O empregador não pode ser responsabilizado por situações que estejam fora do seu controle ou de sua atuação, nos casos de acidentes que não têm relação direta com o exercício do trabalho. Com esse entendimento, a Justiça do Trabalho indeferiu pedidos de indenizações feitos pelas famílias de dois trabalhadores mortos em um acidente de carro no interior de Mato Grosso.
O desastre ocorreu quando os dois empregados do setor administrativo da fazenda retornavam para casa, ao fim do expediente. O carro em que ambos estavam seguia pela rodovia, quando foi abalroado por uma caminhonete, também de propriedade da fazenda, após a entrada abrupta de uma anta na pista. Na tentativa de desviar do animal, o motorista do utilitário perdeu o controle e se chocou com o veículo ocupado pelas vítimas fatais.
Ao acionar a Justiça, os familiares de ambos os trabalhadores atribuíram a culpa do acidente à empresa, argumentando que eles eram submetidos a jornadas exaustivas e tinham que enfrentar diariamente um percurso de 70km para chegar ao trabalho. Segundo eles, houve negligência do empregador em não fornecer transporte regular, com motorista, de forma que a condução do veículo não estivesse a cargo de alguém afetado pelo cansaço.
No mesmo sentido, apontaram que a caminhonete envolvida no acidente estava com pneus desgastados e a uma velocidade entre 112 a 128 km/h, sendo que o limite era 80km/h. Assim, a responsabilidade seria da empresa, na medida em que o empregador responde pelos atos praticados por seus empregados em serviço, conforme o artigo 932 do Código Civil.
Ao julgar o processo em trâmite na Vara do Trabalho de Sorriso, a juíza Fernanda Madeira avaliou, no entanto, que, apesar de reconhecer a ocorrência do acidente de trajeto, este se deu em decorrência de uma situação imprevisível.
Tratando-se, portanto, de um caso fortuito, uma das hipóteses que afasta o nexo de causalidade (a ligação de causa e efeito entre a conduta do empregador e o ocorrido), não cabe à empresa o dever de arcar com as indenizações pelos danos. “São circunstâncias ou condições que escapam a qualquer controle ou diligência do empregador, daí por que nesses acidentes não se vislumbram o nexo de causalidade nem o dever de indenizar”, ressaltou.
A decisão levou em conta o laudo da perícia criminal elaborado pela Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec) de Mato Grosso que concluiu que “a causa do acidente é atribuída a presença do animal silvestre (anta) sobre a pista”.
A perícia demonstrou também que embora o motorista do veículo que causou a colisão estivesse acima da velocidade permitida esse fato não desencadeou, ou mesmo contribuiu, para que o acidente. Da mesma forma, o estado dos pneus ou a jornada de trabalho dos envolvidos no acidente.
Conforme o laudo, “(…) conclui-se que, mesmo que V1 trafegasse dentro do limite regulamentar de tráfego e que admitíssemos a ante como um animal estático sobre a pista (o que é pouco provável), certamente o atropelamento da anta e consequentemente a colisão com V2 ocorreriam por imposição das circunstâncias (visibilidade do animal, limitações normais humanas e mecânicas) alheias à vontade e habilidades do motorista de V1. Sendo assim, devido ao atropelamento da anta e suas consequências posteriores terem se mostrado potencialmente inevitáveis mesmo com o veículo em velocidade regulamentar, a causa do acidente não pode ser atribuída ao motorista de V1 e nem ao excesso de velocidade do referido veículo.”
No mesmo sentido, o perito explicou que o acidente decorreu da presença do animal silvestre na rodovia, sendo este um fato imprevisível, tendo em vista que ele era de “coloração monocromática nos tons de cinza e preto, não possuindo, principalmente à noite, contraste com o pavimento asfáltico”, e ainda “a anta é um animal ágil, que pode ter adentrado a pista repentinamente em menos de um segundo”.
Assim, a juíza julgou improcedente os pedidos de indenizações por danos morais e materiais, visto que diante das provas é “imperioso concluir que o lamentável acidente do trabalho ocorreu por caso fortuito”.
A magistrada destacou, todavia, que a legislação sobre os benefícios da Previdência Social (Lei 8213/91) admite o caso de acidente de trajeto como acidente do trabalho. “Assim, inobstante a vítima não ter direito à indenização do empregador, terá direito a todos os benefícios previdenciários concedidos pelo seguro acidentário”, registrou.
Processos: n° 0000006-12.2018.5.23.0066 e 0000005-27.2018.5.23.0066
Fonte: TRT/MT