Garantia da vida – O futuro depende do respeito à legislação ambiental

por Itallo Gustavo de Almeida Leite

Nas últimas semanas, muito se discutiu sobre o Decreto Federal 6.321, de 21 de dezembro de 2007, e o impacto que o mesmo trará para o meio ambiente, economia e interesses diversos no estado de Mato Grosso.

Uma coisa é certa, o meio ambiente deve ser protegido e preservado a qualquer custo, eis que disso depende a própria sobrevivência da espécie humana. Nesse rumo, todas as atividades que ostentem qualquer potencial predatório, dentre os quais os empreendimentos rurais (agricultores, pecuaristas e empresas afins) devem ser fiscalizados, orientados, conscientizados e, se necessário, punidos. O futuro do próprio homem assim o exige.

Contudo, outra coisa também é certa. Os órgãos públicos, autoridades públicas e demais entidades responsáveis pela seara ambiental, proteção, preservação, fiscalização, orientação, conscientização e punição devem basear suas atuações, investimentos, proibições, restrições, conceitos, críticas e sugestões, em dados concretos, claros e corretos, hauridos da comunidade envolvida e envolvente com a questão preservacionista. Isso porque, do contrário, se criará nos Estados Amazônicos, em geral, e no estado de Mato Grosso, em particular, um panorama de total insatisfação, de insegurança jurídica, de arbitrariedades e de ilegalidades sem precedentes na história recente da classe rural.

A problemática ambiental, como é óbvia, não poderia passar ao largo dos olhos atentos e vigilantes da OAB. Por essa razão que, na Presidência da Comissão de Assuntos Fundiários da OAB-MT, desde janeiro de 2007, eu e outros membros da Comissão, temos nos debruçado sobre esse palpitante e seriíssimo tema. Nessa toada, solicitamos alguns dados das principais entidades responsáveis pelo controle e fiscalização dos imóveis rurais Mato-grossenses de modo que pudéssemos ascultar melhor o problema, a fim de fomentar uma aprofundada discussão em busca de sugestões e soluções plausíveis.

Mesmo sem exaurirmos esses levantamentos e discussões, podemos dizer que é deveras preocupante uma conclusão preliminar a que chegamos. Já estamos elaborando um relatório que será encaminhado, até o final de fevereiro deste ano ao presidente da OAB-MT, Francisco Faiad, com um clamor para que destine tal relatório para o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a fim de repercutir a questão nacionalmente.

O que se vislumbra é a ante-sala do caos, pois a forma como órgãos como o Incra e o Intermat, por exemplo, estão encaminhando alguns assuntos como a regularização fundiária, o licenciamento ambiental, os projetos de assentamentos rurais, os projetos de colonização, as áreas indígenas, etc. trazem enormes preocupações para toda a sociedade, não só para a classe rural, especialmente se levarmos em consideração o grau de importância e representatividade econômica que esses assuntos têm para o estado de MT e para o país como um todo.

A situação é tão crítica que temos medo de que o estado de MT fique estagnado e não cresça por muito tempo. Percebemos que faltam informações, faltam documentos, faltam equipamentos, faltam servidores, falta comprometimento político, falta articulação e entendimento entre os órgãos afins.

A Comissão Fundiária visitou diversos órgãos responsáveis pela questão fundiária em MT, constatando que o Intermat e o Incra estão sem estrutura material, financeira e humana para fazer face aos seus elevados misteres, sendo possível dizer que, no estágio atual, tais entes públicos não têm a mínima condição, por exemplo, de certificar propriedades e de respaldar qualquer tipo de decisão administrativa ou judicial no que diz respeito à legitimidade dominial, fundiária e agrária das propriedades públicas e privadas no estado de Mato Grosso.

A questão fundiária em MT é muito mais complexa do que se imagina. Não é de hoje que se fala que se juntassem todos os títulos de domínio expedidos neste Estado, certamente teríamos de dois a três Mato-Grossos. Históricos de sobreposição de títulos, grilagens de terras, invasões, documentos falsos, corrupção dentro dos órgãos, etc., chegam aos ouvidos da sociedade a todo instante. É preciso colocar um ponto final nesse estado de coisas, até em respeito aos setores e servidores que honram as suas atribuições e funções dignificando o serviço público que realizam. A nossa sociedade clama por uma resposta rápida e firme do governo, principalmente, porque neste Estado a agricultura e a pecuária são os carros-chefes de toda a economia.

