por Maurício José Polakowski
Quando votei pela primeira vez, no final da década de 80, lembro que pesquisei sobre as propostas dos candidatos, e votei nos melhores. Mas o que me frustra, é que não consigo recordar quais foram os candidatos e o partido correspondente, exceto o presidente da República, que na época não foi eleito.
Então pensei que alguma coisa estava errada, e realmente estava e está até hoje. Ao ler a matéria da Folha de São Paulo do dia 7 de maio 2006, com o título: “Sete em dez eleitores não lembram do voto1 , ficou claro que o sistema vigente em nosso país é deficiente, e precisa ser reformado. Desta forma, precisamos aperfeiçoar o nosso sistema a fim de facilitar e incentivar a participação efetiva da sociedade para fiscalizar e acompanhar o destino das verbas públicas vinculados à saúde, educação e segurança, e é a partir disto que se inicia a discussão sobre a Reforma Política.
Conforme o artigo 45 da Constituição Federal “a Câmara dos deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional, em cada Estado…” O sistema proporcional é utilizado nas eleições para a Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas e Câmaras municipais, obedecendo ao princípio da representação proporcional, ao contrário dos senadores, prefeitos e vice-prefeitos, presidente e vice-presidente e para governadores e vice-governadores de estado e do Distrito Federal, que são eleitos pelo princípio majoritário. (artigo 83 da Lei 4.737/65, artigo 77, § 2º, 27 e 45 da CF/88)
No artigo 106 do Código Eleitoral (Lei 4.737/65) descreve o Q.E. — Quociente Eleitoral utilizado nas eleições proporcionais: “Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um se superior”.
Então, decifrando o enunciado, o “quociente eleitoral” (Q.E.) nada mais é que um índice resultante da divisão dos votos totais do partido (legenda) pelo total dos eleitores da região aos quais os candidatos são eleitos.
A exclusividade desta sistemática utilizada nas eleições causa os seguintes efeitos:
— Um candidato com votação expressiva não se elege, em função do baixo Q.E. do seu partido.
— Aquele candidato com votação pífia se elege, em função do alto Q.E. do seu partido, facilitando ou induzindo a mercantilização do cargo político com fins estritamente individuais em detrimento aos interesses coletivos.
Desta forma, o sistema vigente há décadas, ressalvadas o descaso pela educação2, induziu os eleitores a não se envolverem com a política, mesmo sendo obrigados a votarem, conforme determina a Constituição Federal no inciso I, parágrafo primeiro do artigo 14.
Mas não são somente estes efeitos, pois podemos citar outros prejuízos advindos deste sistema:
Campanhas políticas milionárias: No atual sistema a base territorial se amplia, pois o candidato é obrigado a fazer campanhas com custos maiores para atingir seus eleitores. Isto faz com que a obtenção de recursos muitas vezes não seja declarada, forçando a situação de fontes ilegais.
Como os eleitores não conseguem fiscalizar os seus candidatos eleitos, as leis são feitas por estes políticos que legislam a favor dos seus interesses pessoais. O que isto resultou em décadas?
Resposta: A parafernália de leis que não são aplicadas, tanto na esfera civil, penal e tributária, criando o descontrole e o caos da coisa pública. Basta citar algumas tragédias recentes: Acidentes aéreos, acidentes em obras irregulares concedidos pelos órgãos públicos e epidemias fora de controle pelo descaso das autoridades públicas.
Além destas tragédias com vítimas sem a punição exemplar dos culpados, temos a corrupção nos órgãos públicos, potencializado pelo descontrole da coisa pública em função deste sistema político-eleitoral, que geram escândalos ano após ano, em sucessivos governos.
Mas o eleitor pode estar se perguntando o que isto tem haver com o sistema político-eleitoral? Tudo está intimamente ligado a este sistema inadequado. Acompanhe o raciocínio: eleitores que elegem políticos corruptos, que mantêm o sistema, que fazem leis que causam o descontrole da coisa pública, que causam tragédias, que desviam recursos da saúde, educação e segurança, que mantêm os eleitores alienados e impotentes.
Nosso país precisa de meios de controle, para punir exemplarmente os crimes de “colarinho branco”, e o principal meio de controle, tenham certeza, começa pela reforma política. Estamos com este sistema há mais de 70 anos. Em 1932, com o novo Código Eleitoral, o Brasil era um país predominantemente agrícola e para a época pode ter sido uma alternativa para frear o domínio dos coronéis em seu reduto eleitoral e tentar reduzir as fraudes eleitorais. Então, mudou-se o sistema distrital para o proporcional. Mas a realidade atual é outra, e nossas cidades se tornaram metrópoles, onde este sistema favoreceu o descontrole e a inoperância da coisa pública.
