Juiz determina transferência de presas no Rio

Se o Poder Executivo não respeita princípios constitucionais ao tratar os presos que estão sob custódia do Estado, cabe ao Judiciário tomar providências para resolver problemas nos presídios. Depois de vistoriar duas carceragens e classificar a situação das detentas de “infernal”, o juiz Marcos Augusto Ramos Peixoto, da 2ª Vara Criminal de Nova Iguaçu (RJ), determinou, nesta segunda-feira (8/2), o remanejamento de presas para outras unidades do sistema penitenciário.

Peixoto vistoriou as carceragens Polinter e Base Polinter – Mesquita. “Nesta última, a situação encontrada poderia dispor de diversos adjetivos, começando por inaceitável, passando por inconstitucional e ilegal, atingindo o desumano, porém, para usar um único poderíamos designar a situação lá encontrada como infernal.”

O juiz disse, na decisão, que a capacidade máxima é de 70 detentas. No entanto, contou 168, que estavam “num calor de cerca de 50ºC, sem área para banho de sol ao ar livre ou circulação adequada de ar sujeitando-as às mais variadas doenças, no máximo grau de insalubridade”.

Com base na Constituição, na Lei de Execuções Penais, na Declaração dos Direitos Humanos, no Pacto de San José da Costa Rica e na Resolução 47/07, do Conselho Nacional de Justiça, o juiz determinou o remanejamento para outras unidades “de tantas detentas quantas forem necessárias até se atingir o limite de 100 presas na Base Polinter Mesquita – 53ª Delegacia de Polícia, respeitando-se doravante naquela unidade tal limite de encarceradas”.

Marcos Peixoto afirmou que a situação na carceragem só encontra paralelo na época em que pessoas eram transportadas em navios negreiros. “Seria mero eufemismo comparar o tratamento dispensado às presas ali amontoadas ao conferido à animais, já que sequer animais são assim tratados”, disse o juiz.

Ele determinou também que cópias da decisão fossem remetidas ao presidente e ao corregedor do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, do CNJ, à 3ª Vara Cível de Nova Iguaçu, onde tramita uma ação civil pública sobre o assunto, ao Ministério Público, à Defensoria, ao titular da Vara de Execuções Penais, além do secretário de administração penitenciária do estado e outras autoridades.

Leia a decisão:

2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE NOVA IGUAÇU

DECISÃO

1.) Autue-se como Procedimento Avulso;

2.) Na presente data, atendendo a determinação do egrégio Conselho Nacional de Justiça com a escala de inspeção em unidades carcerárias fruto da Resolução 47/2007, realizei vistorias na carceragem Polinter junto a 52ª DP, e na carceragem feminina Base Polinter – Mesquita, junto a 53ª DP.

Nesta última, a situação encontrada poderia dispor de diversos adjetivos, começando por inaceitável, passando por inconstitucional e ilegal, atingindo o desumano, porém, para usar um único poderíamos designar a situação lá encontrada como infernal.

Em uma capacidade projetada para no máximo 70 detentas, amontoavam-se 168, num calor de cerca de 50ºC, sem área para banho de sol ao ar livre ou circulação adequada de ar sujeitando-as às mais variadas doenças, no máximo grau de insalubridade, configurando situação absurda de descaso para com o ser humano, somente encontrando paridade na estória de nosso país nos navios negreiros, onde seres humanos eram tratados como dejetos – e a tal se assemelha, atualmente, a carceragem da Base Polinter – Mesquita / 53ª DP.

Considerando que seria mero eufemismo comparar o tratamento dispensado às presas ali amontoadas ao conferido à animais, já que sequer animais são assim tratados.

Considerando que a Constituição Federal estatui que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

Considerando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (adotada e proclamada pela Resolução n. 217 A (III) da Assembléia Geral da Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, e assinada pelo Brasil na mesma data), em seu artigo V, firma que “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”, estatuindo ademais em seu artigo VII que “todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração…”.

Considerando que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (adotado pela Resolução n. 2.200 A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992) estatui em seu artigo 10 – 1 que “toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana”, e em seu artigo 10 – 2 – a que “as pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstâncias excepcionais, das pessoas condenadas e receber tratamento distinto, condizente com sua condição de pessoas não condenadas”.

Considerando que a Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José de Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992) prevê, em seu artigo 5o, inciso 2, que “ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”, bem como no inciso 4 do mesmo artigo que “os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e devem ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas”.

