Engano da laicidade – Estado laico não é o que abole as convicções religiosas

por Claudio Fonteles

O voto do ministro Carlos Britto calca-se em que o embrião resultante da relação sexual não é o embrião resultante da fecundação in vitro. O primeiro é início da vida, mas a vida só acontece com o nascimento, registrado em cartório. O segundo vida não é.

Ora, o raciocínio equivoca-se, em muito, por definir o conteúdo, pelo continente. Com efeito, o fundamento, o conteúdo, é a fecundação. Se aconteceu, fruto de relação sexual, no quarto, na sala, ou no banheiro, ou se deu em laboratório, o lugar onde aconteceu a fecundação é, por óbvio, irrelevante. A fecundação é que gera a vida.

Aliás, e muito a propósito, disse o jornalista Élio Gaspari: “Achar que só há vida depois que ela é reconhecida em cartório ou autenticada pela OAB equivale a regredir ao período em que o cérebro do nosso macaco mal sabia comandar as pernas”.

O promotor Diaulas, fervoroso defensor das pesquisas com células tronco embrionárias, indispondo-se contra lei local que incentiva a doação de órgãos post-mortem — e a doação dos órgãos é atitude a se aplaudir sempre pelo que significa de gesto concreto e eficaz de solidariedade humana — é textual: “O desenvolvimento da ciência fez surgir a expectativa de um direito fundamental à imortalidade”.

Por certo, o promotor Diaulas encanta-se com o romance: “O retrato de Dorian Gray. Opções literárias não se discutem, havemos de respeitá-las…

Já que estamos, no dia seguinte, em frases de arroubo e encantamento, o ministro Britto brinda-nos com a proclamação: “Chega de Trevas”, emoldurada por gesto largo seu, mãos abertas, olhos ao céu a pedir luz. Ocorreu-me a passagem do Gênesis quando o próprio Deus, prescindindo da linguagem gestual, disse simplesmente: “Faça-se a luz”.

A terminar, reparo à monótona, de tão repetida, afirmação de que com a ação que ajuizei comprometida está a laicidade do Estado brasileiro.

Estado laico não é o que abole as convicções religiosas para consagrar o ateísmo, como opção única. Estado laico, porque democrático e plural, é o que garante a convivência pacífica e respeitosa dos que professam os mais variados credos, inclusive os que credo não tem.

Definitivo é Gomes Canotilho, constitucionalista emérito: “Para além dos momentos emocionais que o laicismo republicano transporta pode dizer-se que ele assenta principalmente em três princípios: secularização do poder político, neutralidade do Estado perante as Igrejas e liberdade de consciência, religião e culto”.

Revista Consultor Jurídico

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