Por entender que a realização de despesas não autorizadas por lei não foi feita em benefício próprio, mas de pessoas carentes da comunidade, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para reduzir a pena imposta pela Justiça estadual a Paulo Geraldo Xavier, ex-prefeito de Itapissuma (PE). No entanto, foi mantida a inabilitação, por cinco anos, para o exercício de cargos públicos, eletivos ou de nomeação.
O ex-prefeito havia sido condenado à privação de liberdade por período total de sete anos, em regime inicial semiaberto, sendo três anos e seis meses de reclusão e outro tanto de detenção, além de multa, perda do cargo e inabilitação para funções públicas por cinco anos. A decisão da Quinta Turma reduziu a pena privativa de liberdade para quatro meses de reclusão e três anos e três meses de detenção.
Doações fora da lei
Segundo o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), com o propósito de obter vantagens eleitorais, o ex-prefeito realizou no mês de agosto de 2000 doações no valor de R$ 26.353, além de gastos de R$ 16.821 com viagens para pessoas carentes, R$ 11.957 com serviços funerários e R$ 13.253 com almoços para funcionários, tudo sem lei específica autorizadora e sem licitação. Também há registro de doações de óculos e próteses.
Por esses fatos, o réu foi condenado com base no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei 201/67, que considera crime de responsabilidade dos prefeitos, punível com reclusão de dois a 12 anos, o ato de “apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio”.
O processo também apurou a contratação, sem licitação, de prestadores de serviços para transporte de pessoas a outros municípios e de fornecimento de alimentação a terceiros, o que, no entendimento do TJPE, configurou o delito previsto no artigo 89 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações). O dispositivo prevê pena de três a cinco anos de detenção e multa para o agente que dispensa licitação ou a declara inexigível fora das hipóteses previstas em lei.
Moralidade
Ao analisar o pedido de habeas corpus apresentado pela defesa no STJ, a relatora, ministra Laurita Vaz, afirmou que “o assistencialismo não constitui providência vedada em nosso ordenamento jurídico”. Mas, continuou ela, para essa providência ser legítima, precisa seguir os preceitos legais, sendo admitida apenas quando devidamente autorizada por lei específica que estabeleça critérios objetivos para a seleção dos beneficiários, “com vistas a coibir a prática com fins eleitoreiros, observados os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade”.
A ministra observou que o assistencialismo sem previsão legal praticado pelo então prefeito de Itapissuma não se enquadra no inciso I do artigo 1º do Decreto-Lei 201, mas no inciso V, que tipifica o ato de “ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes”.
“A malversação dos valores utilizados para o pagamento de despesas não autorizadas, embora ilegal, não foi realizada com o propósito de locupletamento ilícito próprio ou de terceiro individualmente considerado, mas em benefício de uma coletividade (pessoas ditas carentes)”, afirmou a ministra, ao votar pela desclassificação da conduta atribuída ao prefeito. Para o crime do inciso V, a pena é de detenção de três meses a três anos.
Presunção de inocência
A ministra também observou que os critérios adotados pelo TJPE para a fixação da pena-base acima do mínimo legal decorreram da valoração desfavorável da culpabilidade e dos antecedentes criminais do prefeito, que respondia a outras duas ações penais. Quanto à culpabilidade, traduzida pelo propósito de obter dividendos eleitorais, a relatora considerou que essa circunstância foi reconhecida pelo TJPE com base nas provas do processo, podendo então ser considerada para elevação da pena, seja em relação ao inciso I ou ao inciso V.
No entanto, Laurita Vaz destacou que, segundo a jurisprudência do STJ e do Supremo Tribunal Federal, “inquéritos policiais ou ações penais em curso não podem, em razão do princípio constitucional do estado presumido de inocência, ser considerados para agravar a pena-base do condenado”.
A defesa do ex-prefeito também pretendia reduzir para três anos o prazo de inabilitação para o exercício do cargo público. A relatora, porém, disse que nesse ponto o pedido não merecia ser conhecido, “uma vez não demonstrado qualquer perigo ou restrição à liberdade de locomoção do paciente, o que inviabiliza a utilização do remédio constitucional do habeas corpus”.
Diante disso, o colegiado determinou a desclassificação da conduta do ex-prefeito para a descrita no artigo 1º, inciso V, do Decreto-Lei 201, fixando a pena em quatro meses de reclusão, e a redução da pena de detenção relativa ao delito previsto no artigo 89 da Lei 8.666 para três anos e três meses. Determinou ainda o retorno dos autos ao juízo das execuções, para a análise do preenchimento dos requisitos legais quanto ao benefício da substituição das penas.