Dessa vez não adiantou chorar. Ao contrário do ex-secretário geral da Presidência da República Eduardo Jorge, seu sucessor no cargo ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Graeff, não conseguiu emplacar ação de indenização por danos morais por ter sido criticado pela imprensa. Eduardo Jorge, que deixou o posto de comando ao ser colocado contra a parede em investigações sobre um suposto esquema de corrupção, tem colhido seguidas decisões judiciais favoráveis contra veículos de comunicação, devido ao fato de que as denúncias jamais foram provadas. Graeff, por sua vez, forçou a mão. A ação indenizatória contra o jornalista Ruy Nogueira alegava que a honra do ex-secretário foi ofendida por ele ter sido chamado de “autoritário”. Quem acabou condenado foi o próprio ex-secretário, obrigado a pagar a módica quantia de R$ 1 mil em honorários advocatícios e custas processuais.
A sentença a favor do jornalista saiu nesta sexta-feira (18/12), dada por um juiz do Distrito Federal. Em meio à polêmica censura decretada pela Justiça distrital contra o jornal O Estado de S. Paulo em julho, que perdurou até mesmo no Supremo Tribunal Federal, a decisão favorável a Nogueira mostra que nem todas as cabeças do Judiciário local preferem a imprensa calada.
Graeff acionou o jornalista pela menção a seu nome em coluna do site “Sanatório da Imprensa”, em 2004. No texto, Nogueira afirmou que Graeff tinha ego “portentoso” e comportamento “temperamental”, que mostrou logo após assumir a Secretaria-Geral da Presidência da República no lugar de Eduardo Jorge. O jornalista também atribuiu ao ex-secretário “a defesa do coorporativismo da pelegagem patronal”. Pessoalmente, o colunista se referiu a Graeff como “figura que não desperta maior atenção, opaca, perdida na mediocridade do governo ao qual serviu”.
Nenhuma das afirmações foram ilícitas, segundo o juiz Carlos Alberto Martins Filho, da 16ª Vara Cível de Brasília. “Sopesando-se a liberdade de expressão e de comunicação, bem como o direito de honra, intimidade e de privacidade, como patrimônio da pessoa humana, não se verifica o abuso no direito de informar por parte do réu”, disse em sua decisão. “Nada obstante a visão crítica das ações e do currículo do requerente, inclusive com menções históricas, as palavras utilizadas, pelo que se depreende do texto, estiveram no limite da liberdade de expressão com esteio na ordem constitucional.”
Para o juiz, nem mesmo ao caracterizar Graeff como “autoritário” e “temperamental” Nogueira lesou a honra do ex-secretário, exatamente como defendeu a advogada Tânia Tizzoni Nogueira. Segundo ela, o jornalista apenas narrou fatos e exerceu seu direito de crítica a uma pessoa que, inclusive, tinha função pública. “A análise jornalística realizada deu-se sobre pessoa que ocupou cargo público, com as ações fiscalizadas por todo e qualquer cidadão, leito em que devem ser plausíveis opiniões próprias de um pluralismo de ideias e opiniões”, disse o juiz, demonstrando, como há muito se esperava em Brasília, pleno conhecimento das garantias da imprensa previstas no artigo 220 da Constituição.
Leia a decisão.
Circunscrição : 1 – BRASILIA
Processo : 2004.01.1.040843-6
Vara : 216 – DECIMA SEXTA VARA CIVEL
Ação: Indenização
Autor: EDUARDO PIRAGIBE GRAEFF
Réu: RUY NOGUEIRA
S E N T E N Ç A
Cuida-se de ação de conhecimento, submetida ao procedimento ordinário, ajuizada por EDUARDO PIRAGIBE GRAEFF contra RUY NOGUEIRA, ambos qualificados e com endereço nos autos.
Afirma o autor ter o demandado veiculado em sua coluna, chamada “Sanatório da Imprensa”, um artigo sob o título “Saudades da Panair”. Alega haver criticado o mencionado artigo em mensagem privativa remetida por meio do correio eletrônico ao endereço pessoal do ré no dia 6 de fevereiro de 2004. Noticia que, após a crítica, o demandado enviou resposta ao requerente, no mesmo dia 6 de fevereiro, igualmente de forma privativa. Sustenta ter havido ofensa à sua pessoa.
Ademais, continua o autor, no dia 10 de fevereiro de 2004, o requerido tornou públicos os e-mails remetidos na mesma coluna “Sanatório da Imprensa”, além de haver veiculado um artigo de conteúdo ofensivo ao demandante.
Argumenta pela inaplicabilidade da Lei de Imprensa à espécie, relaciona as ofensas que entende haver sofrido a partir das ações do réu acerca do seu caráter, de sua conduta como funcionário público, de seus ascendentes e de sua idoneidade funcional. Diz haver experimentado danos morais.
