Estado policial – Por causa de grampo no STF, Lula afasta cúpula da Abin

Foi uma virada impressionante. De um lado estava o Direito, de outro o populismo. Venceu o bom senso.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou o afastamento da cúpula da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), inclusive do diretor Paulo Lacerda, até o fim das investigações sobre o grampo ilegal feito nos telefones do Supremo Tribunal Federal e de seu presidente, ministro Gilmar Mendes. A decisão foi tomada no início da noite desta segunda-feira (1/9).

Em nota, a Presidência da República explica que o afastamento da direção da Abin foi determinada para assegurar a transparência do inquérito que será aberto pela Polícia Federal para apurar a responsabilidade pelos grampos ilegais.

O presidente Lula também vai determinar ao Ministério da Justiça a elaboração de projeto de lei que agrave a punição administrativa e penal aos agentes públicos responsáveis por interceptações telefônicas ilegais. Outra medida será pedir urgência ao Congresso Nacional na aprovação do Projeto de Lei 3.272/08, que modifica as regras de escutas telefônicas.

O chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, já informou o ministro Gilmar Mendes sobre a decisão. O anúncio do afastamento foi feito pouco depois de o Supremo ter informado que iria esperar, antes de se pronunciar institucionalmente sobre os grampos ilegais, as providências prometidas pelo presidente da República. A decisão do STF foi tomada na reunião do Conselho de Ministros.

Depois da reunião no Supremo, de cerca de uma hora, o secretário de Comunicação Social do tribunal, Renato Parente, deu a seguinte declaração: “O Supremo Tribunal Federal, reunido em Conselho, foi informado por seu Ministro Presidente do teor do encontro mantido, nesta data, com o Excelentíssimo Senhor Presidente da República e decidiu aguardar as providências exigidas pela gravidade dos fatos”.

Pela manhã, três ministros do STF cobraram uma resposta enérgica do governo contra as escutas ilegais feitas no tribunal. Em reunião que durou pouco mais de duas horas, no Palácio do Planalto, o tom foi o de que é preciso buscar uma solução definitiva para o problema de escutas, vazamentos e outras ações típicas de um Estado Policial.

Participaram da reunião no Planalto, além de Gilmar Mendes e Lula, o vice-presidente do STF, ministro Cezar Peluso; o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Britto; o diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda; o ministro da Justiça, Tarso Genro; o ministro Jorge Felix, do Gabinete de Segurança Institucional; e o ministro Nelson Jobim, da Defesa.

No encontro, os ministros do Supremo fizeram um relato das investidas contra o tribunal. Lembraram, por exemplo, a tentativa de intimidação no caso da Operação Navalha. Na ocasião, em agosto de 2007, policiais vazaram a informação de que o ministro Gilmar Mendes estava na lista das autoridades que receberam mimos da empreiteira Gautama, investigada pela Polícia Federal na Operação Navalha. A informação foi divulgada logo depois de o ministro dar liminar para soltar um dos presos pela PF. O verdadeiro nome na lista era de outra pessoa: o engenheiro Gilmar de Melo Mendes. A Polícia sabia que era apenas coincidência, mas divulgou-a assim mesmo.

Os ministros lembraram ainda que uma desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região teria ouvido do juiz Fausto Martin De Sanctis, que comandou recentemente a Operação Satiagraha, que o gabinete do ministro Gilmar Mendes havia sido monitorado, com a ajuda da Abin.

As escutas divulgadas neste fim de semana pela revista Veja foram o ápice de uma situação que dura já algum tempo. E, para os ministros do STF, não é possível aceitar, desta vez, apenas o anúncio de uma investigação profunda sem que haja soluções concretas para coibir as ações ilegais. A opinião comum é a de que é preciso encerrar essa fase.

Freio do Conselho

O ministro Gilmar Mendes comanda algumas iniciativas no Conselho Nacional de Justiça, do qual é presidente, na tentativa de frear abusos de policiais e outras autoridades. Uma das providências é a de que o CNJ acelere os estudos para criar a Vara de Corregedoria de Polícia, para aumentar a fiscalização do trabalho policial que foge do controle.

No que diz respeito a escutas telefônicas, o CNJ criará a Central do Grampo, que seguirá os moldes do modelo proposto pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que controla o número de interceptações telefônicas determinadas pela Justiça.

Os ministros do STF examinam também a conveniência de se propor a tipificação ciriminal da interceptação ilegal, como sugeriu o ministro Eros Grau. A corte estuda também a reforma da lei de abuso de autoridade de tal modo a permitir a queixa por abuso, que hoje é prerrogativa sem uso do Ministério Público.

Grampo no STF

A revista Veja publicou reportagem segundo a qual a Abin está grampeando ilegalmente diversas autoridades. A revista traz a transcrição de uma conversa entre Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) que foi grampeada. Segundo a revista, a transcrição foi repassada por um funcionário da própria Abin, que informou a existência de monitoramento de deputados, senadores, ministros de Estado e de outro integrante do STF, o ministro Marco Aurélio. O teor da conversa publicada foi confirmado pelo ministro Gilmar Mendes e pelo senador.

Ministros do Supremo, do Superior Tribunal de Justiça e juízes ouvidos pela ConJur consideraram o fato gravíssimo e disseram que a Presidência da República tem o dever de apurar os fatos relatados pela revista semanal e dar explicações sobre eles. O ministro Ricardo Lewandowski se disse perplexo com a notícia: “É um ato gravíssimo e que abala os alicerces do Estado Democrático do Direito”.

O ministro Marco Aurélio não acredita que o presidente da República esteja envolvido da operação ilegal, mas sustenta que cabe a ele identificar e demitir os responsávei. “Quem cometeu desvio de conduta tem de pagar. Só assim haverá mudança cultural”, disse à ConJur. “A administração pública só pode fazer o que está autorizada por lei a fazer. Bisbilhotar não está autorizado. Isso entra no campo da ilicitude e do crime.”

Já o ministro Cesar Asfor Rocha, que toma posse da presidência do Superior Tribunal de Justiça na quarta-feira (3/9), disse que a escuta ilegal de autoridades “é simplesmente inadmissível”. Com ele concorda o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Mozart Valadares. “O grampo ilegal é inaceitável quando feito contra qualquer cidadão, mas se torna mais grave quando seu alvo é o presidente da suprema corte do país”, disse.

Leia a nota da Presidência da República

O Presidente da República, após ouvir a coordenação de governo sobre a denúncia de interceptação ilegal de telefonema do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, decidiu:

1) referendar o pedido do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Armando Felix, ao ministro da Justiça, Tarso Genro, de abertura de inquérito policial pela Polícia Federal para investigar os fatos;

2) para assegurar a transparência do inquérito, afastar temporariamente a direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) até o final das investigações;

3) manifestar a expectativa de que o Congresso Nacional aprove o mais rápido possível o PL 3272/08, de iniciativa do Poder Executivo, que regula e limita as escutas telefônicas para fim de investigação policial;

4) determinar ao Ministério da Justiça a elaboração, em conversações com o Supremo Tribunal Federal, de projeto de lei que agrave a responsabilidade administrativa e penal dos agentes públicos que cometerem ilegalidades no tocante a interceptações telefônicas e de qualquer pessoa que viole por meio de interceptação o direito de todo cidadão à privacidade e à intimidade.

Brasília, 1º de setembro de 2008

Secretaria de Imprensa da Presidência da República

Revista Consultor Jurídico

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