Os trabalhadores do Japão sempre foram conhecidos pela lealdade às empresas. Depois da Segunda Guerra, eles alimentaram o crescimento econômico do país ao suportarem extenuantes horas de trabalho. No entanto, na última década, os japoneses estão menos propensos a tolerar baixos salários, instabilidade nos empregos e horas extras não pagas.
A Suprema Corte do Japão diz que o número de processos de trabalhadores contra empregadores aumentou 45% entre 1997 e 2005. Naquele ano, foram 2.303 casos e, no ano seguinte, as reclamações subiram para 2.777 processos, quando foi criado um novo tribunal para causas trabalhistas. A maior parte dos casos se refere a horas extras.
Um dos casos é o de Hiroshi Takano. Em junho, o jornal The New York Times contou que Takano trabalhou como gerente do McDonald’s durante anos. O trabalhador teve sua saúde deteriorada e foi obrigado a diminuir as horas de trabalho. A empresa, no entanto, não quis pagar as horas extras.
Takano resolveu processar o McDonald’s. Em janeiro, a Justiça de Tóquio mandou a empresa pagar US$ 75 mil de horas extras que Takano deveria ter recebido durante os anos que trabalhou para a rede de fast food. Em maio, a companhia anunciou que pagaria mais horas extras para os gerentes de suas lojas.
O funcionário afirmou que trabalhava 19 horas por dia ao gerenciar duas lojas. Também alegou trabalhar, às vezes, todos os dias por semana sem folga. O McDonald’s diz que como gerente, ele não fazia serviços braçais, portanto, não tinha direito de receber por horas extras. Depois da vitória no tribunal, outros quatro ex-gerentes de lojas do McDonald’s entraram com processos semelhantes.
Segundo o jornal, os assalariados do Japão estão aprendendo a defender seus direitos, e nesse processo estão reescrevendo o contrato social que antes ligava os trabalhadores às companhias numa espécie de código de lealdade quase que feudal. Ao mesmo tempo em que aprendem a negociar com as empresas, os empregados estão recorrendo à Justiça para proteger seus direitos ao estilo norte-americano.
Interesse próprio
“Os japoneses estão sendo forçados a pensar mais em seu interesse próprio, o que é algo que eles não estão acostumados a fazer”, afirma Yoichi Shimada, professor de Direito na Universidade Waseda, em Tóquio. “As pessoas estão percebendo aos poucos que existem meios legais para se defenderem caso se sintam prejudicadas.”
O ressentimento dos trabalhadores aumentou depois que a economia do Japão deu leve recuperada nos últimos cinco anos. Enquanto os lucros corporativos aumentaram, os salários permaneceram estagnados, alimentando a percepção de que as companhias falharam em dividir a bonança com seus empregados.
Há também a suspeita de que os trabalhadores ficaram com a maior carga dos cortes feitos por causa da competição com a China e Coréia do Sul. “As companhias japonesas usaram o silêncio de seus trabalhadores leais como uma arma na competição internacional”, diz Kiyotsugu Shitara, diretor do Sindicato de Gerentes de Tóquio, um pequeno sindicato que ajudou no processo de Takano contra o McDonald’s. “Os empregados estão cansados de serem usados dessa forma.”
Shitara e outros especialistas em trabalho dizem que o aumento dos processos também é o passo mais recente em direção a um ambiente de trabalho mais americanizado.
Muitos empregados envolvidos com processos se descrevem como revolucionários relutantes, arrastados para uma era mais legalizada à qual eles não têm outra opção senão adaptar-se.
Alguns, como Takano, culpam as atitudes indiferentes das companhias. “Eu não queria fazer isso”, diz Takano, que ainda gerencia uma loja do McDonald’s no subúrbio de Tóquio. “A companhia estava me tratando muito friamente, então tive de começar a proteger meus próprios direitos.”
Excesso de trabalho
Outro caso relatado pelo jornal é de Hiroko Uchino, que entrou com uma ação contra o governo depois que seu marido, Kenichi, funcionário de controle de qualidade na Toyota, morreu no escritório há seis anos. Hiroko queria que o órgão trabalhista do governo reconhecesse que ele morreu por trabalhar demais. Em japonês, existe até uma palavra para descrever este tipo de morte: karoshi.
Hiroko entrou na Justiça depois de a empresa dizer que seu marido não morreu por excesso de trabalho. A Toyota diz que um mês antes de morrer ele fez 38 horas extras. Segundo a mulher, notas fiscais de postos de gasolina e outras evidências mostram que Kenichi fez 155 horas extras no mês que morreu. A empresa diz que ele ficava depois do horário de trabalho por vontade própria, e não tinha direito a pagamento por horas extras.
O caso de Hiroko recebeu grande atenção, incluindo um encontro com o ministro do Trabalho, que lhe ofereceu palavras de conforto. Em março, um tribunal em Nagoya, ao sul do país, decidiu que a morte de seu marido estava relacionada ao trabalho, e que ele havia feito 93 horas extras no seu último mês, concedendo à viúva o direito de receber o pagamento adicional. “Se meu marido soubesse como a companhia iria reagir, ele nunca teria demonstrado toda essa lealdade despropositada”, afirma.
Revista Consultor Jurídico