Considerando que o artigo 40 da Lei 7210/84 – Lei de Execuções Penais – firma que “impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”, enquanto o artigo 84 estatui que “o preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado”, e o artigo 85 prevê que “o estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade”, devendo a autoridade judicial “inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade” (inciso VII do artigo 66 da mesma Lei).

Considerando que todos aqueles ditames constitucionais/legais estão sendo frontalmente desrespeitados in casu pelo Poder Executivo Estadual.

Considerando que a já citada Lei 7210/84 estatui em seu artigo 66, inciso VIII ser da competência do juiz da execução – e os presos cautelares são submetidos à competência do juiz da Vara Criminal da respectiva comarca, não à VEP – “interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei”.

Considerando que o CODJERJ estatui que compete aos juízes de direito das Varas Criminais das comarcas “proceder mensalmente à inspeção das cadeias públicas adotando, quando for o caso, as providências indicadas nos itens VII e VIII do art. 66 da Lei de Execução Penal. Nas Comarcas de mais de um juízo criminal a atribuição será exercida em rodízio, mediante escala organizada pelo Corregedor-Geral da Justiça, a vigorar indefinidamente, salvo as necessárias alterações”.

Considerando que o artigo 2º da Resolução 47/2007 do colendo CNJ estatui que “das inspeções mensais deverá o juiz elaborar relatório sobre as condições do estabelecimento, a ser enviado à Corregedoria de Justiça do respectivo Tribunal até o dia 05 do mês seguinte, sem prejuízo das imediatas providências para seu adequado funcionamento” (grifo nosso).

Considerando que a situação calamitosa daquele estabelecimento carcerário levou o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro a propor Ação Civil Pública que tramita perante a 3ª Vara Cível desta Comarca sob o número 2009.038.016938-8, sem que tenha sido apreciado o pedido de antecipação de tutela até esta data.

Considerando os termos do Relatório de Inspeção que instrui a presente, bem como o relatório nominal de presas também junto ao presente procedimento comprovando a existência, no momento da vistoria, de 168 detentas no estabelecimento carcerário.

Considerando que diante de tais fundamentos seria absurdo se cogitar que o Poder Judiciário não disponha de competência/atribuição para tratar acerca de problemas atinentes a questão penitenciária/carcerária ou, especificamente, ao deslocamento e alocação de presos, até porque mesmo “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (inciso XXXV do artigo 5o da Constituição Federal).

Considerando que este magistrado, ao tomar posse no cargo de Juiz de Direito do Estado do Rio de Janeiro aos 12 de junho de 1997, jurou cumprir as Leis e a Constituição deste país, não podendo vedar os olhos senão como julgador mas principalmente como cidadão e ser humano à ignomínia já descrita nesta decisão, DECIDO determinar o remanejamento para outras unidades do sistema penitenciário deste Estado de tantas detentas quantas forem necessárias até se atingir o limite de 100 presas na Base Polinter Mesquita – 53ª Delegacia de Polícia, respeitando-se doravante naquela unidade tal limite de encarceradas, concedendo um prazo de 05 (cinco) dias para atendimento à presente determinação, remetendo-se ofício à SEAP e POLINTER comunicando a presente ordem com a máxima urgência, enviando-se via fax.

P.R. Remeta-se igualmente cópia da presente, se possível via fax, às egrégias Presidência e Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, às egrégias Presidência e Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, à 3ª Vara Cível desta Comarca considerando o processo 2009.038.016938-8, à 4ª Promotoria de Tutela Coletiva de Nova Iguaçu, ao Núcleo de Defesa de Direitos Humanos da Defensoria Pública, ao Exmo. Magistrado Titular da VEP, ao Exmo. Sr. Secretário de Segurança Pública, ao Exmo. Sr. Secretário de Administração Penitenciária, ao Ilmo. Dr. Chefe da Polícia Civil, ao Ilmo. Dr. Delegado Diretor da Polinter, à Ilma. Autoridade Policial responsável pela Base Polinter – Mesquita, ao Ilmo. Sr. Presidente da Seccional da OAB/Nova Iguaçu. Cumpra-se.

Nova Iguaçu, 8 de fevereiro de 2010.

Marcos Augusto Ramos Peixoto

Juiz de Direito

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