Mais de dez milhões de processos recebidos e mais de nove milhões já julgados. Os números, por si sós, já impressionam e causam ainda mais admiração quando se considera que são um balanço de apenas dez anos de existência dos juizados especiais federais (JEFs). Em 12 de julho de 2001, o que parecia um sonho acabou se tornando uma das mais expressivas inovações já ocorridas no Judiciário brasileiro. Nesta data foi promulgada a Lei n. 10.259, que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal.
“Não tenho a menor dúvida de que haverá uma Justiça antes dos juizados federais e outra depois”. A profética afirmação foi feita pelo então presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Conselho da Justiça Federal (CJF), ministro Paulo Costa Leite, em janeiro de 2002, quando os primeiros juizados começaram a funcionar. Costa Leite foi um dos grandes mentores e entusiastas dessa iniciativa, e empenhou-se pessoalmente para que a Lei n. 10.259/01 fosse promulgada em tempo recorde, praticamente seis meses após o seu envio ao Congresso Nacional.
Sua concepção, inspirada na bem sucedida experiência dos juizados de pequenas causas na Justiça Estadual, surgiu com a Emenda Constitucional n. 22, de 18 de março de 1999, a qual acrescentou parágrafo único ao artigo 98 da Constituição, dispondo que “lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal”.
“Os JEFs foram implantados na coragem”, relembra o ministro Ari Pargendler, atual presidente do CJF e do STJ, e que, na época, fez parte da comissão de ministros do STJ que elaborou o anteprojeto. Para viabilizar a aprovação da lei de forma célere, sem impactos orçamentários, a solução encontrada foi a de implantá-los sem nenhuma estrutura adicional na Justiça Federal. Tanto os juízes quanto os servidores que passaram a atuar nesses juizados foram remanejados de varas federais já existentes.
Muitos consideram os JEFs como a maior conquista social da Justiça Federal, onde são julgadas as causas contra as entidades públicas da União e as autarquias federais. Neste ramo específico do Judiciário, os juizados surgiram como garantia de que o cidadão comum pode, sim, reivindicar seus direitos perante o Estado. Cerca de 80% das ações ajuizadas nos JEFs são movidas contra o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e já proporcionaram a milhares de brasileiros a realização de sua tão sonhada aposentadoria, ou o direito ao justo pagamento de benefícios como auxílio-doença e pensão por morte. Para tornar mais ágil a tramitação, A Lei n. 10.259/01 retirou os privilégios processuais dessas entidades, que, nos casos não previstos na lei, gozam de prazos dobrados para contestar e recorrer de um processo.
Seu formato atende principalmente às pessoas de baixa renda, já que são especializados no julgamento de causas cujo valor esteja abaixo de 60 salários mínimos. A ideia nuclear sempre foi a de proporcionar a esses cidadãos o acesso efetivo à Justiça, dando vazão a uma demanda reprimida – a daquelas pessoas que antes não procuravam a Justiça devido à falta de condições de pagar um advogado ou à descrença com relação à demora na tramitação dos processos. Nos JEFs não é necessário contratar advogado, o próprio funcionário do setor de atendimento é treinado para redigir a petição inicial do autor da causa.
“Os advogados, na época, diziam que as partes não estariam bem representadas e que isso diminuiria o mercado advocatício. O que se viu foi o contrário. A maior parte das pessoas recorre aos advogados e esse se tornou um mercado muito atraente”, avalia o ministro Pargendler.
Agilidade
Além do acesso gratuito à Justiça, o grande diferencial dos juizados é a agilidade. Ao privilegiarem a tentativa prévia de conciliação, o julgamento oral, proferido em audiências, a produção simplificada de provas e a chamada “sentença líquida” – cujo valor é estipulado no ajuizamento da causa e pode ser prontamente executado – os juizados deram início a uma nova cultura jurisdicional na Justiça Federal.
Além de garantirem julgamento mais rápido do processo, os juizados asseguram também o que é mais importante: o pagamento bem mais ágil dos valores devidos ao autor da causa. É que neles se eliminou o regime do precatório, pelo qual tradicionalmente a União e as autarquias federais pagam as suas condenações, e se instituiu a chamada requisição de pequeno valor, previstas para causas de valor abaixo de 60 salários mínimos. Enquanto os precatórios são pagos somente no ano seguinte ao da sua requisição, e em muitos casos parceladamente, as RPVs são depositadas na conta corrente do beneficiário em apenas 60 dias após a sua requisição pelo juiz que proferiu a sentença. “Este foi um diferencial realmente excepcional”, avalia o ministro Pargendler. De 2002 a 2010 foram desembolsados pela União mais de R$ 28 bilhões para pagamento de RPVs, dos quais, cerca de 67% (aproximadamente R$ 18 bilhões) referem-se a sentenças dos JEFs.
O sucesso dos juizados, no entanto, provocou inesperada explosão processual na Justiça Federal. “Esperava-se para os primeiros dez anos de juizados especiais federais menos de 200 mil processos e hoje isso já se multiplicou por dez”, acentua o ministro Pargendler. Já em 2002, ano em que entraram em funcionamento as primeiras unidades, os JEFs já ultrapassaram as estimativas iniciais, pois receberam mais de 348 mil processos. No ano seguinte, sua demanda quase se igualava à das varas federais de competência comum: enquanto nos poucos JEFs existentes haviam sido distribuídos pouco mais de 916 mil processos, nas varas federais comuns esse número era de pouco mais de um milhão. Em 2010, as estatísticas comprovam que a demanda nos JEFs já supera a das varas federais comuns: enquanto os primeiros receberam 1,2 milhão de processos, nas últimas foram distribuídos cerca de um milhão.