Habeas Corpus resguarda o devido processo legal

A recente aula do ministro Celso de Mello a um bacharel de Direito que queria trocar sua carteira de estagiário pela de advogado por meio de Habeas Corpus virou caso emblemático sobre o emprego do remédio constitucional. Como não poderia deixar de ser, a lição foi lembrada durante a mesa “Atualidade e Importância do Habeas Corpus no Brasil”, que aconteceu nesta quinta-feira (25/8), durante o 17º Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

No caso em questão, o ministro, literalmente, ensinou para que serve — e para que não serve — o Habeas Corpus. “O Habeas Corpus, em sua condição de instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, configura um poderoso meio de cessação do injusto constrangimento ao estado de liberdade de locomoção física das pessoas”, escreveu na época.

Também o fez nesta quinta-feira (25/8), de forma mais ampla, o criminalista Alberto Zacharias Toron, um dos debatedores da mesa do IBCCRIM. Ele exemplificou porque o remédio é importante e como, diante do recrudescimento das leis, é ainda uma das únicas formas que o cidadão tem para se proteger de abusos. “O Habeas Corpus é um remédio que tem se revelado para se contrapor a abusos, desmandos e tiranias. Ele age de forma imediata e direta”, explica.

Recentemente, ministros do Superior Tribunal de Justiça se pronunciaram sobre o crescimento em 100% do número de Habeas Corpus nas cortes superiores. Até 2008, durante seus 19 anos de existência, chegaram lá 100 mil desses pedidos. A partir daí, esse número dobrou. “A maior preocupação que tenho é que, diante de tamanha quantidade de Habeas Corpus, corremos o risco de nos distanciarmos das missões constitucionais do STJ, que são a de guardião da lei federal e de uniformizador da interpretação dessa legislação em âmbito nacional”, chegou a declarar o ministro Og Fernandes.

Também viu com maus olhos o salto o ministro Jorge Mussi: “A utilização indiscriminada do Habeas Corpus tem levado ao desuso do Recurso Especial, notadamente marcado por diversos requisitos técnicos para a sua admissão e acolhimento”. Toron criticou: “Muito me intriga que um tribunal que se intitule Tribunal da Cidadania tenha esse tipo de posicionamento.”

Em reposta aos críticos do número de Habeas Corpus que são julgados pelos tribunais superiores, Toron lembrou de casos de flagrante violação à garantia constitucional. Ele citou, por exemplo, um Habeas Corpus analisado pela ministra Maria Thereza, do STJ. Em 18 de fevereiro de 2008, ela entendeu que “é cabível Habeas Corpus como meio de impugnação da validade de atos de procedimento no qual se apura possível prática de crime, e do qual pode advir restrição à liberdade de locomoção ao paciente”.

Toron lembrou o caso dos advogados que ficaram impedidos de ter acesso aos autos do inquérito policial. “O interesse público não pode ser sobreposto ao interesse do particular que pretende acessar os autos”, justificou o juiz que denegou o pedido de acesso aos autos do advogado.

Quando o caso chegou ao STF, com uma mudança de estratégia dos advogados, que focaram o pedido na perspectiva do cidadão, o ministro Sepúlveda Pertence entendeu que “o cerceamento da atuação permitida à defesa do indiciado no inquérito policial poderá refletir-se em prejuízo de sua defesa no processo e, em tese, redundar em condenação a pena privativa de liberdade ou na mensuração desta”.

“O Habeas Corpus é importante para resguardar o devido processo legal”, disse Toron. O criminalista lembrou também dos casos em que a Polícia Federal atua de forma autoritária, com mandados de busca e apreensão genéricos e prisões temporárias. “O Habeas Corpus é capaz de quebrar as delações premiadas, por exemplo”, disse.

A possibilidade de impetração de Habeas Corpus no caso de constrangimento ilegal é tratada pelo artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, segundo o qual “conceder-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

De acordo com o artigo 648 do Código Penal, essa coação ilegal acontece quando não houver justa causa para a ação penal: quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; quando o processo for manifestamente nulo; ou, ainda, quando extinta a punibilidade.

O juiz Nino Oliveira Toldo, que é titular da 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo, disse que se preocupa com o uso sem critérios do remédio. Ele lembrou que dos pedidos de Habeas Corpus que chegaram ao Supremo, em 2009, apenas 7,39% foram concedidos. “Será que não há algo errado? Talvez a discussão de algumas matérias deva acontecer pelas vias recursais. Devemos ter um sistema de recurso adequado.”

Ele disse acreditar que, muitas vezes, o Habeas Corpus é visto como uma forma de levar “a questão direto para os tribunais superiores”. “A ideia de existência de tribunais de passagem incomoda a magistratura. As decisões judiciais estão perdendo sua força e os filtros que barram esse tipo de pedido não estão funcionando”, considerou.

Maurício Zanoide, presidente da Comissão do Novo Código de Processo Penal do IBCCRIM, lembrou que as estatísticas, por si só, são pobres. Segundo ele, dos 200 mil recursos que chegaram ao STJ em 2010, só 14,75% são pedidos de Habeas Corpus. Cerca de 58% são Agravos e 22%, Recursos Especiais. Ele lembrou que o ministro Celso de Mello chegou a julgar 18 Embargos de Declaração referentes a apenas um único caso. “A PEC dos Recursos não vai diminuir o número de pedidos de Habeas Corpus e eles não são o vilão da história.”

Toron saiu em defesa da advocacia: “O grande serviço do advogado é levar a causa ao juiz, e não privar o cliente da jurisdição.”

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