Hora extra – Empresas e trabalhadores devem acordar uso de celular

por Crislaine Vanilza Simões Motta

Com os avanços da tecnologia, é comum atualmente o profissional, em seu suposto horário de lazer, receber uma mensagem ou ligação do cliente ou do dono da empresa pedindo solução para um problema de última hora. Ainda mais com a popularização no Brasil do BlackBerry (smartphone), um sofisticado aparelho lançado no Canadá, que além de celular, possui recursos de correio eletrônico, recebe e envia textos, arquivos etc. E outros sofisticados aparelhos de comunicação móvel virão. É nesse contexto que surge o problema, que tende a se tornar maior. O profissional se mantém em contato com o trabalho a qualquer momento e em qualquer lugar. E quem vai pagar por esse trabalho extra fora do escritório?

A legislação trabalhista brasileira não contempla essa situação específica, ou seja, trabalhar em horário extra por meio de aparelhos celulares, smartphones, palmtops ou iPhones. O que existe na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é apenas o artigo 4 – “Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada” – e o parágrafo 2º do artigo 244 – “Considera-se de ‘sobreaviso’ o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de ‘sobreaviso’ será, no máximo, de 24 (vinte e quatro) horas. As horas de ‘sobreaviso’, para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 (um terço) do salário normal.” Com esta carência de normas na lei para disciplinar especificamente a questão, como resolver esse problema?

Atualmente, uma forma de negociação é no momento da admissão, onde as partes podem prever no contrato de trabalho uma cláusula que estabeleça o pagamento de um adicional, horas extras ou horas de sobreaviso pelo serviço prestado, além da jornada de trabalho diária. No caso dos profissionais que já têm um contrato de trabalho em curso, há a possibilidade de fazer um aditamento ao contrato de trabalho. Também é possível fazer acordo coletivo que estabeleça as regras.

Em decisão publicada no último dia 16 de setembro, o Tribunal Superior do Trabalho concedeu adicional de sobreaviso a um trabalhador de uma empresa de telecomunicação de Florianópolis com base na existência da previsão em acordo coletivo e pela comprovação da permanência à disposição da empresa através de celular. Em primeira instância, a 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis indeferiu o pedido do ex-empregado por ele já ter recebido pelo período em que estava escalado para essa tarefa. O trabalhador conseguiu reverter a decisão no Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC), que considerou comprovada a permanente disponibilidade do trabalhador para a empresa, além de seus períodos de escala predeterminada.

A empresa recorreu ao TST da decisão do TRT/SC com o argumento de que a utilização do aparelho se devia ao avanço tecnológico e não impedia a liberdade do funcionário, mas foi derrotada. A empresa alegou ainda que a definição do tribunal contrariou a Orientação Jurisprudencial 49 da Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST, que estabelece que o uso de BIP não caracteriza o sobreaviso, porque o empregado não permanece em sua residência aguardando convocação para o serviço – portanto, não dá direito ao pagamento por horas extras. Mas, para a SDI-1 do TST, a Orientação Jurispridencial 49 é inespecífica e não abrange as particularidades do caso, visto que, diante dos fatos apresentados pelo TRT, existe acordo coletivo prevendo a aplicação do artigo 244 da CLT e determinando que “seria considerado de sobreaviso o empregado que, utilizando aparelho ‘BIP’ ou qualquer outro meio de comunicação, ficasse à disposição da empresa em caráter permanente dentro de uma escala predeterminada”.

Além do contrato de trabalho e acordo coletivo, deve ser observado se o empregado tem cargo de confiança ou não. Isto porque, no ordenamento jurídico brasileiro, empregados que ocupam “cargo de confiança” têm uma responsabilidade maior. Portanto, já recebem uma gratificação por exercer tal cargo e não têm direito ao recebimento de horas extras. No entanto, esta discussão vai além, tendo em vista que grande parte dos empregados que possui tais parafernálias tecnológicas para trabalhar fora da empresa ocupa cargos de confiança e já recebe uma gratificação de função para exercer o cargo sem qualquer utilização desses aparelhos. A recente absorção dessa carga já estaria incorporada nessa gratificação ou seria necessária uma revisão do contrato de trabalho?

Na Europa e nos Estados Unidos a questão está sendo cada vez mais discutida. Nesses locais, existe uma clara consciência de que o empregado não pode, gratuitamente, ficar 24 horas a serviço da empresa. E, além da questão trabalhista, há o direito ao descanso.

O descanso é um fator indispensável para a preservação da saúde física e mental do indivíduo. É esse o espaço das atividades de lazer, hobbies, atividades físicas, que hoje já se comprova serem fatores elementares para a melhoria da qualidade de vida e para a preservação da vida pessoal e familiar do empregado. E o descanso – ou a falta dele – definitivamente afeta o rendimento no trabalho. Pode ainda resultar em doenças. Portanto, a questão não pode ser solucionada simplesmente com o pagamento em pecúnia pelas 24 horas no ar. Descansar é uma regra de ordem pública.

A questão, pelas dimensões que deve ganhar daqui em diante, deve ser objeto de discussão por parte do Legislativo e do Ministério do Trabalho. Nem o empregado deve ser obrigado a esticar sua jornada de graça nem as empresas podem correr o risco de acumular um passivo trabalhista, caso a Justiça passe a considerar como hora extra as atividades dependentes da utilização permanente dessa nova parafernália de comunicação – principalmente caso elas permaneçam ligadas 24 horas por dia. Não só os empregados, mas as próprias empresas precisam se adaptar à nova situação. Deverão conversar especificamente sobre o assunto no momento da contratação e definir com cada empregado os direitos e deveres com relação ao uso dos aparelhos.

Revista Consultor Jurídico

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