária da Transportes Waldemar Ltda. O colegiado condenou a empresa a indenizar em R$ 10 mil a autora da ação por sofrer assédio sexual por parte de um colega.
A Turma reformou a decisão inicial que indeferiu, por falta de provas, a solicitação da reclamante, levando-a a recorrer da sentença. O acórdão se baseou na testemunha da reclamante que relatou ter visto situações insinuantes e constrangedoras e que também teria sido alvo de investidas do mesmo colega.
Para a relatora, a juíza convocada Maria Madalena Telesca, “o ônus da prova em situações como esta, deve ser revertido ao empregador para que se prestigie o princípio da não discriminação no trabalho. Também, pelo princípio da proteção, deve-se considerar do reclamado, a carga probatória da não ocorrência do assédio sexual nas dependências de seu estabelecimento”.
Ainda não há trânsito em julgado.
Atua em nome da reclamante o advogado Gilberto Jacques Gonçalves. (Proc. n. 0113300-47.2009.5.04.0014
ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO (05.11.10)
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. Reintegração no Emprego. Para que se reconheça a doença ocupacional, que se equipara ao acidente de trabalho, deve haver prova do nexo de causalidade entre aquela e as atividades do trabalhador. Recurso não provido.
Indenização por Danos Morais. Assédio Sexual. O ônus da prova recai sobre quem o alega; existindo provas a reparação é devida. Recurso da autora provido, no particular.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 14ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente H.V.V. e recorrido TRANSPORTES WALDEMAR LTDA.
Inconformada com a sentença proferida nos autos às folhas 254-61, da lavra do MM. Juíza Carolina Hostyn Gralha, a reclamante interpõe Recurso Ordinário (folhas 264/273). Postula seja declarada a estabilidade provisória, em decorrência de acidente de trabalho e sua reintegração no emprego. Pede, ainda, seja o reclamado condenado ao pagamento de indenização por danos morais.
Apresentadas contrarrazões às folhas 279-84.
Não sujeito a parecer do Ministério Público do Trabalho.
É o relatório.
ISTO POSTO.
CONHECIMENTO.
Sendo tempestivo o apelo da reclamante (fls.264-73), regular a representação (fl.15), encontram-se preenchidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso.
MÉRITO.
1. Reintegração no Emprego. Verbas Rescisórias.
Inconforma-se a reclamante com o indeferimento de sua pretensão ao reconhecimento da estabilidade provisória, por decorrência de acidente de trabalho e, por consequência, sua reintegração no emprego. Sustenta que alguns dias antes de entrar em férias, sofreu uma lesão na unha do dedo indicador da mão direita, durante a execução de suas tarefas, o que desencadeou a proliferação de um fungo, o qual ainda não foi curado. Aduz que, imediatamente ao fato, comunicou a seus superiores hierárquicos e que foi dispensada do trabalho, bem como, estando na iminência de entrar em férias, não teria sido emitida a CAT pelo empregador. Relata que não pode entrar em gozo de benefício acidentário por culpa do reclamado. Requer seja reconhecida a ilegalidade de sua despedida.
Sem razão, contudo.
Como bem analisado pela decisão de origem, a reclamante deixa de trazer aos autos prova de seu direito. Muito embora seja crível que no desempenho de atividades de limpeza, o trabalhador esteja potencialmente sujeito a contrair fungos, não há prova de que a autora tenha adquirido doença relatada e, ainda, em seu ambiente de trabalho. Os registros em cartões-ponto, acerca de afastamentos por doença, não são capazes de comprovar o nexo causal entre a doença em questão e as atividades da autora. Os documentos de folhas 43 e 44, apenas comprovam que a reclamante compareceu a consultas pelo convênio Unimed, a um médico traumatologista, nos dias 04 e 08 de junho de 2009, quando estava em férias. Entretanto, nada indica que tenha havido acidente de trabalho. O atestado médio demissional, folha 100, comprova a capacidade da reclamante para as funções na data da despedida.
No processo do trabalho, assim como nos demais ramos do direito processual, as partes se submetem à distribuição de cargas probatórias, as quais, em certas circunstâncias, são amenizadas, conforme a situação hipossuficiente de uma das partes. É o que normalmente se aplica aos trabalhadores ao deflagrarem a reclamatória trabalhista, em virtude de que, normalmente, estão em desvantagem perante o empregador quando se fala em acesso aos documentos e informações contratuais. Por essa razão não se exige do reclamante o conjunto probatório completo, num primeiro momento. Entretanto, não se admite litigue isento de qualquer ônus probatório. À falta de documentos resta ao reclamante produzir prova oral que calque suas alegações iniciais desprovidas de prova documental; ou, em outras situações, a prova pericial dá guarida aos fatos narrados na petição inicial. Assim, mesmo que no processo do trabalho haja uma distribuição diferenciada do ônus da prova, não se admite que o reclamante apenas teça alegações, sem nada provar.