Desta forma começamos a eleger políticos não comprometidos com seus eleitores. Estes políticos fazem as leis, criando um escudo para as suas “maracutaias”, desviando recursos que deveriam ser canalizados para a saúde, educação e segurança.
Então a solução para os problemas do Brasil é a reforma política?
Ela será o guia das outras reformas tão necessárias. Com o atual sistema sempre teremos reformas “meia-solas”, pois os interesses de uma grande parte de políticos corruptos irão impedir qualquer avanço significativo nestas áreas (saúde, educação, segurança e tributos), porque eles se beneficiam do sistema. É o escudo para seus interesses escusos.
E o que fazer para que a reforma política aconteça?
Uma sociedade organizada, através dos seus representantes de classes profissionais, empresários e trabalhadores devem se mobilizar e pressionar o Congresso Nacional para que respaldados pelos renomados juristas deste país, os políticos façam algo de útil para a nação. Desde 1947, existem 35 projetos 3 de reforma política, onde a mesma deve conter principalmente:
— O voto distrital ou distrital misto, com principio majoritário e proporcional se for o caso.
— Fdelidade partidária 4
— Verbas transparentes de campanha
— Revisão da imunidade parlamentar e o foro privilegiado, pois os mesmos devem ser usados para a proteção do uso da palavra no exercício da função pública e não para proteger político corrupto, assassino e ladrão.
— O voto distrital tem o seu efeito potencializado em aproximar o eleitor do seu candidato eleito, fazendo com que o número de candidatos honestos aumente. O que ocorre hoje é o inverso, os candidatos honestos são poucos e os corruptos se proliferam no atual sistema. Além disso, o sistema distrital tem o efeito de tornar as verbas das campanhas mais transparentes, tornando os custos menores.
— Outro efeito benéfico da reforma é que tornando a política acessível e transparente, as associações de bairros se multiplicariam e as já existentes finalmente ganhariam um maior poder sobre o candidato eleito no seu bairro, pois o vínculo jurídico ficaria estabelecido.
— O artigo 45 da Constituição Federal que define o voto proporcional para deputados e vereadores não é cláusula pétrea 5, pois não está no rol das proibições do parágrafo 4º do artigo 60, então é só ter a vontade política para esta mudança, através de emenda constitucional. Por outro lado, existem autores que consideram não ser necessária a Emenda Constitucional, pois o sistema distrital misto seria um sistema proporcional propriamente dito, sendo necessário então “modificações na legislação ordinária pertinente 6.
— Primeiro é necessário tapar os “buracos” da sua rua, depois exigir o bom funcionamento do “posto de saúde” do seu bairro, para após resolver os problemas do seu município. Solucionado os problemas locais, grande parte dos problemas de amplitude nacional estaria resolvido.
Com esta reforma, o eleitor poderia imaginar-se elegendo um vereador que representa o seu bairro que mora perto da sua casa, elegendo um deputado estadual em que você sabe que ele representa uma região do seu município, elegendo um deputado federal em que você sabe que ele representa uma região do seu estado. O controle e a cobrança das promessas de campanha seriam factíveis, e políticos comprometidos com os anseios da sociedade, legislariam a favor da vida, educação, justiça e paz.
Notas de rodapé
(1) “Sete em dez eleitores não lembram do voto”, por Maurício Puls da Folha de São Paulo em 07/05/2006.
(2) O descaso pela educação há décadas é produto da ausência de cultura de um povo. Porém este mesmo descaso se mantém há décadas por políticos eleitos num sistema eleitoral injusto que induz a corrupção e aliena seus eleitores que ficam impotentes a deterioração da coisa pública.
(3) No “site”da Camara dos Deputados (http://www2.camara.gov.br/proposições), encontram-se 35 proposições entre elas várias PECs (Proposta de Emenda Constitucional) e PL (Projeto de Lei).
(4) O STF em 2007 já consagrou esta mudança, julgando que mandatos dos parlamentares pertencem aos partidos.
(5) Conforme o parágrafo 4º da Constituição Federal, “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda que tente abolir: I- a forma federativa de Estado; II- o voto direto, secreto, universal e periódico; III-a separação dos poderes; IV – os direitos e garantias individuais.
(6) Silva, Luiz Virgilio Afonso da. Sistemas Eleitorais: tipos, efeitos jurídico-políticos e aplicação ao caso brasileiro, São Paulo: Melhoramentos, 1999 p.169.
Revista Consultor Jurídico