Por Carlos André Studart Pereira
O julgamento do RMS 26.959, da relatoria do Ministro Eros Grau, na última quinta-feira (26/3), foi motivo de pesar. A Suprema Corte, que vem inovando a prestação jurisdicional, com a tendência até mesmo de abstrativizar o controle difuso de constitucionalidade, cometeu um retrocesso — ou um “não-avanço” —, ao rejeitar a louvável tese perfilhada pelo ministro relator, que aplicava o artigo 515, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil ao recurso ordinário constitucional (artigo 105, inciso I, “b”, da Constituição Federal).
Tal preceptivo processual traz subjacente a teoria da causa madura, segundo a qual, se o tribunal, ao afastar uma causa que deu ensejo à extinção do processo sem julgamento de mérito (no primeiro grau), pode (e deve) apreciar de logo a matéria de fundo, desde que não haja mais necessidade de dilação probatória. Estando apta a causa, portanto, pode ser ela julgada pelo tribunal de imediato, sem ter a necessidade de retornar ao juízo de origem.
Referida norma, é bom registrar, está inserida sob o capítulo da “apelação”. Tal observação foi feita pela Corte Suprema. Mas nem por isso deve ser ela considerada exclusiva desse recurso. A sua situação topográfica, no Código de Ritos, aqui é irrelevante.
É certo que o recurso ordinário tem estatura constitucional; já a apelação, não. Daí a impossibilidade de aplicação de tal preceito ao recurso ordinário, como restou reconhecido pela corte, no RMS-ED 24.309 (DJ de 30/04/2004). Essa diferença de status entre as figuras recursais, para mim, também é indiferente. Ora, se for por isso, o jurisdicionado tem em seu favor a garantia da duração razoável do processo, plasmada no artigo 5º, inciso LVIII, da Constituição.
Não vejo, portanto, razão para não aplicar tal dispositivo a referido recurso de previsão constitucional. A intenção da lei (por meio do artigo 515, parágrafo 3º, do CPC) é garantir a celeridade processual. Ele deve, pois, ser interpretado sistemática e teleologicamente. Não se pode olvidar: o recurso ordinário é o irmão gêmeo da apelação.
Ora, o ministro Menezes Direito, que inaugurou a divergência, argumento no sentido de que haveria, no caso de aplicação da teoria da causa madura, uma supressão de competência do Superior Tribunal de Justiça — competente para julgar originariamente mandando de segurança impetrado em face de ato de ministro de Estado. Na mesma linha foi o pronunciamento da ministra Carmén Lúcia — para ela, haveria um salto de competência — e do ministro Marco Aurélio.
Se assim realmente o fosse, deveria então ser o artigo 515, parágrafo 3º, do CPC, declarado inconstitucional, pois o Tribunal de Justiça, ao aplicá-lo em julgamento de apelação, estaria também usurpando a competência do juízo de primeiro grau. E essa argumentação, ao meu sentir, não procede.
Pior foi a achega feita pelo ministro Cezar Peluso, aduzindo, em outras palavras, que em recurso ordinário não se podem apreciar as provas de forma ampla, como se dá no julgamento de apelação. Mais uma vez pedindo vênia, repito: trata-se de figuras recursais equiparadas. Ao meu ver, não existe a distinção por ele feita. É possível sim a análise das provas tanto em um como em outro e, da mesma forma, com a mesma cognição e intensidade. Para agravar, deixou o nobre ministro de considerar, na sua exposição, que cuidavam os autos de mandado de segurança, onde a prova deve ser pré-constituída. Para tal “peculiaridade” alertou o nobre ministro relator, Eros Grau. Não adiantou: restou vencido isoladamente.
Concluo que o Supremo Tribunal poderia sim repensar a tese adotada. A questão não é tão simples assim. Deve a corte buscar a verdadeira mens legis. Talvez em outra oportunidade.