O Decreto- Lei 3.688/41, que proíbe jogos de azar, ainda é válido. Por isso, não existe lacuna legal que permitiria o funcionamento de cassinos. O entendimento foi do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, ao negar Mandado de Injunção que pedia ao Congresso a edição de uma lei sobre o funcionamento de cassinos.
Para o ministro, um Mandado de Injunção caberia apenas se houvesse flagrante falta de norma reguladora que proibisse o jogo.
O pedido foi feito pelo empresário Sérgio Antonio Camargo. Como o Mandado de Injunção tem o objetivo de assegurar o exercício de qualquer direito constitucional não regulamentado, ele queria a permissão para explorar o setor de cassino. Isso se não fosse editada uma lei no prazo estipulado pelo Supremo.
Para Lewandowski, no entanto, os argumentos do empresário são impertinentes porque a lei está em vigor. O artigo 50 do decreto incrimina a exploração do jogo de azar. Segundo o ministro, o cassino se encaixa na descrição contida no parágrafo 3 da lei. O jogo de azar é “o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte”.
“A matéria, portanto, já se encontra disciplinada legalmente. Em conseqüência, se a prática de jogo de azar é enquadrada na legislação penal, não há que se falar em lacuna normativa, e, muito menos, em direito de explorar cassinos”, argumenta Lewandowski.
O ministro citou na decisão o voto de Celso de Mello, que não aceitou o Mandado de Injunção 81 porque não existia laguna legal para aumento de salário de servidores públicos.
MANDADO DE INJUNÇÃO 771-3 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
IMPETRANTE(S) : SÉRGIO ANTÔNIO CAMARGO
ADVOGADO(A/S) :RAPHAEL DOS SANTOS BIGATON E OUTRO(A/S)
IMPETRADO(A/S) : SENADO FEDERAL
IMPETRADO(A/S) : CÂMARA DOS DEPUTADOS
Trata-se de mandado de injunção, proposto por Sérgio Antônio Camargo em face do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, no qual pretende seja suprida a ausência de regulamentação infraconstitucional acerca do direito de exercer o trabalho de exploração de cassinos.
Argumenta o impetrante que a norma penal que tipifica os jogos de azar – Decreto-lei 3.688/41 — ou está em desuso ou constitui “costume negativo”, razão pela qual não constitui óbice ao objeto da presente ação.
Alega, ainda, que a ausência de previsão legal no que concerne à autorização para o funcionamento de cassinos impõe restrições a direitos previstos nos arts. 3º e 5º da Constituição Federal.
Sustenta, por fim, que a indigitada lacuna vulnera o princípio da igualdade no tocante ao exercício de atividade econômica.
Em face disso, requer seja o remédio constitucional admitido e processado, notificando-se os impetrados de seu conteúdo para que prestem informações.
Solicita, ainda, seja o pedido julgado procedente a fim de que se assinale prazo ao Congresso Nacional para a expedição da norma regulamentadora e, transcorrido este in albis, seja assegurado ao impetrante o exercício do direito pleiteado.
É o relatório. Passo a decidir.
Bem examinada a questão, verifico que inexiste a alegada lacuna normativa.
Com efeito, o Decreto-Lei 3.688, de 3/10/1941, em seu art. 50, tipifica a atividade em comento como contravenção penal, nos seguintes termos:
“Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele:
Pena – prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos moveis e objetos de decoração do local.”
E, ao explicitar o que são jogos de azar, no § 3º do referido artigo, enquadra penalmente os jogos de azar, que é precisamente a atividade desenvolvida em cassinos:
“§ 3º Consideram-se, jogos de azar:
a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte;
b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas;
c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.”
A matéria, portanto, já se encontra disciplinada legalmente. Em conseqüência, se a prática de jogo de azar é enquadrada na legislação penal, não há que se falar em lacuna normativa, e, muito menos, em direito de explorar cassinos.
Com efeito, segundo José Afonso da Silva o mandado de injunção:
“Constitui um remédio ou ação constitucional posto à disposição de quem se considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou prerrogativas inviáveis por falta de norma regulamentadora exigida ou suposta pela constituição”. [1]
Como se vê, inexistem direitos, liberdades ou prerrogativas constitucionais em jogo no caso sob análise. Ao revés, a atividade que se pretende exercer encontra-se penalmente tipificada.
