Fumaça branca – STJ deve votar lista até escolher nomes, diz OAB

por Lilian Matsuura

O Superior Tribunal de Justiça deve fazer quantas votações forem necessárias até que três nomes sejam escolhidos e encaminhados ao presidente da República para o preenchimento da vaga do Quinto Constitucional da advocacia aberta no tribunal. Este é o teor do ofício que será encaminhado ao STJ pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto. Em reunião feita nesta segunda-feira (18/2), o Conselho Federal decidiu que não vai elaborar nova lista.

O Plenário, por unanimidade, seguiu parecer do conselheiro Valmir Pontes Filho. Nele, o advogado diz que os ministros desrespeitaram o regulamento interno do próprio Superior Tribunal de Justiça. O artigo 27, em seu parágrafo 3º, prevê que deverão ser realizados seguidos escrutínios enquanto os três nomes não forem escolhidos.

Os ministros do STJ não quiseram escolher nenhum dos nomes indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil para integrar a Corte. A votação da lista de seis nomes foi feita no dia 12 de fevereiro. Nas três votações o candidato mais votado, Flávio Cheim Jorge, do Espírito Santo, recebeu apenas nove indicações no segundo escrutínio. Para ser indicado o candidato precisa ter pelo menos 17 votos.

Na última tentativa de votação, 19 ministros votaram em branco e nenhum dos candidatos alcançou o número mínimo de votos. Na primeira votação, 13 ministros votaram em branco. No segundo escrutínio, foram 15. É a primeira vez em sua história que o STJ rejeita uma lista apresentada pela OAB.

Os ministros tinham duas formas para não escolher nenhum dos nomes. A primeira seria devolver a lista de pronto, o que foi cogitado logo que ela chegou ao tribunal. Mas se considerou que a opção seria traumática demais. A segunda maneira seria não votar nos candidatos. O que, de fato, ocorreu.

Fazem parte da lista: Flávio Cheim Jorge, do Espírito Santo (sete votos no último escrutínio); Cezar Roberto Bitencourt, do Rio Grande do Sul (cinco votos); Marcelo Lavocat Galvão, do Distrito Federal (quatro votos); Bruno Espiñeira Lemos, da Bahia (quatro votos); Roberto Gonçalves de Freitas Filho, do Piauí(três votos); e Orlando Maluf Haddad, de São Paulo, que teve só dois votos.

Para o candidato Orlando Maluf Haddad, a decisão do Conselho Federal foi a mais acertada. “A OAB só quer que o Tribunal cumpra o seu Regimento Interno”, declarou. E chamou atenção para o fato de o STJ só ter comunicado a rejeição dos nomes, sem sequer ter apresentado argumentos para isso. “A competência do Superior Tribunal de Justiça para a escolha dos três nomes é indiscutível. Vamos aguardar a escolha”, disse o candidato, que obteve apenas dois votos nas votações.

Em seu parecer, o advogado Valmir Pontes Filho também argumenta que o STJ deveria explicar o motivo da recusa dos nomes, o que não aconteceu. “Era absolutamente imprescindível que o Tribunal explicitasse isto, de modo claro, até para que a OAB, ou o próprio recusado, tivessem a oportunidade de, conhecendo os motivos da recusa, buscassem sindicar, em juízo, o ato praticado”, defende. Sem isso, afirma o advogado, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa são desrespeitados.

Leia o parecer

Honrou-me a ilustre Presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil com a confiança para relatar a matéria de que trata o processo mencionado em epígrafe, tarefa de que me desincumbo oferecendo aos meus eminentes pares o seguinte PARECER.

Como é de público conhecimento, este órgão colegiado, no exercício de suas atribuições legais (Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, art. 54, XIII), cuidou de elaborar lista sêxtupla indicativa de nomes para a vaga, destinada a advogado, de Ministro do Superior Tribunal de Justiça, tudo em consonância com os dispositivos, a seguir transcritos, da Constituição da República:

“Art. 104 — O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, trinta e três ministros.

Parágrafo Único — Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo:

… omissis …

II — um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal… indicados na forma do art.94”.

“Art.94 — Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais… será composto de membros do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.

Parágrafo Único — Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação”.