Ao final, pede a parte autora a condenação da parte ré no pagamento de indenização pelos danos morais em quantia a ser arbitrada pelo Juízo.
O autor juntou documentos de fls. 16/34.
A parte requerida contestou a fls. 55/71. Fala em litigância de má-fé. Argüi a inépcia da inicial, a ausência de interesse processual, a incidência da Lei de Imprensa e a ocorrência da decadência. No mérito, coloca em relevo o dever do jornalista de informar corretamente. Assevera ter tido sua honra atacada pelo autor, por ocasião dos comentários por ele feitos com relação à matéria publicada no site. Aduz ter apenas narrado os fatos. Ressalta a liberdade de expressão. Saliente, ainda, que o autor exerceu função pública e está sujeito a críticas. Nega que as expressões utilizadas tenham o condão de gerar dano moral. Pugna pelo acolhimento das preliminares ou pela improcedência do pedido.
Em réplica (fls. 88/102), repisa linhas expendidas na peça exordial e combate o asseverado pelos réus.
É o relatório.
DECIDO.
Procede-se ao julgamento antecipado da lide, como quer a dicção do art. 330, inciso I, do CPC. A matéria objeto do conflito trazido aos autos independe, para sua solução, de dilação probatória. O exame do repertório documental acostado, com vistas à eventual adequação ao direito aplicável à espécie, é o bastante para a formação do convencimento deste Juízo, sendo desnecessária a produção de outros meios probatórios. Ressalte-se, por oportuno, que o Juiz é o destinatário da prova e cabe a ele o zelo pela rápida solução do litígio que se apresenta, na busca pela celeridade e efetividade processual. Há, sem dúvida, elementos bastantes para a formação do convencimento necessário e equacionamento da questão posta.
Com efeito, extrai-se da peça vestibular, com a clareza suficiente, a causa de pedir. Expuseram os autores os fatos e os fundamentos do pleito, com identificação do que entendem como motivo para a imputada responsabilização da demandada. Outrossim, o questionamento acerca do valor da causa indicado pelo autor em sua exordial não tem razão de ser. Em sede de pretensão de reparação por danos morais, deve se atentar que o valor que se faz constar é provisório, passível de alteração por ocasião da prolação da sentença. Como se não bastasse, por ocasião da emenda deferida (fls. 38), acabou por indicar a quantia buscada a título de reparação pelos propalados danos morais.
Também não há que se falar em ausência de interesse processual.
Sustenta Luiz Rodrigues Wambier, em seu “Curso Avançado de Processo Civil”, Volume 1, 6ª edição, RT, São Paulo, 2003, p.139, verbis:
“O interesse processual está presente sempre que a parte tenha a necessidade de exercer o direito de ação (e, conseqüentemente, instaurar o processo) para alcançar o resultado que pretende, relativamente à sua pretensão e, ainda mais, sempre que aquilo que se pede no processo (pedido) seja útil sob o aspecto prático. Essa necessidade tanto pode decorrer da imposição legal (…) quanto da negativa do réu em cumprir espontaneamente determinada obrigação ou permitir o alcance de determinado resultado (…) O interesse processual nasce, portanto, da necessidade da tutela jurisdicional do Estado, invocada pelo meio adequado, que determinará o resultado útil pretendido, do ponto de vista processual.”
Na espécie, a parte autora discorre sobre artigo de obra do demandado que teria causado lesão a seus direitos. E almeja a reparação dos alegados danos morais que teriam sido causados a partir da ação do requerido. Presente, pois, o interesse processual.
Já a questão prejudicial de decadência com lastro em dispositivo da Lei n° 5.250/67 – diploma, aliás, também invocado pela parte autora – seq
uer merece exame.
Com efeito, por força da decisão do colendo STF, proferida nos autos da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 130-7, a Lei n° 5.250/67 acabou por ser excluída do ordenamento jurídico, eis que não foi recepcionada pela Carta Política de 1988. Não há, pois, que se falar em incidência dela ao caso dos autos, mormente para o embasamento de possível configuração de decadência.
Na seara do mérito, observa-se que se cuida a espécie dos autos de responsabilização civil imputada pela parte autora ao réu, com alegação de experimentação de danos morais a partir da divulgação no sítio denominado “Sanatório da Imprensa” (www.sanatoriodaimprensa.com.br) de e-mails trocados entre as partes acerca da anterior publicação de artigo de autoria do demandado, no mesmo sítio, que, no entender do autor, teria sido lesiva à sua honra.
Aduz o demandante que tal artigo fora objeto de crítica por parte do requerente por meio de mensagem enviada ao requerido. Entretanto, segundo a exordial, o demandado resolveu tornar público os e-mails trocados entre as partes sobre o tema, inserindo-os no próprio sítio www.sanatoriodaimprensa.com.br.
