Juíza declara inconstitucionalidade do art. 28 da Lei que instituiu o Sistema de Políticas Públicas sobre Drogas

Em sentença ex ofício, juíza Rosália Guimarães Sarmento do Amazonas considera que o § 7º do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 não possui natureza penal.


A juíza titular da 2ª Vara Especializada em Crimes de Uso e Tráfico de Entorpecentes (2ª VECUTE), Rosália Guimarães Sarmento, declarou por sentença ex ofício, a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei nº 11.343/2006. A declaração foi proferida na Ação Penal nº 0602245-17.2018.8.04.0001, de iniciativa do Ministério Público Estadual e que tem três pessoas como réus.
Na decisão a juíza considera que o § 7º do art. 28 da referida lei não possui natureza penal, já que se refere, apenas, à obrigatoriedade do Poder Público disponibilizar tratamento adequado aos indivíduos que fazem uso nocivo de substâncias entorpecentes.
A magistrada também determinou expedição de ofício à Policlínica Governador Gilberto Mestrinho para que esta disponibilize tratamento especializado aos acusados, relativamente ao uso indevido ou dependência de drogas, nos termos dos artigos 20 a 26 da Lei nº 11.343/2006. Ambos deverão receber uma cópia do ofício encaminhado à Policlínica a fim de se identificarem e se apresentarem para recebimento de tratamento gratuito, nos termos previstos pelo Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), de observação obrigatória pelos órgãos públicos integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS).
Na sentença, a juíza, em conformidade com o entendimento do próprio Ministério Público, absolve um dos acusados e determina a devolução de uma motocicleta apreendida no dia da prisão destes.
Controle de constitucionalidade difuso
A juíza Rosália Guimarães Sarmento disse que foi feita a desclassificação da conduta dos réus do Artigo 33, (que é tráfico de drogas) para o artigo 28 (que é porte de droga para consumo pessoal) e, a partir da desclassificação, realizou o chamado ‘controle de constitucionalidade difuso’, que é a análise do dispositivo legal em face da Constituição Federal.
Seguindo o mesmo entendimento do Ministro Gilmar Mendes (do STF), no RE 635659/SP, a magistrada declarou a inconstitucionalidade do artigo 28 que diz respeito aos efeitos penais do mesmo artigo.
“A novidade dessa sentença, em termos da jurisprudência amazonense é apenas a declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 da lei de drogas, já que a desclassificação, em si, do artigo 33 para o artigo 28 é fato corriqueiro no cotidiano de qualquer uma das 4 VECUTEs existentes nesta Comarca de Manaus. O controle de constitucionalidade, todavia, é obrigação de todo magistrado, diante da primazia da norma constitucional em nosso ordenamentos jurídico vigente. Se uma lei (ou parte da lei) é inconstitucional, ela não deve jamais prevalecer, devendo ser afastada a fim de que se garanta a supremacia da Constituição Federal que é o que a Lex Mater ou a Lei das leis”, apontou a juíza Rosália Guimarães.
STF
A magistrada registra que todos os ministros que votaram até o momento no RE 635659/SP – que discute questão no órgão de cúpula do Judiciário – manifestaram-se no sentido da inconstitucionalidade do art. 28 da Lei. “com pequenas divergências que dizem respeito tão somente ao tipo de droga que poderia ser portada e consumida sem que o seu agente fosse criminalizado por esta conduta que deve ser entendida como o livre exercício da autonomia de cada cidadão, tal qual ocorre ao álcool e ao tabaco que também são drogas, mas não são consideradas ilícitas”, acrescentou a magistrada.
A juíza ressalta, ainda, que a hipótese concreta dessa sentença é de menos de 20g de maconha que seria dividida para duas pessoas. “Portanto, mesmo com as divergências existentes entre os ministros Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, o caso seria resolvido pela declaração de inconstitucionalidade, já que todos os ministros entendem que o porte de maconha para consumo não deve ser criminalizado, configurando abuso estatal e injustificável intromissão na vida privada do cidadão a sua criminalização”, comentou.
A juíza Rosália Sarmento esclarece, ainda, que a própria lei, ao não punir a conduta descrita no art. 28 com o mesmo tipo grave de sanção penal previstas para as hipóteses de tráfico de drogas (pena privativa de liberdade), revela a intenção do legislador de conferir um tratamento jurídico diferenciado à figura do usuário em relação à figura do traficante.
Segundo Rosália Guimarães Sarmento, na Lei 11.343/2006, o próprio legislador quis conferir um tratamento jurídico diferenciado à figura do traficante em relação ao tratamento que deve ser dispensado ao usuário de drogas.
Tratamento
Rosália argumenta que o legislador entende que o usuário deve ser encaminhado a tratamento e que a política nacional de drogas deve facilitar a sua reinserção no meio social, tendo o legislador fixado diversos critérios na parte inicial da Lei que, contudo, não têm sido adequadamente observados nos casos em que se reconhece que a hipótese é de porte de drogas para consumo (art. 28) e não para o tráfico (art. 33).
“É como se uma parte substancial da lei de drogas simplesmente não existisse. Como se na lei nº 11.343/2006 o legislador tivesse tratado apenas da repressão e nada dispusesse sobre a prevenção e o tratamento que o Estado deve oferecer gratuitamente aos cidadãos para que possam se reintegrar à sociedade, contribuindo de forma saudável e economicamente ativa para o meio social do qual faz parte”, disse.
A magistrada afirma que, pelo que consta na atual lei de drogas, o usuário, principalmente quando reconhecido como dependente (já que a dependência química é uma doença reconhecida pela OMS e catalogada na CID 10), deve receber do Estado um tratamento totalmente diferente da penalização que deve ser reservada unicamente aos traficantes de drogas.
“Interpretar a lei de maneira diferente disso, além de fomentar um direito penal do inimigo, constitui grave violação à dignidade da pessoa humana e ao seu direito à intimidade no âmbito da sua vida privada. Há evidente e injustificável abuso quando o Estado diz que o cidadão pode tomar uma garrafa de absinto ou cinco garrafas de whisky, mas não pode fumar um cigarro de maconha. Onde a mesma razão, o mesmo Direito. É o que se aprende desde os primeiros dias de faculdade, afirma a juíza Rosália Guimarães Sarmento.
O caso
O Ministério Público do Estado do Amazonas (MPE) ofereceu denúncia com base no artigo 54, III da Lei nº 11.343/06, contra Gabriel Ítalo Oliveira de Castro, Antônio Pereira da Silva e Marco Antônio Gomes de Souza por terem sido presos no dia 18 de janeiro de 2018, na Avenida Nepal, Conjunto Nova Cidade, bairro Nova Cidade, portando 42 (quarenta e duas) trouxinhas contendo aproximadamente 19 gramas de maconha.
No dia seguinte, os três passaram pela Audiência de Custódia e ganharam o direito de responder ao processo em liberdade. Após a colheita de todas as provas, o Ministério Público pediu a absolvição de um dos acusados, pela inexistência de provas suficientes contra ele e a condenação dos outros dois nas penas do art. 33 da Lei de Drogas.
Após analisar as provas dos autos, a juíza Rosália Sarmento entendeu pela desclassificação da conduta dos réus do art. 33 para o art. 28 e pela declaração de inconstitucionalidade desse dispositivo, mantendo hígido, todavia, o par. 7° desse artigo que determina o encaminhamento do agente para tratamento psiquiátrico ou ambulatorial, conforme a necessidade do mesmo.
Fonte: TJ/AM


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