INEP é condenado por não adequar prova para candidatos com necessidades especiais

Decisão é da 1.ª Vara Federal de São Carlos.


O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Inep foi condenado a pagar R$25 mil de indenização por danos morais e R$10 mil, a título de multa, para duas pessoas portadoras de Transtorno Asperger, devido a não adequação da prova do Exame Nacional do Ensino Médio – Enem de 2016, conforme havia sido determinado em uma tutela antecipada concedida naquele ano pela 1ª Vara Federal de São Carlos/SP.

Para garantir a inclusão social dos autores, a decisão liminar determinava que a avaliação fosse aplicada em consonância com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 123.146/2015). A prova deveria ser condizente, quanto à forma e conteúdo, com a deficiência mental apresentada por eles e, na correção, a banca examinadora deveria considerar a singularidade dos dois concorrentes.

A sentença menciona que, em linhas gerais, o edital do Enem 2016 atendia às necessidades dos autores, ao dispor sobre suporte especializado, utilização de sala própria para a realização da avaliação, acompanhamento profissional para leitura e tempo adicional de até 60 minutos. Contudo, não estabeleceu o cuidado com a elaboração das provas e a correção, de forma a dispensar o tratamento necessário aos candidatos com Transtorno Asperger.

Para o juiz federal Ricardo Uberto Rodrigues, a questão tratada “envolve a materialização da prestação estatal no que tange à promoção do acesso da pessoa com deficiência ao ensino superior. Inegavelmente, a discussão travada na presente demanda perpassa pela análise do alcance e da evolução do princípio constitucional da isonomia, notadamente no que diz respeito à transição de uma concepção de igualdade formal para a denominada igualdade material”.

O Inep confirmou que não cumpriu integralmente a tutela deferida, e alegou a impossibilidade de elaborar a prova, nos moldes em que foi determinado, diante do curto espaço entre o deferimento da liminar e a realização do exame, bem como a impossibilidade de se estabelecer um modelo que atendesse especificamente as condições dos autores, tendo em vista que a doença se manifesta em vários níveis, não havendo consenso a respeito das especificidades.

No entendimento do magistrado, os critérios mínimos de adaptação são de conhecimento dos profissionais que militam na área, não sendo possível alegar impossibilidade de cumprimento. Ricardo Uberto Rodrigues considerou depoimentos que confirmaram a possibilidade de se formular questões adaptadas à necessidade dos autores, sem prejudicar o conteúdo cobrado e o princípio da isonomia, bem como o laudo da perita.

“Não se pode perder de vista que há verdadeira falta de planejamento, a qual redunda em omissão e descumprimento do disposto no art. 30, III, IV e VI do Estatuto da Pessoa com Deficiência, acarretando severo desnivelamento de condições de acesso ao ensino superior às pessoas com deficiência. Tal omissão deve ser qualificada como ‘lesiva’ e ‘perversa’, traduzindo-se em inaceitável violação a direitos sociais garantidos às pessoas com deficiência”, afirmou.

Considerando a oitiva de vários profissionais da área, que se manifestaram pela possibilidade de adoção de medidas que poderiam proporcionar maior acesso das pessoas portadoras da síndrome em provas como o Enem, Ricardo Uberto Rodrigues entendeu que os autores têm o direito de obterem do Inep:

• Elaboração de provas adaptadas às suas necessidades especiais, sem prejuízo do conteúdo cobrado, mediante questões com enunciados curtos, claros e objetivos, sem presença de figuras de linguagem, metáforas, significado dúbio ou que exija interpretações complexas;

• Correção da prova realizada por profissional especializado, notadamente na prova de redação, o qual deverá considerar os prejuízos decorrentes do quadro imposto pelo TEA, tais como: disgrafia, dificuldades na interpretação de texto, na interpretação de metáforas, em figuras de linguagem, provérbios e moral da história, pouca criatividade, baixa capacidade de resolução de problemas devido à inflexibilidade cognitiva, e dificuldade de planejamento e organização das informações (pouca coesão e coerência);

• Maior tempo para realização da prova, pelo menos 25% a mais do tempo para sua realização;

• Presença de profissional da área de educação para auxiliar na leitura e compreensão do que é solicitado na prova, bem como para transcrever a prova de redação e passar as questões assinaladas para o gabarito, por exemplo, a disponibilização de Ledor, Transcritor ou Intérprete de Enunciados, conforme demanda solicitada previamente;

• Disponibilização de uma psicopedagoga para o acompanhamento da prova;

• Auxílio de calculadora para a hipótese de discalculia;

• Realização da prova em sala separada, na qual se garanta um ambiente silencioso e sem distrações;

• Mobília adaptada (mesa e cadeiras separadas).

Por fim, diante do injustificado cumprimento parcial da tutela antecipada, o magistrado também condenou o Inep ao pagamento de indenização por danos materiais a título de danos emergentes para cada um dos autores. (KS)

Processo: 0003700-88.2016.403.6115

Fonte: TRF3


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