Inovar e agilizar – Inovar para julgar mais rápido

Por Maria Tereza Sadek

Pilhas de papel, ineficiência e lentidão são traços indissociáveis da imagem da Justiça. O retrato leva ao desalento por sua longevidade e pelo prenúncio de desastres iminentes, capazes de afetar a própria convivência democrática, para não dizer civilizada.

A duração razoável do processo é um valor incorporado em documentos legais nacionais e internacionais. Seus parâmetros não são os mesmos do espaço de tempo que orienta o imaginário popular sobre a Justiça. O tempo da Justiça é, e tem sólidos motivos para ser, diferenciado. Não pode ser o tempo da notícia nem do desejo de vingança. É um tempo aceitável, delimitado pelo respeito às exigências do devido processo legal. Não é, pois, o tempo que se espicha indefinidamente. Não é o tempo que favorece a impunidade, propicia o desrespeito à lei, beneficia o devedor, o malfeitor. Em poucas palavras, o tempo da Justiça não pode ser o tempo da não-justiça.

A situação da Justiça brasileira é dramática. Seus tempos superam os limites da razoabilidade. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 60% dos casos não são analisados no ano em que são protocolados. A movimentação processual é extraordinária. O volume de processos em todos os ramos e instâncias é notável, assinalando altos índices de litigiosidade. As taxas de congestionamento são significativas, apesar do expressivo número de decisões, indicando que a Justiça não tem conseguido responder às demandas da sociedade.

Esse descompasso entre a procura e a oferta tem potencial desagregador do tecido social, mas pode provocar também a decretação de falência da própria Justiça estatal.

Diagnósticos têm sido elaborados. Embora os registros não sejam completos nem inteiramente consistentes, apresentam condições para superar o “achismo” – anteriormente, a única base de diagnósticos. Sabe-se hoje, com apoio em dados, onde estão os gargalos, quais os principais litigantes, quais as matérias e, mais importante, os efeitos de alterações introduzidas no sistema processual e na estrutura do Judiciário.

Ademais, tão importante quanto a possibilidade e o empenho na elaboração de diagnósticos é o fato de que tem crescido o número de operadores de Direito críticos da presente situação. O vocábulo “crise” se associou de tal forma à Justiça que propostas de mudança ganharam viabilidade. A mais relevante foi a Emenda Constitucional (EC) 45, de dezembro de 2004.

A reforma do Judiciário (e das demais instituições de Justiça) propiciou mudanças importantes e ensejou a utilização de instrumentos com capacidade de alterar o status quo na estrutura do Poder Judiciário, no tempo e na qualidade da prestação jurisdicional. Os institutos da súmula vinculante, da repercussão geral, dos recursos repetitivos e da transcendência permitem que tribunais tenham maior controle da pauta de julgamentos e acentuem seu papel de Cortes voltadas para questões de interesse geral, retraindo, assim, sua atuação como mais uma instância recursal para litígios individuais, repetitivos e de pouca expressão coletiva.

A dimensão superlativa do problema impõe soluções que transcendam o voluntarismo e a insistência em expedientes já testados que se mostraram de baixa eficiência. É sabido que “o mais do mesmo” é só um paliativo que não impediria que o problema voltasse a tomar, a médio e a longo prazos, senão a mesma dimensão, uma ainda maior.

A EC 45 abriu espaço para a efetivação de alterações de natureza institucional no Judiciário. Qualificam-se nessa dimensão a súmula vinculante, o sistema de repercussão geral, a Lei dos Recursos Repetitivos e o critério de transcendência. Esses expedientes começaram a ser utilizados e já provocaram alterações significativas no perfil das Cortes, no volume de processos e na qualidade das sentenças.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal teve sua pauta significativamente reduzida (em 40%) com a implantação da repercussão geral. Tão importante quanto a diminuição no número de processos e o decorrente incremento na celeridade é o fato de o Tribunal ter adquirido condições de definir sua agenda e fortalecer seu papel de Corte constitucional.

Na abertura do ano judiciário de 2009, o ministro Gilmar Mendes enfatizou a importância da inovação: “O desate do nó górdio que aprisionava a Corte na esdrúxula tarefa de apreciar recursos inviáveis ou improcedentes importou não só maior qualidade nas decisões proferidas, como também mais dinamismo e aproximação da sociedade, com evidente ganho nas relações de cidadania e do fortalecimento do Estado Democrático de Direito.”

No Superior Tribunal de Justiça, a Lei dos Recursos Repetitivos propiciou redução de 16,4% no número de recursos especiais recebidos pelo tribunal entre 2006 e 2007. Segundo dados do balanço de 2008, o volume de recursos especiais recebidos e distribuídos começou a cair a partir do mês de setembro, quando a lei passou a ser efetivamente aplicada. Neste período de 4 meses a redução foi de 38% em relação a 2007.

Entre as Cortes superiores, o Tribunal Superior do Trabalho tem-se mostrado mais resistente às inovações. O aumento de produtividade de 45%, anunciado no final do ano, acaba mascarando a realidade de que houve um acréscimo de demanda recursal – na ordem de 13%, de 2007 para 2008, com tendência a crescer – e que medidas paliativas para aumento de produção não resolverão o problema decorrente do modelo vigente.

É certo que as inovações da EC 45 estão longe de ter atingido todos os efeitos contidos em seu potencial transformador. Mas pode-se sustentar que se iniciou um processo cujo desenrolar definirá com maior clareza o perfil das Cortes superiores e levará à valorização das decisões de primeiro e segundo graus. Mais importante: contribuirão para combater a morosidade e melhorar a imagem da Justiça.

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