Os supermercados gaúchos que venderem produtos in natura expostos em embalagens pré-medidas apresentando variações entre o peso estampado no rótulo e o real conteúdo líquido podem ser multados pelo Inmetro. A decisão é da 3ª Turma do TRF-4.
A Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) ajuizou uma ação contra a aplicação de multas pelo Inmetro, alegando que os produtos in natura sofrem uma variação natural de peso devido ao processo de desidratação.
A sentença de 1º grau negou o pedido da Agas, entendendo que o caso apresenta infração nas relações de consumo. A associação recorreu ao TRF-4, sustentando que os supermercadistas não podem ser responsabilizados por uma variação natural do produto, mas a apelação foi desprovida.
O relator, desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, citou trecho do parecer do Ministério Público Federal segundo o qual os fornecedores estão desobrigados apenas das variações decorrentes da natureza do produto que ocorram após a compra pelo cliente. Antes da venda, o peso líquido indicado na embalagem deve corresponder exatamente ao peso real do produto, pois, do contrário, o consumidor estaria sendo enganado.
Assim, são cabíveis as multas aplicadas, tendo em vista que os supermercados estão deixando de atender aos direitos básicos do consumidor. O advogado Julio Cesar Bernardi Cogo atua em nome do Inmetro (Proc. nº 2005.71.00.009500-1 – com informações do TRF-4).
“Disparidade com o peso líquido indicado na embalagem” (íntegra do acordão)
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.71.00.009500-1/RS
RELATOR:Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ
APELANTE:ASSOCIACAO GAUCHA DE SUPERMERCADOS – AGAS
ADVOGADO:Luiz Carlos Buchain
APELADO:INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA NORMALIZACAO E QUALIDADE INDL/ – INMETRO
ADVOGADO:Julio Cesar Bernardi Cogo e outro
EMENTA
CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. QUESTÃO DE DIREITO, NÃO DE FATO. DESNECESSIDADE DA PERÍCIA. PRODUTOS IN NA TURA. PERDA DE PESO LÍQUIDO DECORRENTE DE DESIDRATAÇÃO. DISPARIDADE COM O PESO LÍQUIDO INDICADO NA EMBALAGEM. VIOLAÇÃO ÀS DIRETRIZES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MULTAS PELO INMETRO. PROPORCIONALIDADE. RAZOABILIDADE. REINCIDÊNCIA RECONHECIDA. PARÂMETROS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DISPOSITIVOS APLICÁVEIS.
Apelação a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de abril de 2010.
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.71.00.009500-1/RS
RELATOR:Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ
APELANTE:ASSOCIACAO GAUCHA DE SUPERMERCADOS – AGAS
ADVOGADO:Luiz Carlos Buchain
APELADO:INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA NORMALIZACAO E QUALIDADE INDL/ – INMETRO
ADVOGADO:Julio Cesar Bernardi Cogo e outro
RELATÓRIO
O parecer do MPF, a fls. 736/736v, expõe com precisão a controvérsia, verbis:
“1. Trata-se de apelação cível contra sentença (fls. 627/635) proferida em ação sob o rito ordinário em que, rejeitadas a preliminares e indeferida a perícia requerida pela parte autora, foi julgada improcedente a ação.
2. Inconformada, a Associação Gaúcha de Supermercados – Agas apelou (fls. 649/705), sustentando, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, tendo em vista que foi indeferida prova pericial cujo objetivo era demonstrar que a desidratação e a variação de massa não representa um vício de qualidade ou de quantidade nos produtos in natura e, no mérito, repisando os argumentos lançados na inicial. Disse que o art. 18 do CDC determina respeito às variações decorrentes da natureza do produto. Alegou que os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da harmonização das relações de consumo e boa-fé devem incidir no caso em tela, sendo que estes não foram observados pelo Inmetro quando impôs as multas pela variação de massa dos produtos in natura. Ponderou que o Instituto nada diz quanto ao critério adotado para fixar e quantificar as multas aplicadas, bem como que a quantidade de imposições lançadas por ele implicam efeitos deletérios na economia dos supermercadistas, pois as autuações são reincidentes. Ao final, requereu a eliminação da contradição quanto aos honorários advocatícios e pleiteou o acolhimento da preliminar e, caso superada, o provimento do recurso para julgar procedente a ação.