A matéria não só está disciplinada em lei, ou melhor, está vedada pela legislação especial, como também se encontra fartamente estudada pela doutrina penal.
Nesse sentido, trago à colação as reflexões de Guilherme de Souza Nucci, sobre os jogos de azar:
“É infração comum (pode ser praticada por qualquer pessoa); mera conduta (não exige a ocorrência de efetivo prejuízo para a sociedade ou para qualquer pessoa); de forma livre (pode ser cometida por qualquer meio eleito pelo agente); comissiva (os verbos indicam ações); instantânea (a consumação se dá em momento determinado), na forma estabelecer, mas permanente (a construção se arrasta no tempo) no formato explorar; unisubjetiva (pode ser cometida por uma só pessoa); plurissubsistente (cometida por mais de um ato); não admite tentativa, em face do disposto no art. 4º desta Lei”. [2]
A rigor, objetiva o impetrante a substituição das normas proibitivas vigentes, que considera em “desuso” ou derrogadas pelo que chama de “costume negativo”, por outras que permitem a exploração de jogos de azar. Tais argumentos, por óbvio, mostram-se totalmente impertinentes.
Diante disso, entendo que há obstáculo formal intransponível que impede a própria cognoscibilidade do presente mandado de injunção.
Invoco, nessa linha, decisão desta Corte no MI 81-Agr/DF, Rel. Min. Celso de Mello:
“MANDADO DE INJUNÇÃO – SITUAÇÃO DE LACUNA TECNICA – PRESSUPOSTO ESSENCIAL DE SUA ADMISSIBILIDADE – PRETENDIDA MAJORAÇÃO DE VENCIMENTOS DEVIDOS A SERVIDORES PUBLICOS – ALTERAÇÃO DE LEI JA EXISTENTE – INVIABILIDADE – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. A ESTRUTURA CONSTITUCIONAL DO MANDADO DE INJUNÇÃO IMPÕE, COMO UM DOS PRESSUPOSTOS ESSENCIAIS DE SUA ADMISSIBILIDADE, A AUSÊNCIA DE NORMA REGULAMENTADORA. ESSA SITUAÇÃO DE LACUNA TECNICA – QUE SE TRADUZ NA EXISTÊNCIA DE UM NEXO CAUSAL ENTRE O VACUUM JURIS E A IMPOSSIBILIDADE DO EXERCÍCIO DOS DIREITOS E LIBERDADES CONSTITUCIONAIS E DAS PRERROGATIVAS INERENTES A NACIONALIDADE, A SOBERANIA E A CIDADANIA – CONSTITUI REQUISITO NECESSARIO QUE CONDICIONA A PROPRIA IMPETRABILIDADE DESSE NOVO REMEDIO INSTITUIDO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. O MANDADO DE INJUNÇÃO NÃO CONSTITUI, DADA A SUA PRECIPUA FUNÇÃO JURÍDICO-PROCESSUAL, SUCEDANEO DE AÇÃO JUDICIAL QUE OBJETIVE, MEDIANTE ALTERAÇÃO DE LEI JA EXISTENTE, A MAJORAÇÃO DE VENCIMENTOS DEVIDOS A SERVIDORES PUBLICOS. REFOGE AO ÂMBITO DE SUA FINALIDADE CORRIGIR EVENTUAL INCONSTITUCIONALIDADE QUE INFIRME A VALIDADE DE ATO ESTATAL EM VIGOR.”
Isso posto, nego seguimento ao presente mandado de injunção, prejudicado o pedido de liminar, de resto incabível neste tipo de ação (MI 652-MC/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, MI 636-MC/Pr, Rel. Min. Maurício Correa).
Arquivem-se os autos.
Publique-se.
Brasília, 27 de fevereiro de 2008.
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI
Relator
[1] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed. Malheiros Editores; São Paulo, 2006. p. 448.
[2] NUCCI, Guilherme de Sousa. Leis penais e processuais comentadas. ed. Revista dos Tribunais; São Paulo, 2006. p. 173.
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