Internet ameaça congestionar ainda mais o Judiciário ao proporcionar mais facilidade de acesso à Justiça, afirma ministro Gilmar Mendes
Em 2008, cerca de 70 milhões de processos tramitaram pelos tribunais do país. Os números, ainda preliminares, do Conselho Nacional de Justiça, indicam que, em 2009, a Justiça brasileira trabalhou com 80 milhões de processos. Significa que um a cada três cidadãos, ou toda família brasileira, tem pelo menos um processo na Justiça. A conclusão é do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que participou nesta quinta-feira (13/5) do Seminário Marco Civil da Internet no Brasil, realizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. O encontro foi realizado para discutir o anteprojeto de lei que está sendo elaborado no âmbito do Ministério da Justiça, com a participação da sociedade por meio de mensagens enviadas pela internet.
Gilmar Mendes disse que a maior preocupação dos magistrados, considerando a excessiva judicialização que ocorre no país, é com relação aos problemas que estão surgindo a partir do uso da internet. “Nós temos dificuldades de lidar com as múltiplas dimensões da internet. Os instrumentos jurídicos tradicionais perdem muitas vezes o seu sentido diante da qualidade da internet. Pensar em busca e apreensão, mecanismos de competência territorial, tudo isso se dissolve no ambiente da rede”, disse o ministro. Para ele, quando se fala em marco regulatório da internet, é preciso “ter a noção exata do que estamos falando, (saber) quem é competente e que medida o juiz pode tomar. Há muitas preocupações, como aplicar as regras de liberdade de expressão, como tratar de abusos e crimes pela rede internacional”, afirmou.
De acordo com Gilmar Mendes, o problema que mais aflige os magistrados é a judicialização a partir desses problemas. “Sou preocupado com esse tema, saber se a Justiça é o único meio para resolver conflitos”, lembrou o ministro. Depois de dois anos à frente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Mendes diz que aumentou a sua preocupação com a judicialização excessiva. “Temos o grande mérito de produzir um Judiciário independente que marca o ideário republicano, com autonomia administrativa e financeira dos tribunais e juízes. Por outro lado, temos o déficit de não termos desenvolvido meios alternativos de solução de conflito”, disse.
O ministro do STF entende que se todos os problemas que surgirem com o uso da internet forem parar na Justiça, sem que haja alternativa para solução dos conflitos, “estará sendo multiplicada a sobrecarga do Judiciário e talvez a sua ineficiência”. Dizendo que “seria o fracasso do sucesso”, Mendes citou como exemplo o que ocorreu com os juizados especiais federais, que começaram em 2001 com número pequeno de processos, mas, com a facilidade de acesso, houve uma avalanche. Hoje, há mais processos nos juizados especiais federais (2 milhões) do que na Justiça Federal como um todo. “Não podemos cometer os erros do passado e depois ficar com sentimento de frustração por não poder responder a essas demandas”, alertou. Para Gilmar Mendes, “é preciso discutir a judicialização, não negar acesso, mas encontrar meios alternativos para que as pessoas só procurem os tribunais se necessário”.
Liberdade com responsabilidade
O ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, disse que a segurança jurídica é necessária, o que leva a discussão sobre o marco regulatório da internet no Brasil para além dos aspectos criminais, mas observando também os aspectos da responsabilidade civil. “Essas discussões não podem passar pelo tolhimento da liberdade. Nenhuma discussão legislativa pode implicar em censura ao livre acesso e à internacionalização das idéias e conteúdos. A melhor maneira é com ampla discussão social, para saber o que a sociedade espera”, ressaltou.
É a primeira vez que Ministério da Justiça coloca em discussão pública um anteprojeto de lei. A idéia é colher contribuições para cada um dos artigos que compõem o texto e acrescentar novas sugestões e comentários ao projeto de lei. Entre outubro e dezembro 2009, o Ministério promoveu uma discussão inicial, a partir das premissas do anteprojeto, e recebeu cerca de 800 contribuições em 600 páginas de texto. Em abril de 2010, o MJ colocou a minuta do anteprojeto em seu site e contabilizou mais de 35 mil visitas, com 750 comentários.
De acordo com o ministro Luiz Paulo Barreto, a discussão girou em torno dos direitos básicos e obrigações de quem usa a internet, além do papel do estado no desenvolvimento da internet como fator de inclusão social e cultural. “É um bem público que deve estar acessível a toda a população”, afirmou. O ministro da Justiça ressaltou que para isso é preciso enfrentar os temas polêmicos, como a privacidade dos indivíduos, as investigações judiciais, mecanismos para solucionar conflitos e a fronteira entre liberdade de expressão e anonimato. “É importante discutir tudo isso antes de enviar o projeto de lei ao Congresso”, afirmou.