Excessos e abusos – Criminalistas divergem sobre estado policial no país

por Marina Ito

“Hoje, há uma escalada do estado policial, mas a tortura já não é feita como na época da ditadura. Adquiriu outras formas.” A frase é do advogado Nélio Machado, que defende o banqueiro Daniel Dantas. O seu colega, José Carlos Tórtima, não concorda. “Não vivemos em um estado policial, já que a característica dessa situação é uma polícia política com controle difuso sobre toda a população”.

Ambos divergem sobre a existência de estado policial no país. Mas nenhum deles tem dúvida de que há excessos por parte do próprio Judiciário, que autorizam medidas que ferem prerrogativas de advogados, e da Polícia Federal.

“Estamos banalizando a categoria”, afirmou Tórtima, referindo-se a tão propalada expressão estado policial. “Não me sinto vivendo num estado policial, porque posso bater às portas do tribunal e dizer que houve abuso”, afirmou. Ele mencionou uma situação pela qual passou, em que um juiz mandou fazer busca e apreensão indevida em seu escritório. Para Tórtima, não há estado policial em um regime onde as instituições podem funcionar. “O papel do Judiciário, hoje, não é figurativo”, afirma.

Mas Tórtima reconhece que há abusos. Segundo o advogado, muitos dos que são cometidos se devem a maus juízes, que autorizam essas medidas. Tórtima não poupou ninguém. Sem citar nomes, o criminalista lembrou-se da autorização dada por um ministro do Supremo para a PF entrar em escritório de advocacia de madrugada para recolher documentos na Operação Furacão. O ministro em questão foi Cezar Peluso.

“Há excessos, mas voltados para situações específicas”, constata. Tórtima afirmou que não tem saudades da Polícia Federal de 25 anos atrás, que torturava, nem da PF de 15 a 10 anos que pedia propina. Para ele, apesar do país viver em um Estado de Direito, “as garantias não se difundiram por toda a população”.

Já o advogado Nélio Machado acredita que há uma escalada do estado policial que começou no governo Fernando Henrique Cardoso e que piorou com o governo Lula. Segundo ele, o maior problema está nas interceptações telefônicas. O criminalista criticou o método da PF de obter provas após anos de monitoramento. “Todos os grampos são inconstitucionais”, defende. Segundo ele, o monitoramento vai contra o princípio de que o acusado não pode se auto-incriminar. Com o “grampeamento eterno”, constata, a defesa passou a ser simulada.

O advogado observa que não existe mais o contato pessoal entre advogado e cliente, já que mesmo protegidos, os diálogos são interceptados e incluídos em relatórios da Polícia Federal. Ele observa que a advocacia está sendo criminalizada.

O advogado de Dantas, que também não citou nomes, mas deixou claro que se referia à Operação Satiagraha, da Polícia Federal, criticou a situação em que os criminalistas estão. “Hoje, há policiais federais querendo sustentar a autonomia da Polícia Federal. Não um poder político e sim o poder paralelo e com endosso da população”, constata.

“Ao argumento de processo sigiloso, o HC virou uma abstração. Não serve pra nada”, observa. Nélio Machado afirmou ser investigado, porque entrou com HC, tratando de investigação sob sigilo. Para o criminalista, na época da ditadura se torturava, mas, hoje, a tortura adquiriu outras formas.

Papel persecutório

Para um salão lotado, Tórtima, Machado e o subprocurador geral da República, Juarez Tavares, debateram O Estado policial e o Estado de Direito, na X Conferência Estadual dos Advogados, da OAB do Rio.

Nas palestras, que aconteceram no sábado (9/8), Nélio Machado criticou a postura de juízes que se colocam no papel de combate à criminalidade. “Juiz não combate crime. Julga processo”, afirmou. Para ele, o juiz que participa de investigação não pode julgar o caso. A tese também é compactuada pelo subprocurador-geral Juarez Tavares.

Segundo Machado, o Judiciário vem se submetendo a questões ideológicas de que só vai preso quem vai para cadeia. “Vontade do povo não se faz na Justiça, mas nas urnas”, lembrou o criminalista.

Revista Consultor Jurídico

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