por Thiago Luís Sombra e Carlos Odon Lopes da Rocha
Após quase 20 anos de promulgação da Constituição Federal, a Advocacia Pública, composta por membros da Advocacia-Geral da União e das Procuradorias dos Estados, Distrito Federal e Municípios, primordial defensora do interesse e patrimônio públicos, ainda não detém as autonomias administrativa, financeira e funcional imprescindíveis ao pleno desempenho de suas atribuições.
Embora inserida no texto constitucional no capítulo concernente às Funções Essenciais à Justiça, ao lado da Defensoria Pública e Ministério Público, e, portanto, voltada ao pleno desenvolvimento da atividade jurisdicional, a Advocacia Pública permanece sob o jugo da imagem de vinculação e subordinação ao Presidente da República, aos Governadores e aos Prefeitos.
A rigor, tal situação não é condizente com o intuito do Constituinte, na medida em que a atuação da Advocacia Pública foi disciplinada em local diverso daquele destinado ao próprio Poder Executivo. Enquanto instituição de Estado, seu compromisso constitucional perpassa pelas diretrizes dos princípios da moralidade administrativa, legalidade e impessoalidade, o que revela a significativa incongruência da subsistência da concepção de Advocacia de Governantes, e não da Administração Pública.
Dentre as inúmeras e relevantes competências constitucionais conferidas aos advogados públicos, destacam-se a representação judicial e extrajudicial dos entes federados – em especial a arrecadação de tributos –, a proteção do patrimônio ambiental, cultural, social e artístico, bem como a observância da probidade administrativa.
Além de atuar como instrumento viabilizador de todas as políticas públicas (transportes, saneamento básico, segurança, saúde, educação etc), sob o ponto de vista jurídico, a Advocacia Pública ainda resguarda a legalidade e constitucionalidade dos atos administrativos por meio da consultoria jurídica.
Acima de quaisquer interesses governamentais momentâneos, a Advocacia-Geral da União e as Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atuam como órgãos públicos essenciais à manutenção do próprio Estado Democrático de Direito e à consecução dos ideais de igualdade e justiça material.
Nesse sentido, o Senador Bernardo Cabral, ao ensejo da tramitação da Reforma do Judiciário, reconheceu em seu parecer que “o atrelamento da Advocacia Pública ao Executivo, quase que às raias da dependência e da subserviência, transforma os advogados do Estado em defensores do detentor do poder no Estado, e é sempre bom lembrar que o bem público é indisponível, assim como também deveria ser a sua defesa”.
A perspectiva de uma Advocacia de Estado, cuja essência ampara-se na proteção da res publica, deve preponderar sobre a idéia de uma fugaz e efêmera submissão aos anseios governamentais. A inexistência de autonomia tão-somente enfraquece a Advocacia Pública e, por conseguinte, afeta em demasia a tutela do patrimônio público da sociedade brasileira.
Ciente de tais particularidades, o deputado federal Flávio Dino (PC do B/MA) apresentou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 82/07, que visa acrescentar à Constituição Federal, dentre outros, o artigo 132-A, o qual assegura as autonomias funcional, administrativa e financeira, assim como o poder de iniciativa de suas políticas remuneratórias e das propostas orçamentárias anuais. Em sua justificativa, o parlamentar afirma que a sistemática da Constituição da República prega o paralelismo de atributos entre as instituições públicas de Estado, sobretudo entre aquelas consideradas essenciais à realização do bem comum.
No atual quadro de amadurecimento político e democrático, a aprovação da PEC 82/07 representará para a Advocacia Pública nacional mais do que sua emancipação; conferir-lhe-á meios de atuar com maior vigor em defesa do interesse público. E, mesmo diante da infundada resistência a uma Advocacia de Estado, é sempre oportuno lembrar que a “excelência de uma idéia é medida pela oposição que ela provoca” (Hegel).
Revista Consultor Jurídico