Férias em dobro – Férias de 60 dias não justifica extinção de recesso judiciário

por Dimis da Costa Braga

O Conselho Federal da OAB solicitou ao senador Pedro Simon (PMDB-RS) a inclusão, no seu substitutivo ao Projeto de Lei 6/07, originado na Câmara, da proposta de suspensão dos prazos de 20 de dezembro a 20 de janeiro, em substituição ao recesso forense, que seria definitivamente extinto.

Alega-se, entre outros argumentos que não consideram o conjunto das situações envolvidas, que a existência das férias em dobro dos magistrados não justifica a paralisação das atividades jurisdicionais pelo recesso. Está havendo pressão apenas de um lado dessa corda que, se confirmada a pretensão da OAB Nacional, arrebentará do lado mais fraco — o do jurisdicionado.

Há algum tempo a OAB vem pleiteando a extinção do recesso e das férias de 60 dias dos juízes, como fossem essas as causas da lentidão processual, quando todos sabem que as principais causas da morosidade são os excessos de recursos e instâncias. As férias dos juízes, evidentemente, ensejam a assunção de um magistrado substituto, sem qualquer paralisação dos feitos, sugerindo inclusive reclamação no Conselho Nacional de Justiça caso assim não ocorra. E as férias dobradas não se constituem em direito exclusivo de magistrados, mas também de membros do Ministério Público e dos tribunais de contas. Sobre estes, porém, nada se fala.

A atabalhoada pretensão original de extinção pura e simples do recesso sequer considerou o quão representa para os próprios advogados a suspensão anual dos trabalhos forenses e dos prazos por 18 dias na Justiça Federal e do Trabalho, de 20 de dezembro a 06 de janeiro, proporcionando aos causídicos um merecido descanso, após um ano inteiro de labuta forense.

No atual modelo, existente desde a recriação da Justiça Federal de primeiro grau, em 1966, os advogados gozam do recesso sem se preocupar com acréscimos de serviço no retorno, pois nesse interregno a Justiça atende apenas os casos urgentes, não produzindo despachos, decisões e sentenças nos feitos normais.

Muitos advogados não aprovariam a extinção do recesso e sua substituição pela suspensão dos prazos por 32 dias, pois quando voltassem dessas “férias” poderiam ser tomados de surpresa com a intimação para acorrer aos prazos em muitas causas de uma só vez.

Para os servidores do Judiciário Federal e do Trabalho, o recesso constitui-se numa pausa do estressante dia-a-dia de quem assessora juízes e desembargadores no mister de viabilizar o processo justo: controlar os prazos, intimar as partes, certificar ocorrências, receber petições, proceder à elaboração de precatórios, requisições de pequeno valor e alvarás para pagamento de valores, execução de medidas de prisão e de soltura de pessoas; enfim, desincumbir-se bem e celeremente do grave dever de fazer cumprir a lei processual com justiça e não cometer erros na execução daquela que é a maior e mais difícil tarefa atribuída a qualquer um dos poderes: julgar os direitos e os crimes praticados pelos semelhantes.

Diga-se, de passagem, que os magistrados e servidores do Judiciário Federal têm se desincumbido dessas tarefas a contento e em quantidade cada vez maior, especialmente após a instalação dos Juizados Especiais Federais, que permitiram o acesso à Justiça independentemente da atuação de advogados.

Com os Juizados Virtuais, instalados a partir de 2002, esses feitos se tornaram ainda mais céleres e a Justiça Federal se antecipou em cinco anos à Lei do Processo Eletrônico — 11.419, de 19 de dezembro de 2006 — acrescente-se que o projeto que originou essa lei foi uma iniciativa da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) junto ao Congresso.

As pesquisas de opinião não mentem: os juizados constituem-se numa das melhores iniciativas do setor jurídico, recebendo aprovação da maioria da população, em decorrência de sua celeridade em fazer justiça.

A substituição do atual recesso pela excessiva suspensão dos prazos pretendida ampliará excessiva suspensão dos prazos encontra-se em flagrante violação o princípio da razoável duração do processo, introduzido no ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional 45/2004. Dispõe o novel inciso LXXVIII do 5º artigo da Constituição: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Evidente que uma suspensão dos prazos processuais por mais de um mês não coaduna com o fim colimado no princípio acima, pois os Juízes e Tribunais Federais e do Trabalho não poderão realizar intimações, audiências ou sessões de julgamento de 20 de dezembro a 20 de janeiro do ano seguinte. E a culpa recairá novamente no Judiciário, pois a população em geral não sabe fazer a distinção das causas do atraso no andamento dos feitos de seu interesse.

Aos jurisdicionados cujos feitos não tiverem publicação ou audiências nesse período, dirão seus advogados que não há o que fazer, pois a culpa é da morosidade da vetusta Justiça, que não procede com os atos que o feito requer. Observe-se que, mesmo naqueles processos ajuizados no âmbito dos Juizados Especiais Federais, sem advogados, os Juízes e as Turmas Recursais não poderão realizar intimações, audiências ou sessões de julgamento.

O recesso criado pela Lei 5.010/66 nunca causou prejuízo a ninguém, pois durante o período sempre foram processadas normalmente as medidas acautelatórias de direitos fundamentais, como os Habeas Corpus e as decisões de urgência em causas cíveis com perecimento de direito. É, pois, do perfil de sua própria razoabilidade — sem causar excessiva paralisação processual, condizente com o princípio da razoável duração do processo, permeado em tudo o que dispôs a Emenda 45/04, conhecida como Reforma do Judiciário.

Se os Poderes e suas funções são diferentes, dadas características específicas de seu funcionamento, diferentes são as soluções adequadas a cada um deles. É o caso do Legislativo e do Judiciário, onde um recesso razoável mostra-se adequado à manutenção do bom desempenho das funções legislativa e jurisdicional, mantidos, quanto à última, os serviços necessários a assegurar a defesa de direitos tolhidos ou ameaçados. Assim, caso se postulasse eventual alteração do atual recesso judiciário, reduzindo-o para 10 ou 12 dias e unificando-o para todo o Judiciário, certamente a medida receberia o apoio em todos os meios jurídicos, no plano profissional e acadêmico.

Não é demais lembrar que proposições revanchistas e corporativistas, apresentadas sem observar o conjunto das situações envolvidas, mormente quando divulgadas casuisticamente como solução para todos os males, frequentemente trazem mais problemas que soluções.

Ora, todos os direitos e prerrogativas da magistratura em geral foram estendidos aos membros do Ministério Público e dos tribunais de contas. No entanto, vê-se uma jornada implacável para extinguir diversos benefícios previstos da magistratura, sem nenhum reflexo no Ministério Público e nos tribunais de contas. A pretensão da extinção do recesso é parte dessa insólita orquestração.

A previsão legal de 60 dias de férias para os magistrados não justifica a extinção do recesso, muito menos com a duplicação do período de suspensão dos prazos processuais, em prejuízo do jurisdicionado e explícita violação ao direito fundamental à razoável duração do processo, hoje inserto no artigo 5º da Carta Magna.

Revista Consultor Jurídico

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