O princípio que obriga as partes a respeitarem os contratos vale também na Justiça do Trabalho. Por isso, o juiz deve sempre acatar o percentual de honorários ajustado livremente entre cliente e advogado, na hora de homologar um acordo na fase de execução. Agir em sentido contrário seria invadir competência da Justiça Comum, a única que pode julgar causa de honorários, que têm natureza cível.
Este foi o entendimento da desembargadora Tânia Maria Reckziegel, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, ao revogar decisão de primeira instância que, ao homologar acordo trabalhista, mandou uma advogada devolver R$ 23 mil a seu cliente — com multa de 50% caso o valor não fosse repassado em 24 horas. O valor corresponde a 15% sobre o montante do acordo feito entre as partes envolvidas na reclamatória, apesar de cláusula contratual que garantia o dobre deste percentual.
A decisão da desembargadora foi motivada por um Mandado de Segurança, movido pela Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul, contra a decisão que reduziu os honorários. A concessão da liminar reconheceu, na prática, não só uma interferência indevida no contrato de prestação de serviços jurídicos como evitou uma ”execução forçada dentro dos autos” — como queixou-se a advogada na petição inicial.
Tânia Reckziegel explicou que o reclamante e sua advogada ajustaram contrato de prestação de serviços advocatícios nos seguintes termos: o primeiro pagaria honorários de 15% quando houvesse a condenação do empregador, no final do processo; e, na hipótese de acordo, na fase de execução, deveriam ser pagos mais 15% a mesmo título.
Segundo o processo, o trabalhador também aceitou os descontos de honorários das parcelas acordadas no processo com a empresa reclamada. O acordo com a empresa resultou no pagamento de R$ 154 mil ao trabalhador, sendo que a advogada recebeu R$ 46,2 mil (30% sobre o total).
Contrato ignorado
Ouvido pela ConJur, o juiz Felipe Lopes Soares, titular da 3ª Vara do Trabalho de Rio Grande, afirmou que não teve a intenção ”precificar” os serviços advocatícios, pois não possuía conhecimento do contrato de honorários — de modo que não houve “condenação” para que valores fossem devolvidos, mas somente um acordo homologado em juízo.
”Eu sequer tinha conhecimento da controvérsia até o ajuizamento do Mandado de Segurança na semana seguinte à audiência. Afinal, em audiência, o trabalhador disse, em depoimento, que ajustou 15%, e a advogada entabulou acordo com ele partindo desta premissa, de modo que não haveria motivo para que eu cogitasse percentual diferente”, explicou.
Para o juiz, ainda que a decisão tomada de homologar o acordo estivesse equivocada, a advogada omitiu-se quando deixou de fazer uso da palavra para protestar, qualquer que fosse o objeto. ”Se tivesse razão na sua inconformidade, não poderia ter se omitido quando dispôs da palavra em momento próprio”, criticou.
Mal-entendido
A controvérsia aconteceu no dia 9 de outubro de 2014, na sala de audiências da 3ª Vara do Trabalho de Rio Grande. Segundo a ata de audiência, a advogada interrompia constantemente o depoimento do trabalhador, quando este relatava ao juiz sobre o recebimento de valores e o ajuste de honorários.
“A procuradora presente, inúmeras vezes durante o depoimento, interrompeu-o, seja respondendo as questões direcionadas ao reclamante, seja apresentando explicações. Foi, em todas as vezes, advertida de que seu procedimento estava atrapalhando o regular andamento da solenidade. Ainda assim, uma última vez interrompeu o depoimento”, registrou o secretário de audiências Marcelo Teixeira, que lavrou a ata.
Em função do mal-estar que se criou, o trabalhador destituiu sua advogada. O acordo, então, foi homologado nestes termos: “A executada [ex-empregadora] pagará diretamente ao exequente [ex-empregado] as seis parcelas pendentes de R$ 17.966,66 nos dias 23/10, 23/11, 23/12/2014, 23/01, 23/02 e 23/03/2015, mediante depósito na conta-poupança (…). Além disso, a procuradora Kênia do Amaral Moraes pagará ao exequente até o dia 10/10/2014 a quantia de R$ 23.874,44, mediante depósito na mesma conta, com cláusula penal de 50%”.
Ao fim da audiência, o juiz Felipe Lopes Soares deu a palavra aos presentes, que não se manifestaram. E, diante do relato do trabalhador, determinou a expedição de ofícios à OAB-RS e ao Ministério Público estadual, para “ciência e providências que entenderem cabíveis”.
Retaliação
A reação não demorou um mês. No dia 7 de novembro, os presidentes das subseções da OAB em Pelotas e Rio Grande, respectivamente Luís Antônio de Carvalho e Éverton de Mattos, protocolaram uma Representação contra o magistrado junto à Corregedoria do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, com sede em Porto Alegre.
No documento, os dirigentes alegam que a advogada Kênia de Moraes sofreu violação de suas prerrogativas profissionais durante a audiência presidida pelo juiz: teve a palavra cassada, foi compelida a devolver parte dos honorários contratuais ao cliente e ainda viu seu o mandato ser revogado por influência do juiz, que nega as imputações.
Os dirigentes também entenderam que o fato do juiz ter expedido ofício à OAB e ao MP foi uma clara e evidente atitude de retaliação contra a advogada, que “’sequer conseguiu demonstrar a existência do contrato de honorários com seu cliente”.