Por Rubens Naves e Maria Laura Canineu
Assombra as organizações do terceiro setor o fantasma da crise financeira, especialmente quando se deparam com as projeções para o ano de 2009. Já é tido como fato que o colapso econômico dos bancos, com reflexos no mercado como um todo, afetará o terceiro setor. Pode haver uma retração dos patrocínios, doações e repasses de recursos e, em consequência disso, diminuição de receita e revogação de benefícios. Nesse cenário, muitas organizações preferem segurar o que têm a investir em novas oportunidades.
Embora ainda não esteja claro o impacto da crise na própria economia brasileira, uma vez que vivenciamos nos últimos anos períodos promissores de crescimento e desenvolvimento, é possível apontar possíveis repercussões da crise no terceiro setor. O impacto imediato é justamente a crise de financiamento. A diminuição dos incentivos e retração das doações na área social, provenientes de agentes internacionais ou nacionais, é realidade imediata em épocas de crise econômica. As empresas repensam suas políticas de destinação de recursos, o que significa menor financiamento para o “setor voluntário”.
Para analisar a profundidade da crise no terceiro setor é preciso conhecer o perfil das organizações que o compõe em termos de fontes de financiamento. Enquanto em países como a Inglaterra, França, Alemanha e outros da Europa Ocidental o financiamento das organizações é feito em grande parte com recursos repassados pelo próprio Estado (Salamon, Lester M. 2003. “Global Civil Society), em países como o Brasil esta não é uma afirmação tão clara.
Dessa forma, o terceiro setor no “primeiro mundo” parece ficar mais sufocado em razão da crise, uma vez que, para “salvar” o mercado e, supostamente, a sociedade, o Estado faz aplicações extraordinárias no segundo setor, desviando uma parcela considerável dos recursos que poderiam ser aplicados em áreas prioritárias do desenvolvimento social. Aqui, por outro lado, a retração, se já é concreta, se dá muito menos pela diminuição real de recursos, especialmente públicos, e mais por uma “virtual” expectativa de diminuição e por uma perspectiva transplantada no consciente coletivo de que deve haver cortes e diminuição de gastos, tanto do setor público como do setor privado.
Mesmo diante de uma real ou “virtual” contração de recursos do terceiro setor no Brasil, ainda é possível vislumbrar, no longo prazo, um cenário no qual a demanda pelos serviços oferecidos pelas próprias organizações do terceiro setor é cada vez maior. Isso porque o mercado, afetado diretamente pela desaceleração da economia, se retrai e o terceiro setor passa a ocupar um espaço cada vez maior, utilizando-se inclusive de recursos desprezados pelo mercado, como os recursos humanos, podendo significar maior profissionalização do setor.
De qualquer forma, é real o retorno de um papel mais marcante do Estado como regulador da economia, maior protecionismo, sendo que ainda está em aberto se esse “novo Estado” optará por uma participação popular mais ou menos intensa na confecção e realização das políticas públicas. Essa redefinição do papel estratégico do Estado tem logicamente impacto imediato no terceiro setor, especialmente no que tange à sua regulação, abrindo portas para a própria sociedade civil organizada apontar caminhos para maior legitimidade do Estado e saúde do mercado, encontrando soluções inovadoras para a ‘ingovernabilidade’ e alternativas para o desempenho de funções originalmente estatais.
Diante desse cenário, que podemos classificar como instável, além da necessidade de as organizações do terceiro setor atuarem de forma cada vez mais intensa no advocacy pelo reconhecimento da sua imprescindibilidade, outra certeza se pode ter: a sobrevivência e a sustentabilidade do terceiro setor demandarão maior profissionalismo. A crise de financiamento, real ou “virtual”, pode significar um verdadeiro “filtro” de entidades, sobrando as mais profissionalizadas, inovadoras, que detenham uma variedade de financiamento, gerenciamento estratégico, mecanismos claros de transparência, accountability e controle social. Um cenário como esse incentiva não a formação desenfreada de novas entidades, como nas últimas décadas, mas sim a parceria entre as organizações já existentes e a formação de redes (recente levantamento do IBGE já identificou uma desaceleração do crescimento do setor).
A colaboração inerente ao setor pode significar sua própria sobrevivência. Se já não sabem, as organizações terão que aprender a trabalhar em parceria para que o setor que integram não perca sua característica maior como “celeiro” de soluções inovadoras.
*Rubens Naves é advogado, sócio-titular do Rubens Naves, Santos Jr. e Hesketh Associados, professor licenciado da PUC-SP, conselheiro e ex-presidente da Fundação Abrinq.
*Maria Laura Canineu: é advogada, mestre em Direito do Desenvolvimento Internacional e Direitos Humanos pela Universidade de Warwick, Inglaterra, e especialista da área de Terceiro Setor do Rubens Naves, Santos Jr. e Hesketh Associados