Ilha da fantasia – Descentralização do TJ-SP é a medida mais racional

Por José Renato Nalini

A tentativa de atender a um preceito constitucional conduz a equívocos e evidencia a urgência de o Judiciário se adequar à realidade. O parágrafo 6º do artigo 125 da Constituição da República, na redação da Emenda Constitucional (EC) 45, de 2004, autoriza o Tribunal de Justiça a funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras Regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à Justiça em todas as fases do processo.

A intenção do constituinte reformador é clara: não apenas tornar a Justiça de segundo grau mais próxima da cidadania, mas prestigiar a ideia de descentralização como forma racional de gestão do funcionamento dessa prestação estatal. O Tribunal de Justiça de São Paulo conta, hoje, com 360 desembargadores, mais outra centena de juízes substitutos em segunda instância e magistrados convocados a atuar em Câmaras Extraordinárias.

Esses mais de 500 profissionais julgam os recursos de todo o estado de São Paulo, o que obriga o deslocamento físico dos autos das regiões mais longínquas do interior em direção à capital — a informatização ainda é muito incipiente no âmbito estadual. Não é só o transporte do processo que se torna obrigatório. É também o dos julgadores, nem todos radicados em São Paulo. Muitos magistrados preferiram permanecer em suas cidades de origem e viajam para a capital semanalmente, em transporte oficial. São viaturas do estado, dirigidas por funcionários públicos e custeadas pelo povo.

A instalação de Câmaras Regionais atenderia a múltiplos objetivos. Os processos submetidos à segunda instância de julgamento — os recursos — permaneceriam nas sedes regionais. Os advogados não precisariam vir a São Paulo para sustentar oralmente. Mesmo as partes, como quer o constituinte, poderiam assistir ao julgamento na própria cidade ou em outra cidade próxima.

É evidente a economia gerada para os cofres públicos. Efeito não explicitado na Constituição, mas previsível, seria a redução do trânsito nesta caótica cidade dos congestionamentos. A descentralização ainda permitiria uma gestão menos complexa do Tribunal de Justiça, com delegação da burocracia a sedes regionais.

Ninguém desconhece a complexidade da administração de uma corte com 500 julgadores em segundo grau. Funcionaria de maneira mais racional e o tempo consumido na transferência física dos processos abreviaria os julgamentos. Tudo a atender à exigência de maior celeridade na outorga da prestação jurisdicional.

Difícil a implementação? Não se pode negar. Mas não impossível. As grandes cidades, consideradas polos regionais, já possuem edifícios forenses compatíveis com a necessidade de preservar a tradição solene do julgamento colegiado. Há servidores lotados na capital que aceitariam a transferência para o interior, algo que hoje não conseguem porque sua função ainda inexiste fora da sede do tribunal.

Formulada a proposta, ainda que cinco anos depois da EC 45/2004, que a determinou, surgem os óbices. Existem os que afirmam ser mera “ressurreição” dos Tribunais de Alçada, extintos pelo constituinte da Reforma do Judiciário. A coisa é muito diferente. Os Alçadas funcionavam bem, mas detinham competência limitada. Havia processos que só poderiam ser julgados no Tribunal de Justiça. As Câmaras Regionais terão competência plena. É o mesmo Tribunal de Justiça a funcionar descentralizadamente.

O argumento contrário é frágil, portanto. Mas esse não é o ponto principal. Valendo-se da oportunidade, os que se apegam a uma visão anacrônica do Judiciário pretendem aproveitá-la para a criação de mais 150 cargos de desembargador. Quando se propunha a unificação da Segunda Instância, o número de 332 desembargadores — soma dos quadros do Tribunal de Justiça e dos 3 Tribunais de Alçada — era considerado um exagero. Pois foram criados mais 28 para liberar o Órgão Especial de jurisdição comum e se chegou a 360. Agora, pretende-se fazer com que esse número atinja 510.

Essa pretensão vai na contramão do que o Judiciário deve fazer para se tornar o serviço público eficiente e célere que a Nação exige. Trezentos e sessenta já é um número excessivo de cargos, tanto que o próprio constituinte propôs a descentralização, a antever a inconveniência de tribunais gigantes. Esta era é de enxugamento, de fazer mais com menos. A criatividade deveria servir para otimizar a produtividade, e não seguir a velha receita da multiplicação de cargos e estruturas.

Vai na contramão pois a crise chegou e vai durar. O governo não pode continuar a inflar. É de constatar que o povo chegou ao limite da capacidade de suportar tributos. A máquina paquidérmica, pesada e disfuncional merece revisão no funcionamento. Não se vivem tempos de crescimento vegetativo sem avaliar as repercussões da criação de mais cargos. Elas virão sob a forma de mais funcionários, prédios e viaturas. Cargos não apenas no Judiciário, mas no Ministério Público, nas polícias e nas defensorias.

O velho discurso da criação de cargos atende à urgência que os mais novos ostentam de “chegar logo ao topo”. Basta criar cargo e os recursos para sustentá-lo virão por milagre? A carreira não é correria.

Lembro-me do notável desembargador Young da Costa Manso, que presidiu o Tribunal de Justiça diante de episódio análogo. Aliás, tais reclamos constituem fato recorrente numa instituição bastante hermética e caracterizada por nítida entropia. Dizia ele, com certa ironia, que de acordo com os novos seria melhor inverter a carreira da magistratura: todos começariam como desembargadores, para terminar suas trajetórias como juízes substitutos numa pequena cidade, merecedora da serena atuação de um sábio julgador, tranquilo na paz interiorana.

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