A juíza convocada para atuar no segundo grau do Judiciário do Pará, Gleide Pereira de Moura, concedeu parcialmente efeito suspensivo em recurso de agravo de instrumento interposto por acusados de envolvimento no caso dos kits escolares distribuídos pelo Governo do Estado. Em relação aos agravantes Iracy de Almeida Gallo Ritzman, Ely Benevides Souza Filho, Fernando Jorge de Azevedo e Ivanise Coelho Gasparim, o bloqueio determinado pelo Juízo de primeiro grau foi mantido, excluindo-se dessa relação pela concessão do efeito suspensivo apenas as contas correntes através das quais os mesmos recebem seus vencimentos.
Quanto aos agravantes Doublé M. Comunicação LTDA e seus sócios Carlos André Leal Moreira, Fábio Juan Diego Correa Lopez, João Carlos Leal Moreira e Maurício Leal Moreira, a decisão da magistrada determina que “fica reduzido o bloqueio de imóveis, móveis e semoventes até o limite de R$ 932.132,20 – quantia comprovadamente recebida a título de honorários, destacando-se que, no que diz respeito às contas e aplicações financeiras tanto da empresa quanto de seus sócios, fica limitado o bloqueio a 50% de referido valor, permitindo, assim, a continuidade das atividades da empresa, até a decisão final do presente recurso”.
A magistrada determinou ainda que seja intimado o Ministério Público para oferecimento de resposta ao agravo, sendo-lhe facultado juntar cópias das peças que considerar convenientes.
A decretação da indisponibilidade de bens dos acusados de envolvimento no caso dos kits escolares foi determinada pelo Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Belém, em ação cautelar movida pelo Ministério Público sob o argumento de suposto superfaturamento na aquisição dos kits, o que incidiria em prática de improbidade administrativa. (Texto: Marinalda Ribeiro)
Confira a íntegra do despacho da magistrada:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ
JUÍZA CONVOCADA – DRA. GLEIDE PEREIRA DE MOURA
SECRETARIA DA 1ª CÂMARA CIVEL ISOLADA
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.3.007472-5
AGRAVANTES: DOUBLE M COMUNICAÇÃO LTDA., CARLOS ANDRÉ LEAL MOREIRA, FABIO JUAN DIEGO CORREA LOPEZ, JOÃO CARLOS LEAL MOREIRA e MAURÍCIO LEAL MOREIRA.
ADVOGADO: CLÓVIS DA GAMA MALCHER FILHO
AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
PROMOTOR: FIRMINO ARAÚJO DE MATOS E OUTROS
RELATORA: DRA. GLEIDE PEREIRA DE MOURA – JUÍZA CONVOCADA
Cuida-se de Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo, interposto em face de decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública de Belém, nos autos de Ação Cautelar com pedido de liminar, visando a decretação de indisponibilidade de bens em decorrência da prática atos de improbidade administrativa, cuja parte conclusiva está assim consignada:
“… Ante o exposto, concedo a liminar para determinar o bloqueio de todas as contas e aplicações financeiras, excluídas as contas-salários, bem como dos bens imóveis, móveis e semoventes até o limite de R$ 33.994.940,00 de IRACY DE ALMEIDA GALLO RITZMAN, ELY BENEVIDES SOUZA FILHO e FERNANDO JORGE DE AZEVEDO.
Determino, ainda, o bloqueio de todas as contas e aplicações financeiras, excluídas as contas-salários, bem como dos bens imóveis, móveis e semoventes até o limite de R$ 1.000.000,00 de IVANISE COELHO GASPARIM.
Determino ainda, o bloqueio de todas as contas e aplicações financeiras, excluídas as contas-salários, bem como dos bens imóveis, móveis e semoventes até o limite de R$ 25.920.000,00 em nome de DOUBLE M COMUNICAÇÃO LTDA., CARLOS ANDRÉ LEAL MOREIRA, FÁBIO JUAN DIEGO CORREA LOPEZ, JOÃO CARLOS LEAL MOREIRA e MAURÍCIO LEAL MOREIRA.
(…).”