3. Foram apresentadas contra-razões (fls. 719/733).
4. É o relatório do essencial. Passa-se a opinar.”
É o relatório.
Peço dia.
VOTO
Afiguram-se-me irrefutáveis as considerações desenvolvidas no parecer do MPF, da lavra da ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Samantha Chantal Dobrowolski, a fls. 736v/739, verbis:
“Preliminarmente – cerceamento de defesa,
5. A presente demanda foi proposta pela apelante com o objetivo de discutir as autuações feitas pelo Inmetro em relação a produtos in natura expostos à venda em embalagens pré-medidas.
6. A Agas requereu a produção de prova pericial para provar a variação da massa em face da natureza dos produtos vendidos em embalagens pré-medidas, nos termos do art. 18 do CDC.
7. Ocorre, entretanto, que, como bem delineado pelo Magistrado a quo, a prova pericial requerida não teria influência no julgamento da lide, pois o objetivo era, unicamente, demonstrar que produtos in natura, com o tempo, sofrem o processo de desidratação e disto decorre diminuição da sua massa. Isto, contudo, é fato incontroverso nos autos.
8. Ademais, a enquadração ou não desta situação incontroversa na previsão do art. 18 do CDC é matéria de direito, não de fato, sendo, portanto, desnecessária a perícia requerida; não se configurando, assim, cerceamento de defesa.
Mérito
9. No mérito, igualmente a insurgência não merece prosperar.
10. A Agas sustenta que os supermercadistas, nos termos do art. 18 do CDC, não são tesponsabi1izados pela variação natural do produto. Eis as redações do caput do mencionado dispositivo e do art. 19:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I – o abatimento proporcional do preço;
II – complementação do peso ou medida;
III – a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios;
IV – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.
§ 1° Aplica-se a este artigo o disposto no § 4° do artigo anterior.
§ 2° O fornecedor imediato será responsável quando fizer a pesagem ou a medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais.
11. Ocorre que a apelante faz uma leitura isolada destes artigos, sem considerar as diretrizes que devém orientaras relações de consumo, previstas no art. 4º do Código de Defesa do Consumidor, bem como o art. 6° do mencionado estatuto normativo:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
(…)
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
(…)
VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(…)
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
12. Significa dizer que, interpretando o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, a leitura correta do dispositivo deve ser, no mínimo, eqüitativa, e não aquela feita pela apelante, que é favorável unicamente ao fornecedor.
13. Assim, de acordo com os arts. 18 e 19 do CDC, e considerando os princípios e diretrizes que orientam as relações de consumo, estão os fornecedores desobrigados apenas das variações decorrentes da natureza do produto que ocorram após a compra pelo cliente. Antes da venda, todavia, o peso líquido indicado na embalagem deve corresponder exatamente ao peso líquido real do produto, pois, do contrário, o consumidor estaria sendo enganado pela informação constante na embalagem tendo em vista que adquiriria, de fato, quantidade menor do que aquela que imaginaria estar comprando:
14. Cabe ao fornecedor, detentor da informação, não mascarar as, variações que ocorram até a venda do produto, sob pena de ludibriar o consumidor e violar o dever de transparência e a harmonia da relação de consumo.
15. Além disso, a imposição de multas pelo Inmetro é perfeitamente cabível, tendo em vista que os supermercadistas estão deixando de atender aos direitos básicos do consumidor. Não há falar em fuga aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Até porque a própria apelante afirma em suas razões recursais que tem havido reincidência de multas. Ora, é certo que a cada infração verificada deve corresponder uma sanção. Além disso, se é reconhecida a recalcitrância e disto decorre o acúmulo de multas, é natural que a soma delas torne-se cada vez mais vultosa.
