Com a ampliação do entendimento sobre as obras que são protegidas pela Lei de Direito Autoral, a 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou, em 3 de março, à pena de dois anos de reclusão um ex-empregado de uma multinacional fabricante de elevadores. Quando desligado, ele abriu sua própria empresa, especializada na capacitação de técnicos – tudo com base no material didático da ex-empregadora.
A decisão confirma sentença do juiz Carlos Eduardo Lora Franco, da 28ª Vara Criminal paulista. No caso analisado por ambos, depois de se desligar da multinacional, o engenheiro passou a oferecer cursos de manutenção de elevadores. A posição privilegiada que ocupava no emprego anterior permitiu que ele tivesse acesso aos manuais detalhados sobre o funcionamento dos equipamentos. Nem mesmo os avisos de propriedade estampados no material desencorajaram a fotocópia das páginas. Todas as apostilas foram encontradas numa diligência de busca e apreensão feita na empresa.
Apesar de tipificado no artigo 184 do Código Penal, o crime contra a propriedade intelectual é pouco empregado, como explica o advogado David Rechulski, que figurou como assistente de acusação nomeado pela multinacional. “Até hoje a Justiça brasileira não tem por hábito condenar à prisão os violadores de direitos autorais”. Com isso, perdem os inventores e inovadores.
A legislação que trata do assunto dá margem às dúvidas. É o caso, por exemplo, do artigo 7º da Lei 9.610, de 1998, que trata dos direitos autorais. Isso porque muitos magistrados entendem como limitado o número de bens amparados sob o dispositivo. De acordo com o caput, “São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”. No entanto, alguns juízes acreditam que a expressão “tais como”, seria taxativa, e não exemplificativa, restringindo as obras protegidas.
Apesar dos argumentos levantados pela defesa do engenheiro, o juiz atentou para uma apostila em especial, que trazia anotações pessoais do aluno. “O manual é emblemático ao conter a anotação à caneta do nome de um possível aluno […] e outras observações à lápis, tudo indicando que o material era definitivamente entregue aos alunos”, considerou.
Durante o julgamento de apelação, Andrade observou que esse lucro, obtido por meio do emprego do material didático nos cursos, justificara a Ação Penal Pública – e não privada, como argumentava o réu. “Em se tratando de obra intelectual e havendo prova de que a reprodução foi feita com a finalidade de lucro, a ação penal é pública incondicionada”. Ou seja, requer provocação exclusivamente do Ministério Público para ser levada à análise do Judiciário.
Tanto o primeiro grau quanto o segundo não descartaram a possibilidade de uma apostila ser protegida pela legislação autoral. O juiz Lora Franco, ao analisar o conteúdo das páginas, observou que as informações não configuravam mera reprodução de conceitos. “Há ali toda uma exposição didática e instruções de procedimentos, que denotam, sim, uma atividade intelectual que merece ser protegida”.
E, para fundamentar o raciocínio, delineou uma analogia, comparando o material didático empregado no curso com qualquer outro livro de matemática. “Os conceitos e operações matemáticas não podem ser objeto de direitos autorais. Mas a forma como é redigido o livro, como são dadas as explicações, os desenhos utilizados, a seqüência de informações, enfim, toda a organização daquele conhecimento e a didática adotada na redação do livro é, sim, produto intelectual passível de proteção pelos direitos autorais”, explicou.