A 1ª Câmara do TRT-15 condenou a Sociedade Beneficente São Camilo a pagar indenização a título de lucros cessantes a um candidato a vaga de emprego que deixou de ser contratado após exame admissional revelar que ele possuía o vírus da hepatite C. O valor da condenação foi de dois salários referentes à função de auxiliar de limpeza, que seria exercida caso fosse contratado, vigentes na época do processo seletivo. O colegiado manteve também a condenação da instituição, arbitrada pelo Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté, de R$ 15 mil por danos morais.
O candidato à vaga de auxiliar de limpeza iniciou o processo seletivo para trabalhar na instituição em 28 de dezembro de 2016. Foi aprovado na entrevista e no teste prático. Logo após, recebeu a relação de documentos para a contratação e teve agendado o exame admissional para 13 de janeiro de 2017, quando passou por consulta com o médico do trabalho e realizou exames de sangue. Em 23 de janeiro de 2017, foi chamado para “receber orientações gerais sobre a organização e funcionamento da empresa”.
Três dias após o exame de sangue, ao retornar ao médico do trabalho, o candidato foi informado de que foi constatada a presença de Hepatite C, razão pela qual foi encaminhado a um infectologista. Em consulta com o especialista, soube que seu estado de saúde era bom e não apresentava os requisitos para fazer tratamento. Mesmo assim, quando retornou ao médico do trabalho, em 3 de fevereiro de 2017, recebeu atestado de inapto para exercer a função de auxiliar de limpeza por ser portador de vírus que, em tese, “poderia gerar risco químico e biológico”.
O candidato afirmou que saiu da instituição constrangido e humilhado, após constatar a discriminação. Alegou, também, que tinha conhecimento da doença desde 2011, que fazia acompanhamento médico regular e que sempre trabalhou como auxiliar de limpeza e serviços gerais. Juntou ao processo atestado de outro médico comprovando que realizava acompanhamento e que estava apto para trabalhar.
A instituição, por sua vez, argumentou que o reclamante informou, em formulário próprio, não possuir hepatite viral. “Tal omissão teria sido a causa da não admissão, eis que considerada pela empresa como dolosa”.
O relator do acórdão, desembargador Jorge Luiz Souto Maior, afirmou que o argumento de que a reclamada deixou de contratar o auxiliar de limpeza em razão unicamente de sua omissão quanto ao estado de saúde “é frágil e não se coaduna com o conjunto probatório dos autos”. “Há clara evidência de que a não contratação ocorreu em razão da discriminação pela doença que o então candidato é portador”, salientou.
Mesmo o fato de o trabalhador confirmar a ciência da doença desde 2011 não era argumento suficiente para se presumir que a omissão foi intencional, “de modo que a conduta em questão não revela infração ética ou moral por parte do autor”, afirmou o colegiado, para quem também “não há que se falar em conduta ‘dolosa’ do reclamante ao saber da existência do vírus da Hepatite C e omitir tal informação no questionário, eis que a reclamada afirmou ser procedimento padrão a realização de exames laboratoriais, em conformidade com a NR 32, ou seja, possuía meios próprios de averiguar o estado de saúde de seus candidatos”.
Além disso tudo, o reclamante seria contratado para exercer a função de auxiliar de limpeza na clínica de psiquiatria do hospital, onde não teria contato direto com pacientes nem manipularia materiais perfurocortantes. “Não se pode falar em ausência de boa-fé quando o candidato alegou não ver na doença nenhum motivo impeditivo para ser contratado”, afirmou o acórdão.
“A não contratação do reclamante ocorreu, de fato, pela ciência da empresa quanto à doença de que é portador, mormente se levarmos em consideração que não há nexo entre essa e o trabalho que seria realizado”, afirmou o colegiado. Para o colegiado, “a discriminação é presumida com relação a pessoas que portem condições que as tornem potencialmente vítimas de atos discriminatórios, como é o caso dos empregados acidentados, dos doentes, das gestantes etc., pois quem age de forma discriminatória, normalmente, não o faz de forma declarada, tornando quase impossível a prova”. Assim, a cessação do vínculo “precisa ter uma motivação específica, sob pena de entender-se discriminatória”.
Com relação ao dano moral, o colegiado entendeu que ficou “plenamente comprovado o dano moral sofrido pelo reclamante, ensejando o dever da reclamada em reparar os danos extrapatrimoniais decorrentes do ato ilícito por ela cometido”. Quanto ao valor de R$ 15 mil, fixado pelo Juízo de primeiro grau, “é justo e capaz de ressarcir o prejuízo experimentado pelo reclamante”, concluiu o colegiado.
No que se refere ao pedido do trabalhador quanto aos lucros cessantes, o acórdão concordou com o pedido, por entender que, com fundamento no artigo 427 do Código Civil, a não contratação ocorreu após extenso processo seletivo (de 27/12/2016 a 3/2/2017), durante o qual o candidato ficou à disposição da entidade. Nesse sentido, o colegiado deferiu ao reclamante indenização a título de lucros cessantes, no valor de dois salários referentes à função que seria exercida caso fosse contratado, vigentes na época do processo seletivo.
Processo 0011220-33.2017.5.15.0009
Fonte: TRT/SP região de Campinas