Juíza substituta do 4o Juizado Especial Cível de Brasília condenou o Novotel Rio Copacabana a pagar indenização por danos morais a hóspede vítima de tratamento discriminatório, devido à cor da pele.
A autora conta que se hospedou no Novotel Rio Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, em 02/02/2018, junto com seu esposo, um espanhol que reside no Brasil há aproximadamente 6 anos. Afirma que lá, conforme planejado, encontraram um casal de amigos, também de nacionalidade espanhola e fenótipo europeu caucasiano, e saíram para passear pela cidade. Ao retornarem ao hotel, por volta de 1h30 da madrugada, dentre o grupo de quatro pessoas que chegaram juntas na hospedaria, foi a única a ser abordada pelo recepcionista do estabelecimento, de forma ostensiva, que impôs como condição para subir ao quarto sua necessária identificação. A condição imposta foi mantida mesmo após o esposo da vítima ter informado que eles estavam juntos e que já haviam feito check in. Após o ocorrido e a liberação de acesso, a autora subiu ao quarto e, muito abalada, fez uma ligação aos familiares, intercalada de copioso choro pela situação vivida. Sustenta que tal conduta foi constrangedora, humilhante e discriminatória, eis que a única mulher negra do grupo, que necessitou reiterar sua identificação ao hotel. Diante disso, pleiteou indenização pelos danos morais sofridos, além de retratação por parte da ré.
Em sua defesa, o hotel afirma que a autora não trouxe prova de que teria sido constrangida; que estava apenas exercendo seu direito de consultar o cadastro da hóspede – medida de segurança adotada pelo hotel, até por se tratar de semana pré-carnaval; que não restou caracterizado dano moral, não havendo, portanto, motivo para retratação.
Ao decidir, a juíza consignou: “Analisando o mais que dos autos consta, tenho que o pedido autoral merece prosperar eis que a dignidade humana (artigo 1º, III da Constituição Federal), o objetivo constitucional da República Federativa do Brasil de promover o bem comum, sem preconceito de raça e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, IV da Constituição Federal), o postulado da igualdade (artigo 5º, caput da Constituição Federal), a proibição de tratamento degradante (artigo 5º, inciso III da Constituição Federal), a inviolabilidade da honra e da imagem (artigo 5º, inciso X da Constituição Federal), direitos estes fundamentais de envergadura Constitucional, bem como o postulado da reparação objetiva ao consumidor lesado, previsto no sistema protetivo do Código de Defesa do Consumidor (artigo 14), albergam o direito da autora de ser moralmente compensada pela degradante situação a que foi exposta no estabelecimento hoteleiro ré”.
Incontroverso que a autora foi a única do grupo chamada a se identificar na recepção, sendo que, se o motivo realmente fosse a segurança alegada, “o mais lógico e respeitoso seria a abordagem das quatro pessoas que adentraram juntas no local, afinal, qualquer uma delas poderia representar perigo”, afirma a magistrada, que conclui: “Latente, portanto, a falha na prestação do serviço e o consequente ato ilícito praticado pela empresa ré”.
Em determinado trecho da sentença, a julgadora registra ainda: “É preciso falar: o racismo diminui o ser, na medida em que toca no núcleo duro da dignidade da pessoa humana, direito fundamental com previsão no artigo 1º, III da Constituição Federal. O tratamento diferenciado de alguém, unicamente em função da cor, degrada a crença na fraternidade, na igualdade e na moral humana. Atenta contra os objetivos da nossa sociedade, que é plúrime, sem preconceito de raça e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, IV da Constituição Federal)”.
Nessa toada, prossegue a magistrada, “caracterizada a diminuição de pessoa humana em razão da cor da pele, em evidente menoscabo ao postulado da dignidade humana e da igualdade. É preciso que essa prática institucional abjeta e repugnante seja extirpada das medidas de governança corporativa, sendo dever do prestador de serviços implementar treinamento sério e contínuo de seus colaboradores, bem como de condutas ativas, com vistas a rechaçar qualquer tipo de preconceito em seu ambiente institucional”.
A juíza conclui registrando que, no caso em tela, o dano praticado pela ré foi de extrema gravidade, uma vez caracterizada “flagrante violação da dignidade humana da autora, mulher e negra, que foi tratada de maneira abjeta enquanto pessoa e enquanto consumidora”. Assim, julgou procedente o pedido da autora para condenar a empresa ré a indenizar a autora em R$ 19.080,00, entendendo desnecessária retratação do hotel, visto que já houve pedido de desculpas e que a indenização arbitrada também tem força punitiva e educadora.
Cabe recurso.
Processo (PJe): 0737400-60.2018.8.07.0016
Fonte: TJ/DFT