16. Os valores das multas aplicadas pelo Inmetro foram fixados de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, até porque há constante reincidência dos supermercadistas, como fartamente demonstrou o Instituto em sua contestação e conforme reconheceu a apelante, e estão dentro dos parâmetros estabelecidos em lei (art. 9° da Lei nº 9.933/99):
Art. 9o A pena de multa, imposta mediante procedimento administrativo, obedecerá os seguintes valores:
I – nas infrações leves, de R$ 100,00 (cem reais) até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais);
II – nas infrações graves, de R$ 200,00 (duzentos reais) até R$ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais);
III – nas infrações gravíssimas, de R$ 400,00 (quatrocentos reais) até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais).
§ 1o Na aplicação da penalidade de multa, a autoridade competente levará em consideração, além da gravidade da infração:
I – a vantagem auferida pelo infrator;
II – a condição econômica do infrator e seus antecedentes;
III – o prejuízo causado ao consumidor.
§ 2o As multas previstas neste artigo poderão ser aplicadas em dobro em caso de reincidência.
§ 3o O regulamento desta Lei fixará os critérios e procedimentos para aplicação das penalidades de que trata o art. 8o e de graduação da multa prevista neste artigo.
§ 4o Os recursos eventualmente interpostos contra a aplicação das penalidades previstas neste artigo e no art. 8o deverão ser devidamente fundamentados e serão apreciados, em última instância, por comissão permanente instituída pelo Conmetro para essa finalidade.
§ 5o Caberá ao Conmetro definir as instâncias e os procedimentos para os recursos, bem assim a composição e o modo de funcionamento da comissão permanente.
18. Além disso, é certo que não se deve considerar o dano individualmente causado a cada consumidor, pois, se assim o fosse, os prejuízos seriam da ordem de centavos. Na aplicação das multas, o que tem de estar presente é que o dano é difuso, atinge diversas pessoas. Até porque o acumulado das vantagens ilícitas dos supermercadistas, obtidas em detrimento de cada consumidor é volumoso, como bem apontou o Inmetro em contestação, às fls. 180:
Temos o processo, Inmetro n° 4756 – empresa Bom Mercado Comércio de Alimentos Ltda. – produto queijo fresco, de grande consumo popular. A diferença constatada de 9 gramas, equivalente a R$ 0,27 (vinte e sete centavos) encontrada em kg de queijo, deixa a questão de quanto o supermercado pode lucrar indevidamente ao final de um mês, em detrimento explícito ao consumidor e à ordem econômica do país.( … )
19. Quanto aos honorários advocatícios, vê- se que não há contradição entre os dispositivos legais apontados na sentença, pois aplica-se o § 4º do art. 20 do CPC por ser a causa de pequeno valor (R$ 1.000,00, como atribuído pela demandante) e não haver condenação, e o § 3°deste artigo incide por força do mencionado §4º.
20. Diante do exposto, opina o Ministério Público Federal pelo desprovimento do apelo, mantendo-se a decisão recorrida na íntegra.”
Por esses motivos, voto por negar provimento à apelação.
É o meu voto.
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Relator
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 13/04/2010
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.71.00.009500-1/RS
ORIGEM: RS 200571000095001
RELATOR:Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ
PRESIDENTE:Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
PROCURADOR:Dr(a)Domingos Sávio Dresch da Silveira
APELANTE:ASSOCIACAO GAUCHA DE SUPERMERCADOS – AGAS
ADVOGADO:Luiz Carlos Buchain
APELADO:INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA NORMALIZACAO E QUALIDADE INDL/ – INMETRO
ADVOGADO:Julio Cesar Bernardi Cogo e outro
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 13/04/2010, na seqüência 82, disponibilizada no DE de 05/04/2010, da qual foi intimado(a) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 3ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO:Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ
VOTANTE(S):Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ
:Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
:Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA
Letícia Pereira Carello, diretora de Secretaria