Composta a lista sêxtupla, em sessão do Conselho Federal da OAB realizada no dia 09 de dezembro de 2007, foi ela encaminhada ao C. Superior Tribunal de Justiça, órgão judiciário a que caberia, a teor dos superiores preceitos transcritos, reduzir a indicação para três nomes e, de seguida, enviar essa lista tríplice ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República.

Outro não poderia ser, obviamente, o proceder daquela Corte, em face do textual e peremptório comando constitucional: “o tribunal formará lista tríplice”.

Eis, porém, que a Presidência deste Conselho recebeu do Excelentíssimo Senhor Ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, Presidente do STJ, em data de 14 do mês em curso, ofício em que a referida autoridade informa que “… nenhum dos indicados alcançou, nos três escrutínios realizados…, os votos necessários para compor a lista tríplice, conforme exigência inscrita no § 5º, do art. 26, do Regimento Interno do STJ”.

Assim, embora se tenha valido o digno Presidente daquela Corte, para fundamentar a atitude tomada, da norma regimental mencionada — o que pode levar a crer que se tratou de providência normal e corriqueira — o fato é que ocorreu, na prática, a devolução da lista enviada pela OAB. Negando-se a formar a lista tríplice, como era de seu dever-poder, o STJ, em verdade, se recusou a dar como aceitos os nomes indicados.

Eis o que no Regimento Interno do STJ se estabelece:

“Art. 26 — A indicação pelo Superior Tribunal de Justiça, de Juízes, Desembargadores, Advogados e membros do Ministério Público, a serem nomeados pelo Presidente da República, para comporem o Tribunal, far-se-á em lista tríplice.

§ 1º — Ocorrendo vaga destinada a Advogado ou a membro do Ministério Público, o Presidente do Tribunal, nos cinco dias seguintes, solicitará ao órgão de representação de classe que providencie a lista sêxtupla dos candidatos, observados os requisitos Constitucionais (Constituição, art. 104, parágrafo único).

§ 5º — Somente constará de lista tríplice o candidato que obtiver, em primeiro ou subseqüente escrutínio, a maioria absoluta dos votos dos membros do Tribunal, observado o disposto no artigo 27, § 3º.

Art. 27 — … omissis …

§ 3º — Tratando-se de lista tríplice única, cada Ministro, no primeiro escrutínio, votará em três nomes. Ter-se-á como constituída se, no primeiro escrutínio, três ou mais candidatos obtiverem maioria absoluta dos votos do Tribunal, hipótese em que figurarão na lista, pela ordem decrescente de sufrágios, os nomes dos três mais votados. Em caso contrário, efetuar-se-á segundo escrutínio e, se necessário, novos escrutínios, concorrendo, em cada um, candidatos em número correspondente ao dobro dos nomes a serem inseridos, ainda, na lista, de acordo com a ordem de votação alcançada no escrutínio anterior, incluídos, entretanto, todos os nomes com igual número de votos na última posição a ser considerada. Restando, apenas, uma vaga a preencher, será escolhido o candidato mais votado, com preferência ao mais idoso, em caso de empate.”

De logo é imperioso observar a fundamental circunstância de que o Superior Tribunal de Justiça, ao submeter a plenário a lista enviada pela Ordem dos Advogados do Brasil, fê-lo exatamente porque considerou, em relação a todos os seis indicados, satisfeitos os requisitos objetivos e subjetivos constitucionalmente impostos. Os primeiros respeitantes à idade mínima (35 anos de idade, no mínimo, e 65 anos, no máximo — CF, art. 104, p. único) e à efetiva atividade profissional por mais de dez anos (CF, art. 94, caput). Os segundos, atinentes ao notório saber jurídico e à reputação ilibada.

No que respeita a estes últimos, tem-se como inquestionável que poderia o STJ — como qualquer outro Tribunal do país, em situação semelhante — mediante decisão administrativa fundamentada, recusar um, alguns ou mesmo todos os nomes indicados. Isto é o que determina, peremptoriamente, a Lei das Leis, em seu art. 93, incisos IX e X, in verbis:

“Art. 93 — Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

IX — todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade … omissis …

X — as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros.”