Além disso, é mister salientar que a parte autora afirma que o réu elaborou um artigo de conteúdo ofensivo e o veiculou na mesma coluna.
Atento ao que invocado pela parte autora do teor do texto guerreado, no que interessa ao deslinde da causa, são observados os seguintes trechos, verbis:
“Quando o EJ deixou o Planalto, atormentado por acusações gravíssimas de corrupção, que ainda hoje pipocam na imprensa nacional (e não apuradas por conta do vedetismo e da incompetência de procuradores petistas, prejudicando, inclusive, o próprio denunciado, que poderia, talvez, ver provada sua inocência), o temperamental EG herdou sua cadeira, tornando-se ‘Secretário Geral da Presidência da República’. Chamavam-no ‘Ministro’, inflando seu portentoso ego.”
(…)
“Prócer da era tucana, EG ‘operou’ muito em assuntos do interesse de seu chefe. Não há nos corredores do poder quem não se lembre de sua destacada participação na candidatura do pernambucano Pio Guerra à presidência do biliardário SEBRAE, em 1998, contra Guilherme Afif Domingos, um dos mais qualificados quadros do empresariado nacional. Ao lado de Robertinho Silva, diretor técnico da entidade, e do desastrado ex-ministro Clóvis Carvalho, EG foi decisivo na defesa do coorporativismo da pelegagem patronal (Sesi, Sesc, Senai, etc…)”
(…)
“Não o sabia tão belicoso. Minha curiosidade quanto a ele – embora seja uma figura que não desperte maior atenção, opaca, perdida na mediocridade do governo ao qual serviu – relacionava-se a pequenas lembranças esparsas.”
Os textos acima transcritos, todos provenientes do artigo de autoria do demandante, cujo teor, inclusive, não foi impugnado pelo réu em sua peça de defesa, não apontam para a configuração de quadro fático que leve à conclusão pela ação ilícita do demandado.
Com efeito, não se dessume em momento algum dos excertos acima transcritos, invocados pelo demandante para sustento de sua tese, a extrapolação por parte do réu do direito de informar e noticiar fatos. Sopesando-se a liberdade de expressão e de comunicação, bem como o direito de honra, intimidade e de privacidade, como patrimônio da pessoa humana, não se verifica o abuso no direito de informar por parte do réu.
Saliente-se, por oportuno, que da terminologia utilizada pelo autor do artigo, mesmo nos instantes referidos pelo autor, não se dessume a ação lesiva e marcada pela extrapolação tal qual ventilado pela exordial. Nada obstante a visão crítica das ações e do currículo do requerente, inclusive com menções históricas, as palavras utilizadas, pelo que se depreende do texto, estiveram no limite da liberdade de expressão com esteio na ordem constitucional.
As assertivas acerca do que entende o requerido sobre a personalidade do autor, como, por exemplo, “autoritário” e “temperamental”, além de menções sobre o ego do requerente, da forma como colocadas, e em atenção também ao sentido literal dos vocábulos, não assumiram forma capaz de lesar a honra do demandante. Mister ressaltar, ainda, que a análise jornalística realizada deu-se sobre pessoa que ocupou cargo público, com as ações fiscalizadas por todo e qualquer cidadão, leito em que devem ser plausíveis opiniões próprias de um pluralismo de idéias e opiniões. Não se identifica na espécie a ultrapassagem aos lindes permissíveis ao animus criticandi ou animus narrandi, característicos da atividade jornalística.
Frise-se que somente há que se falar em extrapolação da função jornalística quando se identifica a notícia de fato (ou imagem) não verdadeiro ou quando há o desvirtuamento ou a deturpação do fato verídico, com causação de dano.
Definitivamente, o exercício da liberdade de informação por meios de divulgação social, como a revista, encontra-se sedimentado no art. 220 da Carta Política de 1988, que dispõe:
“
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”.
(…)
E, quanto à observância supramencionada, tem-se:
“Art. 5º
(…)
“IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
XIV – é assegurado a todos o acesso a informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
Poder-se-ia acrescentar, porquanto pertinente, o seguinte inciso:
“IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Indubitável, destarte, concluir-se pela ausência de caracterização da ação ilícita dos réus, do elo causal e do dano moral, como requisitos da obrigação de indenizar.
Por tais fundamentos, ao amparo do art. 269, item I, do CPC, e com resolução de mérito, julgo IMPROCEDENTE O PEDIDO formulados pelo autor. Condeno o autor ao pagamento aos réus das custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.
Sentença registrada nesta data. Publique-se. Intime-se.
Oportunamente, dê-se baixa e arquivem-se os autos.
Brasília (DF), 18 de dezembro de 2009.
CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO
Juiz de Direito