O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente Ação Penal (AP 396) contra o ex-deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO), condenando-o pelos crimes de formação de quadrilha e peculato. No exercício do cargo de diretor financeiro da Assembleia Legislativa do estado de Rondônia, ele – e outros sete corréus – teria desviado recursos da assembleia por meio de simulação de contrato de publicidade que deveria ser executado pela empresa MPJ Marketing Propaganda e Jornalismo Ltda.
O voto da relatora, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, pela procedência da ação penal quanto aos dois delitos expostos na denúncia, foi acompanhado por unanimidade quanto ao crime de peculato e, por maioria (7×1), em relação ao crime de quadrilha, vencido o ministro Cezar Peluso.
Os fatos
Em 24 de junho de 1999, a denúncia foi oferecida pelo procurador-geral de Justiça de Rondônia contra sete pessoas, entre elas Natan Donadon, tendo sido recebida em 2002 pelos desembargadores do Tribunal de Justiça do estado de Rondônia (TJ-RO). Segundo o Ministério Público estadual, a quadrilha era comanda pelo então presidente da assembleia, deputado Marcos Antonio Donadon e por Mario Carlixto Filho, empresário de comunicação em Rondônia.
Os desvios teriam sido praticados reiteradamente ao longo de dois anos e meio, no período de 31 de julho de 1995 a 19 de janeiro de 1998, por meio de contrato entre a empresa MPJ e a assembleia. Em decorrência desse contrato fraudado, a assembleia emitiu em favor da MPJ 140 cheques com o pretexto de pagar por serviços publicitários Os cheques totalizam R$ 8 milhões e 400 mil, em valores daquele período.
Apesar de devidamente citado, Natan Donadon não teria comparecido ao seu interrogatório, motivo pelo qual foi decretada sua prisão preventiva e, posteriormente revogada, tendo em vista sua posse como deputado federal. A primeira instância – 3ª Vara Criminal da Comarca de Porto Velho (RO) – determinou o desmembramento dos autos com a remessa do processo, somente em relação a Donadon, ao Supremo, que é competente para processar e julgar o parlamentar federal.
Peculato
“A materialidade do crime parece-me devidamente demonstrada pela vasta prova documental acostada e notadamente os cheques destinados ao pagamento da empresa MPJ Marketing Propaganda e Jornalismo Ltda.”, afirmou a relatora, ministra Cármen Lúcia, em relação ao delito de peculato. Segundo ela, as testemunhas, ao serem ouvidas, revelaram que a empresa, embora tenha recebido os pagamentos, não prestou serviços para o poder legislativo do estado, nem emitiu notas fiscais. Além disso, contou que alguns dos documentos foram incinerados por um dos corréus.
A ministra citou que as testemunhas, entre elas a responsável pelo lançamento contábil, afirmou não se recordar de ter visto qualquer nota fiscal da empresa, nem qualquer publicidade da assembleia através de televisão, jornais ou por meio de rádio, no período. “Parece claro, portanto, que recursos públicos do orçamento da Assembleia Legislativa de Rondônia foram desviados pela simulação da prestação de serviço que, em verdade, não ocorrera, portanto irrefutável a materialidade dos fatos submetidos a essa análise judicial e devidamente comprovado também com as declarações das testemunhas”, afirmou. Também com base nos depoimentos, a ministra ressaltou que a empresa não teria funcionário, escritório, equipamento ou telefone para contato.
A ministra verificou que os cheques destinados ao pagamento dos serviços não prestados foram assinados pelo réu Natan Donadon, diretor financeiro da assembleia à época em que os cheques foram emitidos . Ele também era quem entregava os cheques para a MPJ e dizia a quais empresas deveriam ser repassado o dinheiro.
“Observa-se, pois, que não se trata de responsabilização do acusado com base em prova frágil ou meramente indiciária”, considerou Cármen Lúcia. “O que se tem nos autos são elementos de informação em perfeita simetria com o conjunto de provas produzidas durante a instrução do processo, de modo a se ter um mosaico probatório sustentável e dar ao julgador a certeza da autoria dos fatos imputados ao réu”, completou, ao salientar que os indícios obtidos na fase de investigação foram confirmados na instrução processual.
