Juiz de MG considera inconstitucional tabelamento da indenização por danos morais e materiais da reforma trabalhista

Em recente decisão, o juiz Vicente de Paula Maciel Júnior, titular da 2ª Vara do Trabalho de Nova Lima, reconheceu, via controle difuso, a inconstitucionalidade do artigo 223-G, parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da CLT, acrescido pela Lei nº 13.467/2017, mais conhecida como reforma trabalhista. A norma reformista estabelece o tabelamento do dano extrapatrimonial com base no salário do trabalhador, o que, para o magistrado, contraria os princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e razoabilidade, além da reparação integral de cada caso concreto, como exigem os artigos 1º, III e IV, e artigo 5º, V, da Constituição Federal.
No caso analisado pelo juiz, viúva, filha e neta de ex-empregado de uma mineradora, o qual faleceu em decorrência da doença silicose, pediram indenização por danos morais. Como a morte do trabalhador ocorreu em 14/02/2018, já estavam vigentes as alterações da reforma, incluindo o dispositivo sobre o tabelamento da indenização por dano moral.
Mas, na sentença, o magistrado ressaltou que a condenação em reparação pelos danos morais tem amparo no artigo 1º da Constituição da Federal e nos princípios constitucionais da valoração do trabalho e da dignidade humana.
O magistrado considerou o estabelecimento de tarifa para a reparação de danos claramente inconstitucional, por afrontar os artigos 1º, III; 3º, IV; 5º, caput e incisos V e X e caput do artigo 7º da CR/88. Como registrou na decisão, essa tarifação ofende o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), ao admitir que a esfera personalíssima do ser humano trabalhador possa ser violada sem a reparação ampla e integral. Ainda segundo o juiz, os limites e valores estabelecidos na regra reformista são módicos e insuficientes, em claro desrespeito ao artigo 5º, V e X da Constituição, representando tratamento discriminatório ao trabalhador.
“O art. 223-G, da CLT, prevê tratamento discriminatório e de menor proteção ao trabalhador em relação aos demais membros da sociedade quanto às reparações por danos extrapatrimoniais, já que em relação a estes se aplicam as regras do CCB, que são mais amplas, sem estabelecimento de tarifas para a reparação e se encontram em consonância com a CF/88 e seus princípios da proteção integral”, enfatizou.
Para o julgador, restringir o valor da reparação pela dor do trabalhador constitui inegável discriminação e violação aos artigos 3º, IV e 5º, caput, da Constituição da República. “O fato de a pessoa humana estar envolvida em relação laboral não torna sua dor menor do que a dos demais membros da sociedade”.
A título de ilustração, o magistrado trouxe a seguinte hipótese: duas pessoas vítimas do rompimento da barragem da Vale, em que uma delas fosse empregada da empresa e outra um morador da cidade de Brumadinho. Ele explicou que, pela lógica discriminatória imposta pela reforma trabalhista, a família do trabalhador teria um limite de pedido de indenização por dano moral fixada pelo salário, enquanto a família do morador do município teria outros valores muito superiores.
O quadro é repudiado pelo julgador, considerando que a indenização por dano moral se dá por violação à pessoa em relação a si própria, em razão de sua condição humana, atingida por atos ou fatos de terceiros que modifiquem seu estado psicológico e causem abalo. “O dano moral decorre da ofensa à dignidade da pessoa humana enquanto ser humano. Não é enquanto ser humano trabalhador, ser humano dona de casa, empresário, desocupado, lavrador, médico, etc..”, registrou.
Nas palavras do juiz, a discriminação ao texto constitucional chega ser “ofensiva”, na medida em que a Constituição assegura sem ressalvas a proteção à dignidade da pessoa humana, com indenização por dano material e moral. Para ele, o que o texto da reforma trabalhista faz é alterar, reduzir e discriminar o trabalhador, dizendo que existe uma dignidade da pessoa humana que vale mais do que a dignidade da pessoa humana “trabalhador”. A decisão chamou a atenção para o fato de que a própria Constituição reconhece o trabalho como fator de valorização do ser humano.
Nesse contexto, foi rechaçada a possibilidade de haver uma lei infraconstitucional que minimize ou esvazie e discrimine aquilo que o próprio texto constitucional reconheceu como essencial para construir os valores da República Federativa do Brasil e constitui direito fundamental.
Por tudo isso, o magistrado considerou que a fixação do valor da indenização deve observar as condições concretas, a fim de proporcionar uma compensação satisfatória para o sofrimento. Ele se referiu ainda aos princípios da proporcionalidade/razoabilidade, para não gerar enriquecimento ilícito à vítima, nem compensação irrisória, de modo a não permitir que o ofensor venha a reincidir na prática ilícita.
Com esses fundamentos, reconheceu a inconstitucionalidade da regra da reforma que prevê o tabelamento da indenização por dano moral, decidindo por fixar a reparação pretendida pelas herdeiras do trabalhador sem as limitações ali impostas.
Valor da reparação – A certidão de óbito comprovou que o trabalhador da mina faleceu em 14/02/2018, em virtude de “insuficiência respiratória; pneumonia; fibrose pulmonar por silicose; aspiração crônica de poeira com sílica; insuficiência coronariana crônica; hipertensão arterial sistêmica”. Ficou demonstrado que o empregado prestou serviços à empresa por 17 anos ininterruptos, na função de trabalhador braçal, de 1959 a 1976. Segundo a decisão, nessa época, não havia norma ou forma de proteção aos trabalhadores que prestavam serviços no subsolo.
Para o julgador, ficou evidente que a doença decorreu do trabalho na mineradora. Conforme destacou, se a doença não foi a causa da morte, foi uma concausa importante (quando contribui para o resultado), limitando a convivência com a família e gerando dor e sofrimento às autoras, situação que foi agravada pela morte do trabalhador.
Levando em consideração diversos critérios, o juiz condenou a mineradora a pagar indenização de R$ 90 mil, sendo R$40 mil à viúva, R$25 mil para a filha e R$25 mil para a neta. O magistrado explicou que a perda do ente querido configura dano moral em ricochete (dano indireto ou reflexo), dispensando a comprovação do sofrimento, por ser presumível. A empresa apresentou recurso da decisão.
Processo: (PJe) 0010043-16.2019.5.03.0165
Data de Assinatura: 07/03/2019
Fonte: TJ/MG


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