Enquanto operadores do Direito miram na reforma das leis ou na gestão administrativa dos tribunais para reduzir a crescente demanda no Judiciário, já se nota um movimento de juízes que acreditam que há uma saída bem mais simples. Basta exigir algo que nem precisava ser cobrado: que as leis existentes sejam cumpridas. Defensor da ideia, o presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro, desembargador Antonio Cesar Siqueira, levou o assunto ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, com a sugestão de incluir no Pacto Republicano o compromisso do Estado de cumprir as leis.
Em palestra na Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o desembargador afirmou que o Estado não cumpre e não faz cumprir as leis. A regra número 1 para que o Judiciário não fique abarrotado de processos, muitos deles repetitivos, é que passe a se cumprir a legislação vigente.
Siqueira e outros membros do TJ foram incumbidos de apresentar o sistema jurídico e o trabalho do Judiciário a juízes canadenses. Em vez de pintar o quadro como melhor do mundo, os desembargadores fizeram uma crítica ao sistema e uma autocrítica em relação ao trabalho do próprio Judiciário.
Os desembargadores encarregados de falar com o grupo de 35 juízes canadenses não esconderam que os tribunais estão abarrotados de processos e o modo como certos assuntos ainda são tratados pelos operadores do Direito. “Se o Estado não define política de saúde, quem vai ditar as regras é o Judiciário”, disse Siqueira. O mesmo acontece com o setor de telefonia, que descumpre os contratos, e com as Agências reguladoras, que não cumprem seus papeis. “O maior departamento de órgão previdenciário, hoje, é a Justiça Federal”, disse, referindo-se à quantidade de processos em que segurados discutem benefícios. “É um verdadeiro ataque à democracia.”
Siqueira afirmou que, ao julgar a mesma matéria, o Poder Judiciário acaba deixando de atuar onde o Estado não pode, ou seja, onde é a lei que resolve. Em outros casos, sentenciou, basta cumprir a lei.
Segundo o presidente da Amaerj, não se pode optar pelo aumento sem fim da máquina judiciária. O momento propício para se pensar em soluções, afirmou, é com o 3º Pacto Republicano. O acordo tem como objetivo a integração dos Três Poderes para aprimorar o Judiciário.
Encarregado de falar sobre o funcionamento das Câmaras Cíveis, o desembargador Gabriel Zéfiro afirmou que está difícil prestar jurisdição de maneira efetiva. O Judiciário, disse, está mais para solucionar problema social do que conflito de interesse. Ele disse que os “clientes” contumazes dos tribunais é o Estado.
Quando os desembargadores disseram que o Estado ou as concessionárias de serviço público não cumprem a lei, os juízes canadenses pareciam não entender muito bem do que se tratava. Uma das juízas pediu para que Zéfiro exemplificasse. “Vivemos em mundos diferentes”, disse o desembargador. Ele exemplificou com a questão de medicamentos para quem não tem condições de adquiri-los.
Zéfiro também falou do dispositivo legal que desembargadores têm usado com frequência e que possibilita o julgamento pelo próprio relator do caso, com decisão monocrática, da qual cabe recurso para a turma julgadora. Também falou da quantidade de processos na pauta de julgamento. “São 160, 180”, disse. As sessões, contou, começam às 13h e se estendem até o final da tarde. “Depois das 16h, já se está concordando até com pena de morte”, brincou.
A ideia de reunir juízes canadenses que pudessem conhecer o tribunal, segundo o juiz Luiz Umpierre Mello Serra, organizador do encontro, foi exatamente a troca de experiência decorrente desse tipo de iniciativa. O juiz contou, ainda, que há a intenção de celebrar um convênio para que os juízes brasileiros também conheçam o sistema canadense, que é muito forte quanto à contenção de litígio pela mediação.
Mello Serra, que acompanhou o grupo durante o dia, mostrando o tribunal e os julgamentos nas turmas julgadoras, disse que os juízes canadenses ficaram impressionados com os números, como o volume de demanda e de pessoas que frequentam o tribunal. Contou, ainda, que outra diferença que chamou a atenção dos estrangeiros foi o fato de, no Brasil, existir controle sobre a atividade judicial. “Eles não tem a figura do corregedor”, disse. No país, afirmou, o juiz recebe o processo por sorteio, enquanto, no Canadá, o juiz pode escolher a demanda. “É bom conhecer as qualidades e defeitos para que possamos nos aprimorar”, disse ele.