O descumprimento da cláusula de barreira em contrato de franquia constitui concorrência desleal. Com base nesse entendimento, o juiz Alexandre, da 14ª Vara Cível de São Paulo, condenou uma ex-franqueada da S.O.S Computadores a pagar multa e a indenizar a empresa pela perda de clientela e lucros cessantes.
O juiz considerou legítima a cláusula de barreira ou de silêncio que impede os franqueados, por dois anos após o fim do contrato de franquia, operar qualquer negócio similar ou concorrente do sistema de franquia.
Segundo o advogado que representou a S.O.S., Marcos Vazão, do Menezes Advogados, ao resguardar a relação de franquia, essa decisão sinaliza maior segurança para o franqueador com relação ao Judiciário, que, “é ausente de decisões sobre o assunto, especialmente sobre cláusula de não concorrência, cuja validade é discutida tendo em vista o princípio constitucional da livre concorrência”.
O advogado acredita que a sentença pode criar uma definição mais clara do contrato de franquia, ao respeitar o contrato e a vontade das partes nele manifestada. Ele explica que o caso provocou impacto negativo entre outros franqueados da S.O.S., que questionavam porque tinham que cumprir obrigações se outro franqueado não estava cumprindo as dele.
Segundo o juiz, “os réus se utilizaram de terceiros, inclusive via sucessão informal e até mesmo constituição de empresa (…) para que pudessem indevidamente dar continuidade às atividades outrora desempenhadas quando da vigência do contrato de franquia, frise-se, valendo-se de todos os elementos da autora S.O.S.”.
No mesmo dia, Bucci julgou três ações sobre o caso: uma Ação Anulatória de Contrato e uma Ação Declaratória Incidental, ambas movidas pela franqueada. a PTR Informática, e uma Ação de Rescisão Contratual cumulada com Obrigação de não fazer, está de autoria do franqueador, a S.O.S. Computadores.
De acordo com o relatório do juiz, o contrato de franquia foi celebrado em dezembro de 2000. Nos termos do contrato, a S.O.S. Computadores deu treinamento, tecnologia e know-how dos cursos para a outra parte, que instalou uma franquia no centro de Petrópolis (RJ). O relacionamento entre elas era tão bom que a empresa concedeu à franqueada mais cinco unidades.
Contudo, ela começou a descumprir algumas obrigações que estavam estipuladas no contrato de franquia: a aquisição de material didático, o pagamento da “Taxa de Publicidade Nacional e Regional” e o reembolso das despesas da S.O.S. com a manutenção de softwares que usava sob licença da franquia.
Em outubro de 2003, a empresa notificou a franqueada de que esta lhe devia aproximadamente R$1,8 milhões por causa desses descumprimentos, e foi assinado um “Termo de Confissão de Dívida com Alienação Fiduciária de Bens Móveis em Garantia e Outras Avenças” para que o valor fosse pago em 69 parcelas. O não pagamento de duas parcelas causaria o vencimento antecipado da dívida e a rescisão do contrato.
Já em janeiro, fevereiro e março do ano seguinte os pagamentos não foram feitos. Notificado sobre a rescisão em razão do não pagamento, não se manifestou e passou a ser considerado um ex-franqueado. Segundo a S.O.S., essa atitude significou concordância tácita.
Ainda segundo os autos, além de não cumprir suas obrigações e não pagar suas dívidas, a ex-franqueada passou a usar a a tecnologia e know-how adquiridos com a S.O.S em uma nova rede com a marca “XYZ Centro Tecnológico de Informática”.
Para se defender, a ex-franqueada alegou que a marca da empresa não era conhecida no local em que instalou sua franquia (a primeira da região), já que sua notoriedade se limitava aos locais nos quais ela mantinha unidades e, portanto, não aproveitava a ela. Além disso, alegou que como tinha criado um sistema de telemarketing para captação de alunos, com recursos próprios, que propagou para outras unidades da rede, a submissão característica do contrato de franquia teria sido descaracterizado.
A ex-franqueada pedia que o contrato fosse rescindido por culpa da S.O.S., que lhe cobrava obrigações abusivas, como a taxa de publicidade de 13% do faturamento bruto, e dizia que a franqueadora não poderia ser considerada proprietária da clientela conquistada por ela.
Quanto a isso, “o juiz entendeu que o arrependimento tardio e ineficaz dos réus não poderia ser convalidado sob o rótulo de anulabilidade ou nulidade das obrigações livremente pactuadas”. Para ele, “nada de irregular havia no contrato de franquia empresarial, o mesmo aplicando-se ao Termo de Confissão de Dívidas que foi posteriormente firmado entre os interessados”.
Ao final, o juiz declarou que o contrato foi rescindido por culpa exclusiva doa ex-franqueada; determinou que ela obedecesse a cláusula de barreira de dois anos; declarou que sua atividade após março de 2004 caracterizou concorrência desleal, e por isso estipulo o pagamento de multa prevista no contrato; determinou que fossem completamente descaracterizados os pontos comerciais em que as unidades tinham sido instaladas, e que fossem devolvidos à S.O.S todos os elementos de marca e bens cedidos; e que a ex-franqueada mantenham o silêncio, preservando o segredo do negócio, além de indenizar a perda de clientela e lucros cessantes da empresa.
Sobre a execução dessa sentença, que precisa ser liquidada para estipular um valor a ser cobrado, Vazão explicou que “apreciar o uso indevido de clientela, marca ou concorrência é sempre muito abstrato”. Dessa forma, a ex-franqueada deverá fornecer documentos relativos aos alunos adquiridos na época em que atuou em concorrência desleal. Se esses documentos não forem entregues ou não forem confiáveis, vai ser usado como parâmetro a época em que a franquia ocorria devidamente, e se isso também não for possível, o parâmetro será de equidade, com base em outras franquias próximas.