Flagrante em debate – Prisão de Álvaro Lins atendeu a todos os requisitos legais

por Marcelo Pasqualetti

No último dia 28 de maio a Polícia Federal, após exaustiva investigação e como parte dos desdobramentos da Operação Gladiador, deflagrou a Operação Segurança Pública S/A na cidade do Rio de Janeiro. Resultado do trabalho policial: o Ministério Público Federal junto ao Tribunal Regional Federal da 2ª região denunciou 16 pessoas, dentre elas o ex-chefe de polícia e deputado estadual, Álvaro Lins.

Como Medida Cautelar, o TRF-2 decretou a prisão preventiva de alguns dos denunciados e autorizou a prisão em flagrante do deputado Álvaro Lins, caso restasse configurado que ele fazia uso de um bem que lhe pertencia de fato, mas que estava em nome de uma terceira pessoa, com o objetivo de ocultar a sua origem.

A Constituição do estado do Rio de Janeiro, em seu artigo 102 parágrafo 1º diz que: “Desde a expedição do diploma, os deputados da Assembléia Legislativa não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável” E a seguir, em seu parágrafo 3º, concluí: “No caso de flagrante de crime inafiançável, os autos serão remetidos, dentro de 24h, à Assembléia Legislativa, a fim de que esta resolva sobre a prisão”.

Como conseqüência da prisão, baseado no que dispõe a constituição estadual, deputados daquela casa parlamentar se reuniram e decidiram pela soltura de Álvaro Lins sob o argumento de que a Constituição Federal em seu artigo 5º, XLIII ao dizer que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;” o faz de forma taxativa.

Assim, não havendo previsibilidade da inafiançabilidade do crime de lavagem de dinheiro, estaríamos diante da inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei 9.613/98, que prevê: “Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória”. Esse nunca foi o entendimento doutrinário ou jurisprudencial em nosso país.

No ano de 2006, o Supremo Tribunal Federal já havia enfrentado questão semelhante por ocasião da prisão do presidente da Assembléia Legislativa do estado de Rondônia, deputado estadual José Carlos de Oliveira (Operação Dominó) pela pratica do crime de formação de quadrilha, negando Habeas Corpus a ele.

No exame do HC 89.417/RO, a ministra Carmen Lúcia ressaltou a excepcionalidade da questão, explicitando que “os elementos contidos nos autos impõem interpretação que considere mais que a regra proibitiva da prisão de parlamentar, isoladamente, como previsto no artigo 53, parágrafo 2º, da Constituição da República. Há de se buscar interpretação que conduza à aplicação efetiva e eficaz do sistema constitucional como um todo. A norma constitucional que cuida da imunidade parlamentar e da proibição de prisão do membro de órgão legislativo não pode ser tomada em sua literalidade, menos ainda como regra isolada do sistema constitucional. Os princípios determinam a interpretação e aplicação corretas da norma, sempre se considerando os fins a que ela se destina.”

Também não foi esse o entendimento do Supremo neste ano, ao examinar o Habeas Corpus 91.435/BA que versava sobre a prisão do deputado distrital Pedro Passos no decorrer da Operação Navalha. Autorizado pelo Superior Tribunal de Justiça, a Polícia Federal o prendeu em flagrante por formação de quadrilha (artigo 288, do Código Penal) por entender tratar-se de crime permanente.

A construção do ministro Gilmar Mendes na concessão do Habeas Corpus foi que “ao momento da prisão em flagrante, o paciente não foi surpreendido em situação que fizesse supor a associação para o fim da continuidade de cometimento de crimes”. Logo, por duas ocasiões, nossa Corte máxima manifestou-se de maneira diversa ao entendimento da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.

Também é de se salientar que a Polícia Federal, nas três prisões de parlamentares que efetuou, tomou o cuidado de consultar o Judiciário sobre o estado ou não de flagrância, sendo autorizado por este a proceder com esta modalidade de prisão cautelar.

A questão da permanência no crime de lavagem ainda não se encontra pacificada nos tribunais superiores. Todavia, parece-nos não haver muita margem de interpretação sobre aquele tipo penal.

Os núcleos dos delitos descritos no artigo 1° caput e parágrafo 1° são: Ocultar e Dissimular. O dicionário Michaelis1 leciona “ocultar, do latim ocultare, 1. Não deixar ver ou não contar; encobrir, esconder; 2 – guardar, sonegar: ocultar lucros. 3- disfarçar, dissimular. 4 esconder-se”. Já o termo dissimular, do latim dissimulare, “1- não dar a perceber; calar. 2- não revelar seus sentimentos ou desígnios; ter reserva. 3- não deixar aparecer; ocultar, disfarçar, encobrir. 4- afetar com artifício; fingir: dissimular indiferença. 5- atenuar o efeito de: dissimular culpas. 6- usar de dissimulação: dissimular sobre algo. 7- esconder-se, ocultar-se”.