Conforme a ministra, “fugiria do limite do razoável imaginar que uma pessoa que exerce o importante cargo de diretor financeiro da assembleia legislativa de Rondônia, ao efetuar o pagamento de serviços que custaram milhões de reais, mais de R$ 8 milhões em valores de 1995, não tivesse a obrigação de se informar se eles estariam sendo devidamente prestados”.
Quadrilha
Para a ministra Cármen Lúcia, está comprovado o envolvimento de pelo menos quatro pessoas no esquema criminoso, tendo ficado demonstrado também o caráter estável e permanente da associação criminosa. Ela ressaltou que foram efetuados pelo menos 22 pagamentos indevidos em um período de quase um ano em um desvio de pelo menos R$ 1 milhão 647 mil e 500 reais em valor não atualizado. “É, portanto, atuação duradoura e organizada”, avaliou.
“Quanto ao réu Natan Donadon, o delito de formação de quadrilha tem prova autônoma e independente, de modo que nada impede a condenação do acusado por este crime, independentemente de se apurarem nesses autos a responsabilidade dos demais envolvidos”, esclareceu a relatora. Ela informou que os outros corréus estão processados pelo mesmo crime na instância própria, na qual já há uma primeira decisão condenatória.
Divergência
O presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, foi o único a absolver o ex-parlamentar quanto ao crime de quadrilha. Ele afirmou que esse delito é “plurissubjetivo”. Ou seja, para que fique tipificado, é preciso que fique provada a associação, a ação de pelo menos quatro pessoas.
Nesta tarde, o Supremo somente analisou a denúncia contra o ex-parlamentar, já que os demais acusados estão sendo julgados em outra instância. Por isso, o ministro Peluso alegou que, para condenar na Suprema Corte, seria necessário que o juízo competente em relação aos demais acusados os tenha condenado em definitivo pelo crime de quadrilha.
“Se a associação significa a atividade de várias pessoas, é preciso, para o reconhecimento do crime, do qual a associação é pressuposto típico indispensável, que haja juízo do órgão competente, ou dos órgãos competentes, que afirme que houve associação”, afirmou.
O ministro ressaltou, inclusive, que o Supremo não tem competência alguma para dizer se a atividade dos demais membros é ou não é criminosa, porque eles não figuraram como réus no processo julgado hoje. “O Supremo, aqui, se reservou a examinar, apenas, a atividade do réu. Ora, o réu, sozinho, como objeto do juízo do Supremo, não pode ter cometido o delito de quadrilha, a menos que o juízo competente que examina a atividade dos demais supostos membros da quadrilha os tenha definitivamente condenado por essa associação. Fora disso, o STF estaria reconhecendo a associação de uma única pessoa”, disse.
Ele finalizou afirmando que havia “remédio jurídico” para resolver o problema, como, por exemplo, juntar o processo sob o argumento jurídico da conexão.
Pena
Na fixação da pena, prevaleceu a corrente liderada pelo ministro Dias Toffoli, revisor da ação penal. A condenação total foi de 13 anos, quatro meses e dez dias de reclusão (dos quais 11 anos, um mês e dez dias pelo crime de peculato, e dois anos e três meses por formação de quadrilha), além de 66 dias-multa no valor de um salário mínimo vigente à época do fato, corrigido monetariamente. A pena deverá ser cumprida em regime prisional incialmente fechado. Na reparação do dano, a Corte seguiu a proposta da relatora: Donadon terá de restituir aos cofres públicos do Estado de Rondônia o valor correspondente a R$ 1.647.500,00, atualizados na execução pelos índices de correção monetária, e terá seus direitos políticos suspensos enquanto durarem os efeitos da condenação. A pena restritiva de liberdade não poderá ser substituída pela privativa de direitos, e Donadon poderá recorrer em liberdade, até que a pena se torne definitiva (transite em julgado).
EC,RR,CF/AL,CG