Foram dois acidentes seguidos: o primeiro em julho, quando o trabalhador teve a mão esquerda prensada na lenha ao alimentar a fornalha, resultando em cinco meses de afastamento do serviço. O segundo em janeiro, no mês seguinte ao retorno da licença, ocasião em que teve a mesma mão prensada nas engrenagens da máquina de pré-limpeza. Seguiu-se, então, mais oito meses de afastamento com cirurgias, tratamentos e sequela.
Na Justiça do Trabalho, o empregador afirmou que o primeiro acidente ocorreu por falta de cuidado do trabalhador, pois a atividade é de simples execução e realizada corriqueiramente. Já o outro se deu em razão do trabalhador não ter seguido as recomendações de desligar o maquinário ao fazer a limpeza. Por fim, argumentou que além de ter seis anos de experiência, o trabalhador era o responsável por treinar os demais colegas e fiscalizar a utilização de EPIs. Ou seja, ele sabia como agir de forma que a culpa era exclusivamente dele por ambos os acidentes.
Ao julgar a questão, a juíza Caroline de Marchi, em atuação na 2ª da Vara do Trabalho de Rondonópolis, avaliou que as atividades nas quais ocorreram o acidente (manejo de pedaços grandes de madeira até a fornalha, bem como a manutenção da máquina de pré-limpeza de grãos) são de risco, cabendo a aplicação da responsabilidade objetiva. Nesse caso, não depende da comprovação da ação ou omissão culposa do empregador no evento que causou o dano para gerar o seu dever de indenizar, mas somente a relação entre o acidente e o exercício do trabalho.
Mas, para além disso, identificou a culpa do empregador, que não forneceu treinamento e nem adotou medidas para a prevenção de acidentes, como a utilização de materiais seguros e compatíveis com a atividade realizada na empresa. Por isso, condenou-o ao pagamento de compensação por dano moral no valor de 15 mil reais, indenização por dano material (lucros cessantes) em 17 mil, além dos honorários da perícia médica.
A empresa recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT), pedindo a exclusão das condenações e reiterando a alegação de culpa exclusiva do trabalhador.
O relator do recurso no Tribunal, desembargador Edson Bueno, destacou que, de fato, comprovada a conduta da vítima como causadora do acidente fica eliminado o dever da empresa de arcar com os prejuízos decorrentes do ocorrido, pois o nexo causal é rompido, ou seja, deixa de existir a relação de causa e efeito entre o ato do suposto culpado e o prejuízo experimentado pela vítima.
“A controvérsia a ser solucionada reside em saber se há elementos suficientes para concluir que a conduta do trabalhador foi a causa única dos acidentes ou se houve descumprimento das normas legais, contratuais, convencionais, regulamentares, técnicas ou do dever geral de cautela por parte do empregador”, explicou o relator.
Entretanto, a análise da alegada falta de atenção do trabalhador no caso do primeiro acidente, o desembargador concluiu, com base nas provas existentes no processo, não ter havido nenhuma postura imprudente por parte do empregado no momento de alimentar o forno com toras de madeiras bem como o descumprimento deliberado de qualquer orientação passada pelo empregador. No mesmo sentido, ficou provado que ele usava luvas fornecidas pela empresa, equipamento de segurança que, entretanto, mostrou-se insuficiente para proteger efetivamente o trabalhador.
Quanto ao segundo acidente, o relator ressaltou que a tese de que o trabalhador descumpriu orientações de desligar a máquina para realizar o procedimento no qual se machucou só se comprovaria caso o empregador demostrasse ter fornecido as condições mínimas de segurança para realização do trabalho.
No entanto, a conclusão foi a de que a empresa não cumpriu o previsto na Norma Regulamentadora 12 (NR 12) do Ministério do Trabalho, que determina ao empregador dar treinamento prévio para manutenção de maquinário.
Com relação à alegação da empresa de que trabalhador seria o responsável por treinar os demais empregados no uso da máquina de pré-limpeza, o argumento não foi aceito no Tribunal, uma vez que o representante do empregador confessou, em audiência, que o empregado não participou de nenhum treinamento durante o período em que estava na empresa e nem teria apresentado certificado de treinamento quando foi contratado.
O relator ressaltou ainda a precariedade dos procedimentos para a manutenção do maquinário pois apesar da empresa ter dito que não há necessidade de colocar a mão dentro da máquina para realizar a limpeza e que os empregados utilizavam chaves e hastes para isso, testemunhas ouvidas pela Justiça confirmaram que utilizavam um “pedaço de pau ou a mão”, reforçando a insegurança dos procedimentos.
A situação comprova o descumprimento de outros itens da NR 12, que estabelece o dever do empregador de fornecer ferramentas e materiais adequados às operações realizadas nas intervenções em máquinas e equipamentos.
A conclusão, por conseguinte, foi que o acidente ocorreu pela conduta negligente da empresa em expor seus empregados a atividade de risco sem o treinamento necessário e, ainda, sem fornecer ferramentas e materiais adequados.
Assim, os desembargadores da 1ª Turma do TRT/MT, acompanhando o relator, não reconheceram a culpa do trabalhador nos acidentes e mantiveram o dever do empregador de indenizá-lo.
Quanto aos valores, a 1ª Turma decidiu reduzir a compensação pelo dano moral de 15 mil para 12 mil reais, entendido como suficiente para recomposição do sofrimento suportado pelo trabalhador.
Processo: PJe 0001393-68.2016.5.23.0022
Fonte: TRT/MT