Interesse do presidente – Reeleição ilimitada é ofensa ao princípio da impessoalidade

por Jeferson Moreira de Carvalho

Para um povo a Constituição deve ser apresentada como a Lei Superior que dá sustentação a todo o sistema normativo, que estabeleça quais são os poderes do Estado, e como será exercido, e de forma especial os direitos fundamentais deste povo e de toda a população.

A legitimidade da Constituição está em que a mesma é escrita e reformada pelos representantes do povo, em poder constituinte originário e poder constituinte reformador. Representantes estes, escolhidos através do sistema de eleições diretas, com voto secreto.

No que diz respeito ao poder de reforma da Constituição por meio das famosas emendas constitucionais, os titulares do exercício, deputados federais e senadores, não recebem do povo uma carta branca para alterarem a Constituição de acordo com interesses momentâneos e pessoais ou de determinados grupos.

A parcela de soberania que cada cidadão transfere aos representantes não está solta no sistema de Justiça e de ordem, mas sim fortemente vinculada ao sistema criado pela própria Constituição, como produto do poder constituinte originário, que em Assembléia Constituinte moldou o Estado Brasileiro, promulgado em 5 de outubro de 1988.

Dispõe o artigo 37 da Constituição Federal que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes, de todos os entes federativos deve obedecer alguns princípios, entre os quais o da impessoalidade, que é aquele que impõe que todo o ato, toda a conduta da administração deve ter por fim o interesse comum, e não o de uma determinada pessoa, ou de determinado grupo.

O Estado e o Poder Público devem ter como meta atingir o bem comum, que é o elemento subjetivo do Estado, por isso, não se admitem atos que busquem atingir interesses de determinada pessoa ou grupo, pois o bem comum é para todos.

Em uma dimensão do que é justo, o poder de reforma da Constituição, exercido pelos deputados federais e senadores, também está afeto ao princípio da impessoalidade. Por isso as emendas constitucionais devem ser voltadas à alteração da Constituição, como um modo de atualizar o Estado, mas não beneficiar este ou aquele.

Emenda Constitucional que não atente ao princípio da impessoalidade é inconstitucional, e não for, o será por atentar contra a moralidade administrativa, na mesma dimensão do que é justo.

Instalada a Republica Federativa do Brasil pela Constituição de 1988, o seu artigo 14, parágrafo 5º dispunha: “São inelegíveis para os mesmos cargos, no período subseqüente, o presidente da República, os governadores de Estado e do Distrito Federal, os prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito”. Ou seja, não se permitia à reeleição para período subseqüente, como um modo de impedir o continuísmo, a perpetuação no poder, e o uso da máquina administrativa.

A redação constitucional dava prevalência ao Estado Republicano.

Evidente que a redação poderia ter sido, como foi, alterada, por meio de Emenda Constitucional, para possibilitar a reeleição. Mas, da maneira como ocorreu, afrontou o princípio da impessoalidade.

Por meio da Emenda Constitucional 16, de 4 de junho de 1997, o Congresso Nacional, exercendo a função constituinte possibilitou a reeleição para o período imediato para possibilitar que o então presidente da República pudesse se candidatar. Isto é, a emenda tinha destinatário certo, era para atender o interesse de uma pessoa.

Naquele momento histórico a Imprensa Nacional cuidou de noticiar comentários de compra de votos para aprovação da emenda, entretanto não restou provado que a conduta tivesse acontecido.

A Emenda 16 não veio para atender interesse nacional, mas sim de quem ocupava cargo de presidente da República e queria se manter no poder.

Passado o tempo a história se repete.

Parcela do grupo, ou mesmo a totalidade, que vem exercendo o Poder, não satisfeito com dois legítimos mandatos consecutivos, quer reformar a Constituição para possibilitar reeleição ilimitada.

O que se pretende é mudar a regra o jogo político antes do seu término. O atual presidente da República foi eleito para um mandato de quatro anos com possibilidade de uma reeleição imediata, e esta é a regra constitucional que deve ser obedecida até o final do seu segundo mandato.

Como afirmado, os legisladores constituintes de revisão não receberam do povo uma carta aberta para reformarem a Constituição, atendendo seus próprios interesses. Receberam, acima de tudo, o dever de cumprir e fazer cumprir a Constituição, que deve ser a norma de segurança jurídica de toda a população.

A Constituição deve ser vista e interpretada como uma Lei Sagrada, que deve ser obedecida por todos, e principalmente pelos detentores de quaisquer dos Poderes, admitindo-se sua reforma em caráter excepcional, e para atender a nação e não interesse de grupos partidários, geralmente aqueles que não aceitam a temporariedade no exercício do governo, como característica da República.

Se mais uma vez o Congresso Nacional reformar a Constituição para atender destinatário certo, mais uma vez, a Constituição Federal será posta de lado, como um simples papel sem valor, e não como um documento fundamental do qual todos nós devemos nos orgulhar.

Possibilitar reeleição ilimitada a este altura do jogo político se trata de ofensa clara ao princípio constitucional da impessoalidade, o que é inaceitável.

Por isso, é bom afirmar, “Deixem a Constituição em Paz”, como ensinou o advogado e agitador Ferdinand Lassalle, em 1863, quando discursava para operários na antiga Prússia.

Revista Consultor Jurídico

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