por Luciano Rinaldi de Carvalho
É elogiável qualquer iniciativa séria do governo que se proponha a reduzir a violência no trânsito. Os números são alarmantes e crescem exponencialmente a cada ano. A promulgação do Código de Trânsito Brasileiro, em 1997, não foi suficiente para aplacar a imprudência dos motoristas, principal causa dos acidentes e tragédias. E o grande vetor da imprudência consiste no consumo de bebidas alcoólicas associado ao ato de dirigir.
Visando combater o problema, foi promulgada a Medida Provisória 415, já em vigor, que proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas em rodovias federais. Os infratores estarão sujeitos ao pagamento de multa no valor de mil e quinhentos reais e, em casos de reincidência, o valor é cobrado em dobro, com suspensão da autorização para acesso à rodovia pelo prazo de dois anos.
Embora o espírito da norma seja sensato e coerente, pois, na teoria, os motoristas teriam maior dificuldade em consumir bebidas alcoólicas em suas viagens, não se pode deixar de apontar que a Medida Provisória em questão nasce contaminada pelo germe da inconstitucionalidade.
Os acidentes se sucedem no Brasil com impressionante regularidade, e a população segue órfã de uma medida legislativa que atinja a raiz do problema. A maioria das propostas legislativas são tópicas, além de não resistirem ao mais leve enfrentamento jurídico. São inservíveis aos anseios da sociedade.
Vejamos a questão pelo prisma constitucional. Embora a Constituição seja expressa no sentido de autorizar a intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação dos setores econômicos, é incontestável que o exercício de tal prerrogativa deve se harmonizar aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica, conforme o artigo 170 da Carta Magna, que, em seu parágrafo único, asseguram livre exercício da atividade econômica. Isto conduz à inevitável conclusão de que, embora o Estado possa efetivamente intervir na economia, não pode fazê-lo caso sua atuação implique em ofensa à livre iniciativa e à livre concorrência, causando desequilíbrio nas relações econômicas.
Portanto, sendo o comércio de bebidas alcoólicas para maiores de idade uma atividade perfeitamente lícita, não é juridicamente tolerável que, num mesmo segmento econômico, o legislador beneficie uns em detrimento de outros, como ocorre, ainda que indiretamente, na aludida Medida Provisória. Sim, pois haverá um direto favorecimento para aqueles estabelecimentos situados nas cercanias das rodovias, mas não propriamente na via federal. É pueril acreditar que a proibição da venda de bebidas alcoólicas pelos estabelecimentos de beira de estrada evitará seu consumo pelos motoristas, que poderão facilmente adquiri-las em centenas de outros estabelecimentos.
Assim, partindo-se da premissa de que o dever de indenizar, por parte do Estado (responsabilidade objetiva), decorre da existência de dano atribuível a sua própria atuação, é forçoso concluir que, havendo um eventual futuro reconhecimento de inconstitucionalidade da referida Medida Provisória, os comerciantes lesados estarão plenamente legitimados a ingressar na Justiça contra a União Federal para ressarcimento dos danos sofridos.
A inutilidade da norma é ainda mais gritante do ponto de vista prático, na medida em que a propalada proibição estimulará o comércio clandestino por parte dos vendedores ambulantes (talvez até contratados pelos próprios comerciantes), inclusive com redução de arrecadação por parte do Governo. Ganha fôlego o emprego informal.
O que se observa, com a medida, é uma tentativa bem intencionada, porém simplória, de resolver um problema extremamente complexo e recorrente em nossa sociedade, que é a violência no trânsito. A responsabilidade por essa situação-limite em que vivemos não é do comerciante, mas dos próprios motoristas imprudentes.
Enquanto não houver coragem e vontade política para dar rigor e efetividade à lei, não haverá avanços nessa área. Soluções indiretas e superficiais, que não atacam o núcleo do problema, jamais reduzirão os índices de violência no trânsito. Enfim, não há espaço para paliativos: é inadiável a criação de leis mais severas com os motoristas imprudentes, assim como uma fiscalização séria e permanente, efetuada não apenas por radares, mas por policiais fardados nas ruas. Do contrário, continuaremos assistindo tragédias cada vez maiores, e cada vez mais próximas de nós.
Revista Consultor Jurídico