A sintonia que a ministra Marina Silva quer que exista entre órgãos como Incra, Intermat, Ibama, Sema, Funai, etc., infelizmente, não existe nos dias de hoje. Esta sintonia somente conseguirá ser implantada com muito, mas muito suor e sacrifício, e certamente não será de uma hora para outra, como Brasília pretende através do Decreto Federal 6.321 de 21/12/2007.

Uma das principais exigências do Decreto 6.321/07 diz respeito ao recadastramento fundiário de todos os imóveis situados nos municípios que “supostamente mais desmatam”. Por sua vez, e segundo as informações obtidas no ano de 2007, tanto no Incra como no Intermat, em ambos os casos, os bancos de dados não são confiáveis, pois, nos dois órgãos nos informaram que não existe estrutura física e logística para realizar um decente trabalho de cadastramento ou recadastramento fundiário. Ou seja, a necessária regularização fundiária não sairá do papel e deste modo queda-se ineficaz qualquer tipo de iniciativa para solucionar a questão. Não adianta empurrar um Decreto goela abaixo e achar que isso será a solução para os problemas do MT. A coisa aqui é mais feia do que parece.

No estado atual, nem o Incra e nem o Intermat não têm condições de estabelecer, com a necessária precisão e segurança, onde estão as terras públicas federais, onde estão as terras públicas estaduais, onde estão as terras públicas municipais. E, como não podia ser diferente, também não sabem e nem poderiam precisar onde estão as terras particulares.

Se o Incra e o Intermat, que são os responsáveis pelo cadastramento fundiário no MT, não podem identificar as suas próprias áreas, pergunta-se: como podem estabelecer posicionamentos conclusivos e seguros sobre as propriedades de domínio particular? É lógico que ambos os órgãos também não possuem condições básicas para definir, com exatidão e certeza, quais são as áreas de legítimo domínio particular.

Neste contexto, convém destacar que uma grande quantidade de áreas existentes no Brasil é de domínio da União, dos Estados e Municípios. Outras, apesar do domínio particular, têm grandes restrições de uso. Somente uma pequena parcela de terras, efetivamente, pertencem e podem ser explorados pelos particulares. Fontes do IBGE, apresentadas na nota técnica da Comissão Nacional do Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), informa que:

“Do total das terras amazônicas (a Amazônia Legal possui 502 milhões de hectares segundo o IBGE, enquanto o bioma possui em torno de 300 milhões), a iniciativa privada só pode explorar como atividade agropecuária 24 milhões de hectares ou 4,8% deste total. Tal limitação é decorrente da legislação ambiental que obriga o proprietário ou possuidor de terras a manter 80% de sua área como reserva legal nesta região. Estes números do próprio governo demonstram quem é o grande proprietário de terras amazônicas no Brasil. O próprio governo.”

Partindo deste ponto, seria imprescindível que o poder público, seja a União, o estado ou os municípios, definissem e localizassem as suas próprias terras, para depois definirem, localizarem e fiscalizarem as propriedades privadas. Certamente, se a regularização fundiária não estivesse só no papel, nós saberíamos que uma grande parte das áreas degradadas, desmatadas, invadidas, e tal, dizem respeito a áreas públicas, sobre as quais o poder público não mantém qualquer tipo de controle, contribuindo para o uso predatório tão combatido pelos governos, através da mídia.

Os governos federal e estadual, principalmente, não assumem a sua parcela de responsabilidade e isso se reflete nos desmatamentos que ocorrem nos estados amazônicos, como Mato Grosso, visto que, parte expressiva desses invasores e predadores ambientais são ocupantes de terras públicas da União e do estado, de forma mansa e pacífica, há vários anos. Ocupantes estes que, ou obtiveram a posse em razão da ausência do governo, ou, o que é pior ainda, foram assentados pelo Incra ou Intermat em lugares distantes, de difícil acesso, sem as condições básicas de subsistência. Qual a conseqüência disto? Desmatamentos criminosos; vendas ilegais de madeiras, indiscriminada ocupação de terras públicas; comercialização de lotes destinados para a reforma agrária, etc..

