Fins e meios – Licitação não pode privilegiar ex-presidiário

Por Caio de Souza Loureiro

Após o tratamento diferenciado conferido às pequenas e médias empresas, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.277/08, por meio do qual se pretende incluir mais um critério de desempate de propostas dentre aqueles já estabelecidos pelo artigo 3º, parágrafo 2º, da Lei 8.666/93, a Lei de Licitações. Desta feita, pretende-se privilegiar aquelas empresas que tenham 2% do seu quadro de empregados formados por egressos do sistema prisional.

É indiscutível a intenção afirmativa da proposta, por meio da qual pretenderia conferir maiores oportunidades àqueles que já cumpriram sua pena e que usualmente se deparam com dificuldades em retomar sua vida normal. Contudo, é preciso tecer alguns comentários a respeito do projeto.

Em primeiro lugar, o projeto acaba por acentuar a condição do ex-presidiário, na medida em que os egressos do sistema prisional brasileiro deverão manifestar essa condição quando da sua admissão, realçando-a cada vez que a empresa for participar de uma licitação. Não custa lembrar que um dos preceitos fundamentais a guiar o tratamento de ex-detentos é justamente o de tratá-los como um cidadão comum, sem que seja considerada sua condição pregressa.

Daí que, ao demandar a comprovação da condição dos seus empregados, o PL 4.277/08 obriga que os egressos do sistema prisional reafirmem constantemente essa condição, sem o que a empresa não poderá se valer do benefício.

Mais a mais, retirando-se da discussão quanto ao mérito da medida, há de se indagar dos efeitos dela no procedimento licitatório. Inicialmente, não é demais suscitar o desvio de finalidade da medida. Ora, a licitação se presta à escolha da melhor proposta, assim considerada pelo cotejo das condições econômicas da proposta, bem como pela atestação da capacidade executiva do licitante. A condição dos empregados da empresa em nada contribui para aferir a condição mais vantajosa da Administração. Não se pode conceber a licitação como pedra de salvação das políticas afirmativas do país, sob pena de retirar-lhe seu maior objetivo.

Não são desprezíveis, igualmente, as dificuldades impostas ao viés procedimental da licitação. Afinal, o PL demanda que a licitante comprove a existência de 2% de funcionários oriundos do sistema prisional. Como se dará essa comprovação? Será preciso colacionar à documentação das licitantes a lista de todos os seus empregados, com destaque para aqueles que se enquadram na previsão legal, para assim se aferir o cumprimento do percentual? Bastará uma declaração sob pena de responsabilidade? Vê-se bem que não é tarefa das mais simples a implantação do novel dispositivo, se este vier a ser aprovado pelo Congresso Nacional.

A questão, portanto, não verte somente sobre eventuais benesses dessa ação afirmativa — ainda que mesmo a suposta melhoria das condições dos egressos do sistema prisional possa ser questionada, tendo em vista a necessidade de manter viva sua condição pregressa —, mas, também, sobre os efeitos e o desvirtuamento do procedimento licitatório. Não pode a Administração buscar se valer do procedimento licitatório para implantação de políticas e ações que pouco dizem com o objetivo da licitação.

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