O professor Julio Mirabete 2 nos explica que “Crime permanente existe quando a consumação se prolonga no tempo, dependente da ação do sujeito ativo”. Para Cezar Roberto Bittencourt3 “permanente é aquele cuja consumação se prolonga no tempo, dependente de uma atividade do agente, que poderia cessar quando este quisesse”. Também com o mesmo pensamento na doutrina estrangeira, encontramos o ensinamento de Claus Roxin4: “Delitos permanentes son aquellos hechos en los que el delito no está concluido com la realización del tipo, sino que se mantiene por la voluntad delictiva del autor tanto tiempo como subsiste el estado antijurídico creado por el mismo”.

Na exposição de motivos 692/MJ sobre a Lei 9.613/98, o tipo previsto no artigo 180 do Código Penal Brasileiro é mencionado, no item 23, dada a similaridade com o disposto na lei 9.613/98. Tal e qual o delito previsto na Lei 9.613/98, o crime de “Receptação” prevê “ocultar em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime”. A receptação deve também ser oriunda de um outro crime, o que a doutrina denomina como sendo um “crime parasitário”.

O Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Habeas Corpus 4.642-2 declarou que “O crime previsto no artigo 180 do CP na modalidade ocultar é delito permanente, colocando o infrator na situação de flagrância, enquanto o objeto permanece escondido, o que patenteia os requisitos para a decretação de prisão preventiva”. Ou seja, enquanto está “ocultando” das autoridades o produto do crime, está incurso nos tipos previstos nos artigos 180 do Código Penal ou no artigo 1º da lei de lavagem de capitais, conforme o caso em concreto.

Saliento que ainda não encontrei nenhum julgado sobre a modalidade ocultar na lei de lavagem, o que só provocações como essa é que suscitarão a resposta do Judiciário. Outro ponto em comum é que a lei 9.613/98 prevê em seu artigo 2º que “independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes” e “sendo puníveis, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime”, pouco importando se decretada a prescrição do crime antecedente ou ainda presente as causas de isenção da pena ou o desconhecido do autor do fato. Aqui também quis o legislador andar lado-a-lado com o disposto no artigo 180, parágrafo 2o.

Por fim, reproduzo aqui o item 64, da exposição de motivos 692/MJ:

“A execução provisória e imediata da sentença de condenação (artigo 3o), com a indispensável motivação que justifique essa forma de prisão cautelar, atende às peculiaridades de ilicitude e de seu especial tipo de autor. Como é curial, a jurisprudência têm-se orientado no sentido de que a prisão provisória, em suas várias modalidades (flagrante, temporária, preventiva, pronúncia ou sentença condenatória), não atenta contra o princípio constitucional da presunção de inocência, conforme a Súmula 9 do Superior Tribunal de Justiça. Assim sendo, a condição imposta ao condenado de se recolher à prisão para poder apelar, quando for imposta pena privativa de liberdade em regime fechado ou semi-aberto, é um corolário lógico de tal orientação. E tal exigência não é dispensada mesmo em se tratando de réu primário e de bons antecedentes. Foi essa a orientação do legislador quanto aos crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492, de 1986) e contra os praticados por organização criminosa (Lei 9.034, de 1995), que, no caso, são delitos antecedentes ao ora tratado. No caso, a regra especial revoga a regra geral prevista no artigo 594 do Código de Processo Penal”.

Assim sendo, sob os aspectos confrontados, parece-nos que a prisão em flagrante do deputado Álvaro Lins atendeu a todos os requisitos legais. O direito é uma ciência dinâmica e não deve ficar restrita aos seus aplicadores, tendo a sociedade intensa participação em suas mudanças, fazendo-o na medida de sua mobilização.

Notas de rodapé

(1) disponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php

2- Mirabete, Julio Fabrini: Manual de Direito Penal. Ed. Atlas, 1.999, p. 129

3- Bittencourt, Cesar Roberto: Manual de Direito Penal, parte geral. Ed. Saraiva, 2.000, p. 145/146

4- Roxin, Claus: Derecho Penal — Parte Geral. Ed. Civitas/Madrid, 1.997, p. 329.

Revista Consultor Jurídico

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