Resta induvidoso, portanto: a) em primeiro lugar que, ao examinar o preenchimento dos prefalados requisitos constitucionais e, de seguida, submeter à votação a lista de candidatos à vaga em seus quadros, o STJ não exerce função jurisdicional, mas atividade político-administrativa, praticada em nível imediatamente infraconstitucional, sem intermediação de lei; b) que, essa decisão há sempre de ser motivada, de modo, inclusive, a tornar possível seu posterior e eventual questionamento jurisdicional.

Daí que, se entendesse que um ou mais dos candidatos não dispunha de notável saber jurídico, por exemplo, era absolutamente imprescindível que o Tribunal explicitasse isto, de modo claro, até para que a OAB, ou o próprio recusado, tivessem a oportunidade de, conhecendo os motivos da recusa, buscassem sindicar, em juízo, o ato praticado. Intocados restariam, assim, os princípios, também constitucionais, do contraditório e da ampla defesa.

Neste seguro rumo foi que trilhou a Corte Suprema, no julgamento do Mandado de Segurança n. 25.624, de São Paulo, tendo como Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE. São de S. Exa. — cujo desempenho no STF orgulhou e ainda orgulha a magistratura nacional — as seguintes lições, contidas em seu voto vencedor:

“Pode o Tribunal recusar-se a compor a lista tríplice dentre os seis indicados, se tiver razões objetivas para recusar a algum, a alguns ou a todos eles, as qualificações pessoais reclamadas pelo art. 94 da Constituição (vg. Mais de dez anos de carreira no MP ou de efetiva atividade profissional na advocacia). A questão é mais delicada se a objeção do Tribunal fundar-se na carência dos tributos de ‘notório saber jurídico’ ou de ‘reputação ilibada’: a respeito de ambos esses requisitos constitucionais, o poder de emitir juízo negativo ou positivo se transferiu, por força do art. 94 da Constituição, dos Tribunais de cuja transposição se trate para a entidade de classe correspondente. Essa transferência de poder não elide, porém, a possibilidade de o tribunal recusar a indicação de um ou mais dos componentes da lista sêxtupla, à falta de requisito constitucional para a investidura, desde que fundada a recusa em razões objetivas, declinadas na motivação da deliberação do órgão competente do colegiado judiciário” (DJ 19.12.2006).

E é natural e lógico que assim seja, já que, como assevera, com a habitual proficiência, o mestre JOSÉ AFONSO DA SILVA, a Constituição conferiu à Ordem dos Advogados do Brasil a prerrogativa de, realizando prévia e criteriosa aferição, elaborar a lista sêxtupla ora contestada. Lembra o professor, em recentíssimo estudo submetido à Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, de que é membro efetivo:

“De fato, no sistema revogado, desde 1946, para cada vaga a ser preenchida pelo quinto constitucional, formava-se uma lista tríplice mediante votação do próprio Tribunal em sessão e escrutínio secretos (Constituição de 1946, art. 124, V; Constituição de 1969, art. 144, IV). Esse sistema tinha forte conotação cooptativa, porque era o próprio colegiado recrutando parte de seus próprios integrantes. A cooptação é um velho sistema de provimento de lugares num órgão colegiado, mediante escolha de seus próprios membros. Se o sistema não era uma cooptação pura porque dependia da nomeação pelo Chefe do Poder Executivo (e não era único), era, indubitavelmente, uma forma parcialmente de cooptação, na medida em que era o próprio Tribunal que selecionava aqueles que deveriam integrar a lista tríplice.

Pois bem, a Constituição rompeu com esse sistema, atribuindo à Ordem dos Advogados do Brasil a competência para formar uma lista sêxtupla, da qual o Tribunal extrairá a lista tríplice a ser apresentada ao Chefe do Poder Executivo, para que nomeie um de seus integrantes. Agora, a seleção do Tribunal não tem mais conotação cooptativa, porque não é ele que escolhe, ao seu arbítrio, os integrantes da lista tríplice. Seu arbítrio ficou delimitado a um universo mais estreito que se lhe é apontado, por meio da lista sêxtupla.