Aduz o agravante em suas razões recursais: 1) que foi proposta Medida Cautelar pelo Parquet estadual, com base em investigações realizadas em sede de Inquérito Civil Público, com objetivo de apurar alegado superfaturamento em aquisição, sem procedimento licitatório, de kit escolar composto de agenda, mochila e duas camisas, destinado aos estudantes da rede pública de ensino, dentro do projeto denominado “Pará, Minha Terra, Minha Escola, Minha Paz”, da Secretaria Estadual de Educação; 2) que, muito embora alegue o Órgão Ministerial ter sido feita a aquisição dos kits sem licitação, na verdade o procedimento que envolvia a compra do material estava englobado pela campanha “Dignidade com Ensino Público de Qualidade”, destacando que a empresa agravante participou e foi habilitada na Concorrência Pública n° 001/2007, destinada à prestação de serviços de publicidade e propaganda, sendo que a contratação para confecção do material e a distribuição dos kits fazia parte da campanha acima referida, em atividade que é praxe no mercado publicitário. Ressalta, ainda, que ao efetivar a compra, a empresa agravante realizou cotação de preços, tendo adquirido os kits pelo menor valor encontrado, compatível com o mercado, justamente para evitar prejuízos ao erário, afastando, assim, a alegação de sobrepreço e superfaturamento; 3) que a decisão agravada, em arrepio aos princípios da legalidade, proporcionalidade e razoabilidade, declarou indisponíveis os bens dos agravantes até o montante de R$ 25.920.000,00, em muito superior à quantia que alega o Parquet ter sido “irregularmente” paga à empresa agravante, no valor de R$ 932.132,30 – valor que na verdade foi pago a título de honorários pela intermediação na aquisição dos bens em questão, cujo patamar foi previamente fixado no contrato nº 006/2008. Destaca, ainda, que a decisão agravada foi prolatada sem o preenchimento dos requisitos legais, destacando que a doutrina mais abalizada sobre o tema sinaliza com a necessidade de prévia oitiva das partes envolvidas antes da declaração de qualquer ato de indisponibilidade material – o que não se verificou no presente caso -, além da necessidade de verificação do fumus boni iuris e periculum in mora para sua efetivação. Finalizando, ressalta que a agravante é empresa em plena atividade, com inúmeros compromissos e centenas de empregos diretos e indiretos, e que a decisão agravada, se mantida, encaminhará a agravante a passos largos para a FALÊNCIA, e que, mesmo sendo mantida a decisão agravada, esta deveria adequar os valores bloqueados ao montante que supostamente a empresa teria se beneficiado – ou seja, os honorários recebidos, no valor de R$ 932.132,30 -, bem como declarando a indisponibilidade somente dos bens adquiridos antes do ato supostamente ilegal .
Requereu, assim: I- concessão de efeito suspensivo geral, suspendo integralmente a decisão agravada, ou, alternativamente, II- Efeito suspensivo parcial, para sustar os efeitos da decisão em relação aos sócios pessoas físicas, e limitar a indisponibilidade ao valor de R$ 932.132,30, apenas em relação aos bens móveis e imóveis adquiridos a partir de dezembro de 2008, liberando-se imediatamente as contas correntes da primeira agravante ou limitando o bloqueio em 20% (vinte por cento) sobre o referido valor.
Juntou, com a peça recursal, os documentos de fls. 40 a 1.343.
É o breve relatório. Passo a decidir acerca do pleiteado efeito suspensivo.
A análise prévia que a este momento é reservada, com amparo nas disposições contidas no art. 527, III e 558 do CPC, restringe-se ao preenchimento dos requisitos previstos na lei, sendo que, nesta ocasião, cabe ao relator tão somente a verificação do preenchimento de tais requisitos, com o objetivo de suspender ou não, total ou parcialmente, o teor da decisão recorrida, até o julgamento definitivo do recurso.
Inicialmente, importante destacar que o agravo de instrumento foi interposto pela empresa DOUBLE M COMUNICAÇÃO LTDA. e seus sócios; no entanto, pela disposição expressa do art. 509 do CPC , passo a analisar a decisão agravada como um todo.
A questão objeto de análise neste recurso, como inicialmente relatado, diz respeito à alegação de prática de ato de improbidade administrativa pelos demandados, concernente à atuação indevida da empresa DOUBLE M LTDA., representada por seus sócios, em conjunto com a Secretaria de Estado de Educação, na pessoa de sua Secretária, Sra. Iracy de Almeida Gallo Ritzman, do Secretário Adjunto de Logística, Sr. Ely Benevides Sousa Filho, do Secretário Adjunto de Gestão, Sr. Fernando Jorge de Azevedo, do Assessor Jurídico, Sr. Carlos Augusto de Paiva Ledo, e da Secretária Estadual de Trabalho, Emprego e Renda, Sra. Ivanise Coelho Gasparim, na prática de atos apontados como ímprobos, que trouxeram grande prejuízo ao erário público.
Neste estudo preambular, impõe ser verificada a relevância da fundamentação dos agravados, bem como a lesão grave e de difícil reparação que possa decorrer da decisão agravada, caso seja mantida até o pronunciamento definitivo da câmara.
Inicialmente, importante fazer referência à alegação trazida pelos agravantes, que consideram que a medida agravada foi concedida ao arrepio da lei, tendo em vista a necessidade de prévia oitiva das partes envolvidas na acusação de improbidade, antes da declaração de qualquer ato de indisponibilidade material.
