“A incidência concorrente, e não subsidiária, das regras do Código de Processo Civil, na esfera penal, carece de amparo jurídico.” A frase é do ministro Felix Fischer, da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, mas foi adotada pelo colega de colegiado ministro Jorge Mussi, durante julgamento de um Habeas Corpus no último 9 de agosto, no qual ficou decidido que o remédio constitucional pode ser usado para afastar constrangimento ilegal de ordem processual contra o réu.
No caso, o paciente reclamava de decisão do desembargador Baptista Pereira. O julgador determinou a retenção do Recurso Especial interposto contra acórdão do Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo), com base no artigo 542, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil. Para o ministro Mussi, essa retenção foi “indevida”.
De acordo com o dispositivo, “o Recurso Extraordinário ou o Recurso Especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou Embargos à Execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões”.
O advogado Alberto Zacharias Toron, que defendeu o acusado, argumentou que não haveria como aplicar o dispositivo processual civil ao processo criminal. Além disso, apontou, que a Lei 8.038, de 1990, seria a apropriada para cuidar do assunto. Nas palavras da defesa, haveria iminência de “a instrução processual se iniciar em procedimento que viola a ampla defesa do paciente e afronta o devido processo legal”.
De acordo com o relator do caso, “há muito a jurisprudência dos tribunais superiores admite a utilização da ação mandamental de Habeas Corpus para afastar constrangimento ilegal de ordem processual, desde que presente a possibilidade de lesão à liberdade de locomoção do indivíduo, conforme se verifica na espécie, uma vez reconhecida a violação do devido processo legal na ação penal em que o paciente responde pela prática de delito de denunciação caluniosa”.
Com a decisão do ministro Jorge Mussi, o TRF-3 vai examinar a admissibilidade do Recurso Especial.
HC: 160.696
Leia abaixo o acórdão:
HABEAS CORPUS Nº 160.696 – MS (2010/0015686-5)
RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTRO
IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO
PACIENTE : ANDRÉ PUCCINNELLI JÚNIOR
EMENTA
HABEAS CORPUS. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. AÇÃO ORIGINÁRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA PELO TRIBUNAL A QUO. RECURSO ESPECIAL RETIDO. ART. 542, § 3º, DO CPC. RETENÇÃO INDEVIDA. ADEQUAÇÃO DA VIA MANDAMENTAL ELEITA. ORDEM CONCEDIDA.
1. Se é certo que esta Corte Superior de Justiça reiteradamente vem decidindo que “O writ não é meio próprio para atacar decisão que nega seguimento ao recurso especial” (HC nº 59.153/SP, rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 16-10-2006) tendo em vista a existência de recurso próprio para tal finalidade, não menos certo que “O § 3º do art. 542 do CPC, com redação da Lei nº 9.758/98, não se aplica aos processos criminais. A incidência concorrente, e não subsidiária, das regras do CPC, na esfera penal, carece de amparo jurídico” (REsp 203.227/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 1-7-1999).
2. Há muito a jurisprudência dos Tribunais Superiores admite a utilização da ação mandamental de habeas corpus para afastar constrangimento ilegal de ordem processual suportado pelo réu no curso da ação penal, desde que presente a possibilidade de lesão à liberdade de locomoção do indivíduo, conforme se verifica na espécie, uma vez que reconhecida a violação do devido processo legal na ação penal em que o paciente responde pela prática do delito de denunciação caluniosa, previsto no art. 339, § 1º, do Código Penal, c/c arts. 29 e 69 do mesmo diploma legal, cuja pena pode chegar a mais de 9 (nove) anos de reclusão.
3. Ordem concedida para para determinar que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região examine a admissibilidade do recurso especial interposto pela defesa contra acórdão proferido por seu Órgão Especial.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 09 de agosto de 2011. (Data do Julgamento).