O interesse coletivo pode justificar o julgamento do mérito de um recurso especial mesmo após pedido de desistência apresentado pela parte, já que é papel do Superior Tribunal de Justiça (STJ) uniformizar a legislação infraconstitucional e fixar teses que servirão de referência para as instâncias ordinárias em todo o país.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do STJ rejeitou o pedido de desistência formulado pela Amil e prosseguiu no julgamento de mérito de um recurso que questionava a obrigação do plano de saúde de custear tratamento de câncer com medicamento off label, conforme determinado pelo acórdão recorrido.
A pauta foi publicada no dia 20 de agosto. O pedido de desistência foi entregue na secretaria às 18h46 de 24 de agosto, uma sexta-feira, e concluso ao gabinete em 27 de agosto, apenas um dia antes do julgamento.
Contexto
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, lembrou que, de acordo com o artigo 998 do Código de Processo Civil de 2015, a parte tem o direito, a qualquer tempo, de desistir do recurso. Disse, porém, que tal comando legislativo não pode ser interpretado de forma isolada, “atendo-se apenas à sua literalidade e ignorando o contexto em que está inserido”.
A ministra destacou que o STJ foi criado na Constituição de 1988 para fixar teses de direito que servirão de referência para as instâncias ordinárias de todo o país.
“A partir daí, infere-se que o julgamento dos recursos submetidos ao STJ ultrapassa o interesse individual das partes envolvidas, alcançando toda a coletividade para a qual suas decisões irradiam efeitos”, afirmou.
Segundo a magistrada, o novo CPC já não impede a análise do mérito no caso de recursos repetitivos, mesmo após desistência, e tal premissa deve ser válida de forma indistinta para o julgamento de todos os recursos especiais, “cujo resultado sempre abrigará intrinsecamente um interesse coletivo, ainda que aqueles sujeitos ao procedimento dos repetitivos possam tê-lo em maior proporção”.
Manipulação
Chancelar a desistência sem levar em conta todos os contornos concretos em que é formulada, segundo a ministra, seria uma forma de permitir a manipulação da jurisprudência do STJ.
“Estar-se-ia chancelando uma prática extremamente perigosa e perniciosa, conferindo à parte o poder de determinar ou influenciar, arbitrariamente, a atividade jurisdicional que cumpre o dever constitucional do STJ, podendo ser caracterizado como verdadeiro atentado à dignidade da Justiça”, declarou a ministra.
O risco de manipulação, de acordo com a relatora, é maior nos casos de grandes litigantes, réus em centenas de processos. Para Nancy Andrighi, é direito desistir do processo, mas, verificada a existência de interesse público, o relator pode, mediante decisão fundamentada, promover o julgamento do recurso para possibilitar a apreciação da questão de direito.
No caso sob análise da Terceira Turma, a relatora destacou o incontestável interesse coletivo que envolve a controvérsia, tendo em vista o número de pessoas beneficiárias de planos de saúde e a quantidade de processos em que se questiona o não fornecimento de medicação específica.
Fonte: STJ