Nesse sentido, sem necessidade de maiores argumentos, destaca-se que a atual e maciça jurisprudência pátria é absolutamente conclusiva acerca da possibilidade de concessão de liminar inaudita altera pars em sede de medida cautelar preparatória, do que faço referência a recente julgado do Superior Tribunal de Justiça:
“ PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MEDIDA CAUTELAR. INDISPONIBILIDADE E SEQUESTRO DE BENS. REQUERIMENTO NA INICIAL DA AÇÃO PRINCIPAL. DEFERIMENTO DE LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS ANTES DA NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. POSSIBILIDADE. ARTS. 7º E 16 DA LEI 8429/92.
1. É lícita a concessão de liminar inaudita altera pars (art. 804 do CPC) em sede de medida cautelar preparatória ou incidental, antes do recebimento da Ação Civil Pública, para a decretação de indisponibilidade e de seqüestro de bens, incluído o bloqueio de ativos do agente público ou de terceiro beneficiado pelo ato de improbidade, porquanto medidas assecuratórias do resultado útil da tutela jurisdicional, qual seja, reparação do dano ao erário ou de restituição de bens e valores havidos ilicitamente por ato de improbidade. Precedentes do STJ: REsp 821.720/DF, DJ 30.11.2007,; REsp 206222/SP, DJ 13.02.2006 e REsp 293797/AC, DJ 11.06.2001.
(…)
3. Recurso Especial desprovido.”
( STJ. REsp 880427/MG. 1ª Turma. Rel. Ministro LUIZ FUX. DJ de 04.12.2008)
Analisando a determinação de bloqueio contida na decisão agravada, observa-se, no que diz respeito aos agentes públicos apontados na inicial cautelar, e acima referidos, que a decisão recorrida determinou o bloqueio de bens e valores, excluindo as contas-salários. Tal situação, por si só, afasta momentaneamente a possibilidade de lesão grave e de difícil reparação, considerando que os vencimentos dos demandados estarão resguardados do bloqueio, permitindo o sustento dos mesmos e suas famílias, até a decisão final do presente recurso.
No que concerne à indisponibilidade aplicada à empresa agravante e seus sócios, a situação mostra-se um pouco diferenciada. Tratando-se a primeira agravante de pessoa jurídica, os valores movimentados em contas correntes e também os ativos financeiros afiguram-se necessários ao desenvolvimento de suas atividades (pagamento de salários, fornecedores…), razão pela qual sua total indisponibilidade acabaria por inviabilizar seu funcionamento.
Em outro aspecto, mostra-se, ao menos neste momento prévio, pertinente a alegação dos agravantes de que o alcance da decisão agravada é em muito superior à quantia efetivamente disponibilizada à empresa pelos cofres públicos. Em que pese a possibilidade de reversão da medida no decorrer da instrução processual, para devolução ao erário de todos os valores indevidamente recebidos, entendo ser necessário, provisoriamente, adequá-la a patamares que permitam à empresa e seus sócios continuarem suas atividades, restringindo-lhes, por ora, somente o montante que lhes foi pago a título de honorários pelas atividades apontadas como ímprobas.
Diante do exposto, CONCEDO PARCIALMENTE O EFEITO SUSPENSIVO PLEITEADO, para manter os bloqueios determinados em relação a IRACY DE ALMEIDA GALLO RITZMAN, ELY BENEVIDES SOUZA FILHO, FERNANDO JORGE DE AZEVEDO e IVANISE COELHO GASPARIM, excluindo as contas correntes através das quais os mesmos recebem seus vencimentos.
Quanto à agravante DOUBLE M COMUNICAÇÃO LTDA. e seu sócios CARLOS ANDRÉ LEAL MOREIRA, FÁBIO JUAN DIEGO CORREA LOPEZ, JOÃO CARLOS LEAL MOREIRA e MAURÍCIO LEAL MOREIRA, fica reduzido o bloqueio de imóveis, móveis e semoventes até o limite de R$ 932.132,30 – quantia comprovadamente recebida a título de honorários, destacando-se que, no que diz respeito às contas e aplicações financeiras tanto da empresa quanto de seus sócios, fica limitado o bloqueio a 50% (cinqüenta por cento) de referido valor, permitindo, assim, a continuidade das atividades da empresa, até a decisão final do presente recurso.
Comunique-se ao prolator da decisão atacada, solicitando-lhe as informações de praxe, no prazo de dez (10) dias.
Intime-se a agravada em igual prazo para o oferecimento da resposta, sendo-lhe facultado juntar cópias das peças que reputar convenientes.
Após, proceda-se a remessa dos autos ao Órgão Ministerial, para manifestação.
Belém, 03 de agosto de 2009.
DRA. GLEIDE PEREIRA DE MOURA – Juíza Convocada
Relatora