Essas péssimas políticas públicas federais e estaduais geram uma série de situações, como: títulos precários, simples posses; ocupações clandestinas, transferências ilegais de parcelas com processos formalizados no Incra e no Intermat; Vendas de Licenças de Ocupações e de Autorizações de ocupações; Contratos de Promessa de Compra e Venda de Terras Públicas Federais; Contratos de Alienação de Terras Públicas; entre outros casos.

Outra exigência do Decreto 6.321/07 diz respeito à necessidade de Georreferenciamento de imóveis rurais de até quatro módulos fiscais e que também devem fazer a atualização cadastral. O artigo 9º do referido decreto, determina que:

Artigo 9° A União promoverá, sob a coordenação do Incra, no prazo de dois anos, prorrogável por mais um ano, sem qualquer ônus aos detentores, o georreferenciamento dos imóveis rurais de até quatro módulos fiscais objetos de atualização cadastral de que trata este Decreto.

Ora, todos sabemos que o georreferenciamento no Incra só sai mediante Mandado de Segurança. Atualmente, os produtores rurais só conseguem regularizar as suas propriedades se ingressarem na Justiça, pois, caso contrário, a tramitação dos processos, muito otimistamente, se prolongará por 2 ou 3 anos. E todos sabem que, para qualquer transação comercial relacionada à propriedade rural, necessário se faz ter o georreferenciamento e o CCIR. Vale também ressaltar que 90% dos georreferenciamento são obtidos com recursos próprios dos proprietários rurais. Incra e Intermat sempre alegam que não possuem recursos. Oras bolas! Realmente é para ficar estarrecido com mais essa atitude do governo federal, que, via Decreto 6.321/2007, exige o cumprimento de uma obrigação, mas não dá nenhuma condição para que a sociedade cumpra a exigência que lhe é imposta.

O indigitado Decreto 6.321/2007, dificilmente será cumprido sem arbitrariedades, ilegalidades e desrespeito ao direito adquirido. Os proprietários dos imóveis apontados na lista negra já são considerados “culpados” até que se prove ao contrário. O que é um absurdo! Esta situação fere gritantemente o principio da presunção da inocência. Sem falar no princípio da boa-fé dos documentos públicos, visto que todos os imóveis localizados nos municípios da lista negra do Governo, mesmo possuindo CCIR terão que fazer o recadastramento. Pergunta-se: sob que pretexto? A única resposta plausível: incompetência do governo federal que já cadastrou as propriedades e desse modo, deveria atestar todos os documentos que entregou aos proprietários das áreas.

Sabemos que existem aproveitadores e oportunistas que degradam o meio ambiente, praticam grilagem de terras públicas, enfim, pintam e bordam no meio agrário e ambiental Mato-grossense. Contudo, não podemos generalizar e partir do principio de que todos os proprietários de terra são assim até que se prove o contrário. Está havendo uma inversão de valores. E muito de tudo isso se deve à visível ausência do Estado (União, Estado e Município) no controle, fiscalização e punição dos que não utilizam a propriedade da forma como ela deve ser utilizada, ou seja, realizando a sua função social.

Do jeito que estão conduzindo as coisas, realmente tenho medo de que um Estado, com o potencial agrícola, pecuário, industrial, comercial e de serviços, como o nosso, não cresça e não se desenvolva como poderia e deveria se desenvolver. É claro que devemos nos preocupar com o meio ambiente, pois é obrigação indeclinável de todo homem de bem trabalhar para deixar para as futuras gerações um meio ambiente sadio e preservado.

Contudo, por isso mesmo que, sendo o progresso necessário e inevitável, é fundamental que o Governo saiba conduzir, com o mesmo grau de importância, em primeiro, o zoneamento Ecológico; depois Regularização Fundiária e depois o crescimento e o desenvolvimento Econômico de MT e do Brasil.

É evidente, porém, que, tal panorama ideal de progresso e desenvolvimento, somente virá a acontecer se tivermos um Poder Público presente e atuante em todas essas vertentes de seu mister legal e institucional. Caso contrário vamos vivendo em um país onde há toda uma parafernália legislativa e organizacional construída em nome da preservação do meio ambiente, mas onde nada se faz de concreto, de efetivo, em defesa desse direito vital da humanidade, que é viver em um ambiente saudável e equilibrado.

Enquanto isso não acontece, permanecemos na posição de país subdesenvolvido, onde os mais vivos e espertos se valem da ausência do Poder Público para locupletar-se em detrimento de toda a sociedade.

Revista Consultor Jurídico

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