Na situação relatada nos autos a reclamante foge de sua carga processual e não produz prova de sua tese inicial. A instrução do processo, exige que a autora aponte tais e quais os direitos restam calcados nas provas produzidas, tarefa da qual a reclamante não se desincumbiu em relação à pretensão acima deduzida.
Mantém-se a sentença.
Nada a prover,portanto.
2. Indenização por Danos Morais.
Postula a reclamante seja a decisão reformada, para que se condene a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais. Sustenta que sofreu assédio sexual por parte de um colega de trabalho, Sr. F. Com razão a reclamante.
De plano, deve-se esclarecer que constitui dano moral o evento apto a produzir efeitos na órbita interna do ser humano, causando-lhe dor, tristeza ou qualquer outro sentimento capaz de lhe afetar o lado psicológico, sem qualquer repercussão de caráter econômico. São, pois, lesões sofridas pelas pessoas, em certos aspectos de sua personalidade, que atingem somente a esfera íntima e valorativa, pois a dor e a angústia são apenas formas pelas quais o dano moral se exterioriza. E por se tratar de evento cujas consequências se revelam unicamente no âmbito da intimidade da pessoa, a dificuldade quanto à caracterização do dano moral se situa justamente em sua comprovação. Isso porque, não basta a demonstração do fato constitutivo do alegado dano. Deve o lesado comprovar, de forma cabal e inequívoca, a ocorrência efetiva dos efeitos danosos.
Ainda, o ordenamento jurídico brasileiro impõe a responsabilidade civil somente quando configurada a hipótese do art. 186, do Código Civil, in verbis: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
De outra parte, ensina Sergio Cavalieri Filho, acerca da responsabilidade civil que: Em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a idéia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa idéia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico. (In Programa de Responsabilidade Civil, São Paulo: Malheiros Editores, 2005, 6ª ed., p.24).
Data venia, a sentença deve ser reformada. Isso porque entende-se que o ônus da prova em situações como esta, deve ser revertido ao empregador para que se prestigie o princípio da não discriminação no trabalho. Também, pelo princípio da proteção, deve-se considerar do reclamado, a carga probatória da não ocorrência do assédio sexual nas dependências de seu estabelecimento.
Além do reclamado não ter trazido aos autos provas que pudessem elidir a tese trazida pela reclamante, a testemunha M.R.C.A. afirmou ter conhecimento dos fatos narrados nos seguintes termos: […] que em uma oportunidade, a depoente estava subindo as escadas para a sala do café e ouviu a voz da reclamante falando alto “abre a porta, abre a porta”; que depois viu a reclamante saindo chorando da sala e logo depois, F.; que a reclamante falou para a depoente que F. a trancou na sala; que a reclamante “deu uns toques” para a depoente que F. ficava “cercando” ela, dando em cima dela e fazendo insinuações; que depois que a reclamante saiu chorando, foi para a sala de A., que era a responsável pelo Recursos Humanos [grifos nossos].
A prova oral produzida, comprova que o comportamento do empregado envolvido, Sr. F., era impróprio para o ambiente de trabalho, pois a própria testemunha afirmou que também foi alvo de suas investidas. O envolvido foi ouvido como testemunha, entretanto, evidentemente que o abusador não iria confessar em juízo suas práticas ilícitas, razão pela qual seu depoimento não deve constituir pilar da decisão.
Assim, considera-se que a reclamante logrou êxito em demonstrar a efetiva ocorrência do ato ilícito no local de trabalho, o que faz despertar seu direito à reparação civil por dano moral, o qual fixa-se em R$ 10.000,00.
Recurso ao qual se dá provimento.
3. Multa do art. 477 da CLT.
Não há pedido constante na petição inicial, de aplicação do disposto no artigo 477 da CLT, razão porque resta sem objeto o recurso, no particular.
4. Juros e Correção Monetária.
Muito embora o tópico seja intitulado juros e correção monetária, o recurso tem por objeto a aplicação do art. 267 da CLT.
Não houve nos autos parcelas incontroversas inadimplidas quando da audiência inicial, o que afasta
a incidência do dispositivo em questão.
Nega-se provimento.
Prequestionamento
Apenas para que não se tenha a presente decisão por omissa, cumpre referir que a matéria contida nas disposições legais e constitucionais invocadas pela recorrente foi devidamente apreciada na elaboração deste julgado.
Nesse sentido, a Orientação Jurisprudencial 118 da SDI-I do TST: PREQUESTIONAMENTO. TESE EXPLÍCITA. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA Nº 297. Havendo tese explícita sobre a matéria, na decisão recorrida, desnecessário contenha nela referência expressa do dispositivo legal para ter-se como prequestionado este.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade de votos, dar provimento parcial ao recurso da reclamante para condenar o reclamado ao pagamento de Indenização por Danos Morais, no valor de R$ 10.000,00. Valor da condenação arbitrado em R$1.700,00, que se acresce para R$ 11.700,00, para os fins legais.
Intimem-se.
Porto Alegre, 27 de outubro d 2010 (quarta-feira).
JUÍZA CONVOCADA MARIA MADALENA TELESCA
Relatora