A formação dessa lista é prerrogativa constitucional do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, quando se trata de provimento cargos de Tribunais Federais, ou do respectivo Conselho Seccional em relação ao provimento de cargos em Tribunal do Estado. O Tribunal não pode recusar a lista sêxtupla, não pode devolvê-la para que seja feita outra no lugar da que foi devolvida, porque não entra na sua competência a apreciação da lista formada pela Ordem dos Advogados, porque isso implicaria em assumir o Tribunal, ainda que indiretamente, a titularidade de uma prerrogativa que a Constituição conferiu a outra entidade. E seria, num certo sentido, voltar ao sistema anterior, pelo qual ao Tribunal cabia a escolha, sem limites, dos integrantes da lista tríplice.

A Ordem dos Advogados tem o dever a responsabilidade de aferir e conferir o cumprimento, pelos indicados, dos requisitos constitucionalmente estabelecidos para a investidura nos cargos de que se trate.”

Como ressaltado, porém, o Superior Tribunal de Justiça sequer chegou, fundamentadamente, a rejeitar um ou mais nomes, alegando desatendimento aos requisitos constitucionais. Ao reverso, considerando implicitamente atendidos tais requisitos, os submeteu à votação em plenário. Mas, por via transversa, para não aceitar qualquer deles, sob a alegativa de que nenhum dos indicados alcançou, nos (três) escrutínios realizados, a maioria absoluta dos membros daquela Casa.

Em palavras outras, fazendo uso de regra subalterna (mero Regimento), nulificou norma superior (a Constituição). Isto, porém, é juridicamente inaceitável, na medida em que, como dizia o saudoso e insuperável GERALDO ATALIBA, quando se trata de Constituição, não se venha falar em lei ou decreto (“… em conversa de general, sargento não entra”, eram as literais palavras do mestre inesquecível). Na medida em que se aceitasse a validade do § 5º, do art. 26, do Regimento Interno do STJ – o que aqui se admite pelo mero sabor da argumentação – estar-se-ia, de forma indireta, admitindo tivesse esse Tribunal a competência, para, de forma imotivada e arbitrária, recusar a lista enviada pela OAB.

Mais uma vez calha à fiveleta a sempre segura lição de JOSÉ AFONSO :

“Se a Ordem tem o dever e a responsabilidade de aferir a ocorrência desses requisitos em relação aos advogados que ela inclui numa lista sêxtupla, que apresenta ao Tribunal, presume-se que seus integrantes preenchem aqueles requisitos, não cabendo ao Tribunal, por princípio, reapreciar a questão para decidir em sentido contrário, porque a presunção de verdade da decisão da Ordem só poderá ser afastada por denúncia e prova inequívoca de que algum indicado não cumpre algum dos requisitos. O que cabe ao Tribunal é extrair, da lista sêxtupla, os três nomes que ele entender melhores para formar a lista tríplice a ser remetida ao Poder Executivo para a nomeação, nos estritos termos do parágrafo único do art.94 da Constituição: ‘Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação’. Ora, se o Tribunal se arvora em corrigir a lista sêxtupla ou a devolvê-la para que outra seja feita, ao seu sabor, isso acabará servindo de base para que o Poder Executivo faça o mesmo em relação à lista tríplice, o que é absolutamente inaceitável.”

A devolução da lista, formalmente fundada em norma inconstitucional e substancialmente imotivada, não me parece possa subsistir. Lamentável é que esse gesto haja fomentado, especialmente em certos setores da mídia, interpretações equivocadas e detrimentosas do conceito e da tradição da OAB. Está o subscritor desta peça convicto, porém, de que não foi esta a intenção dos honrados membros do STJ.

Ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça, enfim, cabia apenas reduzir a lista sêxtupla para tríplice, enviando esta última ao Senhor Presidente da República. Jamais, por certo, como chegaram a supor alguns desavisados intérpretes de seu ato, dizer à Ordem dos Advogados que ele, o Tribunal, “não havia gostado” da lista.

Diante do exposto, sugere-se que este Conselho Federal, mediante Ofício, solicite ao STJ que, em face da lista sêxtupla já enviada àquela Corte e nos termos do § 3º, do art. 27, do seu próprio Regimento Interno, realize tantos escrutínios quanto os necessários para a formação da lista tríplice constitucionalmente requestada.

Brasília, 18 de fevereiro de 2008.

Revista Consultor Jurídico

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