por Aline Pinheiro
A Emenda Constitucional 45/04 — primeira parte da Reforma do Judiciário — tentou dar transparência aos tribunais e torná-los mais democráticos ao determinar que as promoções de juízes por merecimento deveriam ser fundadas em critérios objetivos. A intenção era a de privilegiar mais o esforço e a produtividade, e menos a relação política.
A prática, contudo, mostra que os novos critérios ainda não pegaram. Nas sessões de promoção, que agora são públicas e com votos fundamentados, os desembargadores ainda levam mais em conta critérios subjetivos como a amizade ou o conhecimento pessoal que têm do juiz, do que os números da produção ou a qualidade do trabalho do magistrado.
Por isso, o Conselho Nacional de Justiça formou uma comissão que tenta colocar ordem na casa. Criada em 2007, a pedido do corregedor nacional de Justiça, ministro Cesar Asfor Rocha, a comissão é formada pelos corregedores de Justiça dos estados de Sergipe, Alagoas, Pará, Acre e o do Distrito Federal. No próximo dia 14, a comissão vai apresentar, em Maceió, no encontro dos Colégios dos Corregedores, a sua proposta para ditar quais são os critérios objetivos que devem ser observados nas promoções por merecimento. Se aprovado pelos colegas, o texto segue para o CNJ.
O desembargador João Mariosi, antigo corregedor do TJ do Distrito Federal, hoje é membro honorário da comissão. Ele considera uma vitória a Emenda Constitucional 45/04, que determinou que a promoção por merecimento só pode acontecer entre os juízes que integram a quinta parte mais antiga do tribunal. No entanto, ele reconhece que é preciso especificar mais os outros critérios. “As confusões acontecem porque os critérios são abertos demais. É preciso especificar melhor para tornar a magistratura realmente uma carreira.”
Na teoria, o critério de promoções por merecimento serve para estimular o esforço dos juízes e os premiar com a subida para o tribunal — quando se tornam desembargadores — sem que seja preciso esperar a lista de antiguidades (outra maneira de subir ao tribunal). Na prática, em muitos casos, o instrumento ainda é usado como meio de promover parentes de desembargadores, amigos e para retribuir favores.
Antes da Reforma do Judiciário, a falta de critérios razoáveis na promoção por merecimento vivia no seu silêncio. Os desembargadores votavam em um juiz sem precisar revelar o porquê e, em geral, o voto era secreto. A emenda determinou que as promoções por merecimento têm de considerar o desempenho e critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aproveitamento (alínea c, inciso II, artigo 93 da Constituição Federal). Em setembro de 2005, o Conselho Nacional editou a Resolução 6/05, dizendo que os votos deveriam ser abertos, nominais e fundamentados.
Voto no escuro
A partir daí, o problema do voto no Judiciário se escancarou. Os tribunais que atenderam prontamente o CNJ, apesar da boa vontade em se adequar às novas regras, mostraram que os desembargadores não sabiam como fundamentar seus votos.
Não são poucos os casos em que os motivos alegados para uma determinada opção desbordam o razoável e, levados ao crivo do CNJ, têrm a votação suspensa e a promoção anulada. Para explicar o fenômeno, no exame de um desses casos, o conselheiro Cláudio Godoy afirmou que a “mudança de comportamento fincado em muitos anos de prática reproduzida não se dá de imediato e por completo”.
Em março de 2006, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais enfrentou situação do gênero. Alguns dos argumentos para a escolha dos desembargadores foram: fulano está passando por um tempo de maturação e adquirindo votos com isso; votaria na sicrana porque devo gratidão a ela, mas ela está perdendo e, então, eu vou guardar meu voto para a próxima vez; voto nele porque é filho de tal desembargador; voto em beltrano porque ele foi meu aluno e sempre me dava carona.
Nesse caso, nem a votação nem a promoção foram suspensas pelo Conselho Nacional de Justiça. O CNJ arquivou a representação que alguns juízes fizeram.
Os juízes que não se encaixam em nenhum desses critérios um tanto quanto subjetivos têm se unido na grita para que o CNJ aja. “Aqui, funciona a regra da dinastia. Quem tem direito de ser promovido é parente de desembargador. A lei que existe no tribunal é baseada no merecimento biológico”, afirma Danilo Campos, juiz da 5ª Vara Cível de Montes Claros (MG). Ele lamenta que muitos prefiram “dançar conforme a música — se aproximar de um desembargador e puxar o saco”.
No Amazonas, o CNJ já tratou de acabar com o nepotismo nas votações, impedindo que desembargadores que tenham algum parente até terceiro grau na lista de promoções por merecimento de participem das votações. Em São Paulo, de acordo com um desembargador aposentado para evitar conflitos, é sempre escolhido o juiz mais antigo. Ainda quando a vaga é para promoção por merecimento, os desembargadores usam a lista de antiguidade. Evita brigas, reconhece o desembargador, mas tira o estímulo do juiz, que se torna mais burocrático.
A discussão das promoções já chegou ao Supremo Tribunal Federal. Há pedidos de Mandados de Segurança, Reclamações e até Ação Rescisória discutindo critérios de promoção por merecimento. O STF já chegou a se manifestar sobre aspectos da promoção por merecimento. O ministro Carlos Britto, por exemplo, entendeu que o critério constitucional de que só podem ser votados por merecimentos os juízes que integram a quinta parte da lista de antiguidade só vale para a Justiça Estadual. Para Britto, na Justiça Federal, o requisito é que o juiz esteja há cinco anos em exercício.
Enquanto o STF não se debruça sobre os outros aspectos da discussão, o CNJ tenta ensinar aos desembargadores que o critério de merecimento vale mais pela produtividade e pelo zelo do juiz por seu trabalho do que por seus gostos e preferências pessoais.
Revista Consultor Jurídico