“É uma reivindicação de todos os dias e não a escondemos durante campanha eleitoral”, afirma candidata
Em 2011, uma campanha iniciada como piada entre jornalistas pedia “um milagre” para superar o piso de 1,5% dos votos que permitiria à FIT (Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, em português) passar pelas eleições primárias. Com 2,48% dos votos, a aliança chegou às eleições presidenciais, mas seu candidato, Jorge Altamira, irmão de Luís Favre, terminou em penúltimo lugar, com 2,3% na contagem final. Seu desempenho nas urnas foi pior que o de votos em branco naquele ano, que chegaram a 3,5%.
Para as eleições legislativas de 2013 a perspectiva é outra. Ainda sem representação no Congresso Nacional, a FIT – composta por PO (Partido Obreiro), IS (Esquerda Socialista) e PTS (Partidos dos Trabalhadores Socialistas) – superou o piso das primárias nos 19 distritos eleitorais em que se apresentou e quase duplicou o número de votos em nível nacional em relação a 2011.
Na cidade de Buenos Aires, a aliança de esquerda trotskista obteve 4,21% dos votos nas eleições primárias. Segundo projeções baseadas nas últimas legislativas, a FIT precisaria de cerca de 30 mil votos a mais para chegar aos 6% que dariam chances a Altamira (PO), primeiro candidato da lista de deputados nacionais pela capital argentina, de conseguir uma cadeira no Congresso.
Legalização do aborto
Os resultados promissores não impediram a FIT de tocar em temas sensíveis à opinião pública durante a campanha. A segunda candidata da lista em Buenos Aires, Andrea d’Atri (PTS), é fundadora do grupo Pão e Rosas na Argentina e uma das principais referências pela legalização do aborto no país. “É uma reivindicação de todos os dias e não a escondemos durante a campanha eleitoral”, afirma em entrevista a Opera Mundi.
Na Argentina, apesar de legalizado o aborto em casos de risco de vida para a mãe, má formação do feto ou estupro, muitas mulheres precisam recorrer à Justiça para interromper a gravidez de forma legal ou enfrentar-se com a alegação de “objeção de consciência” de médicos que se recusam a realizar o procedimento. Em março de 2012, a Suprema Corte do país determinou que, em casos previstos pela lei, o aborto deve ser realizado sem necessidade de judicialização.
Andrea considera que esse direito ainda não é plenamente exercido e que a luta pela legalização da interrupção voluntária da gravidez em todos os casos é tão urgente quanto a aplicação do aborto não- punível. “As mortes de mulheres por abortos clandestinos em pleno século XXI não deveriam existir. É um problema de insegurança na vida das mulheres.”
Segundo dados do Ministério de Saúde, em 2010 a taxa de mortalidade materna foi de 44/100 mil na Argentina. Abortos praticados de forma insegura foram responsáveis por 20,5% dessas mortes. Em um relatório sobre direitos sexuais e reprodutivos apresentado em 2012 ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, organizações sociais da Argentina revelaram que cerca de 60 mil mulheres são internadas na rede pública de saúde todos os anos por conta de abortos clandestinos, 15% delas são menores de 20 anos.
Atualmente, existe na Argentina um debate sobre se o aborto deve ser legalizado ou se sua despenalização com informação sobre a prática caseira com misoprostol (medicamento anti-úlcera com efeito abortivo nas primeiras 12 semanas de gravidez) deveria ser o principal eixo da luta. No movimento de mulheres havia uma expectativa de que, depois da aprovação do casamento igualitário, o kirchnerismo aprovasse também a legalização do aborto, mas a presidente Cristina Kirchner é contrária à medida. Ainda que alguns dos integrantes do bloco governista do Congresso se declarem favoráveis à legalização, a orientação do partido é não tratar o tema por enquanto.
Andrea acredita que o movimento em defesa do direito ao aborto não deve se pautar pelas decisões pessoais da presidente. “O aborto deve ser despenalizado e legalizado. Uma mulher deve poder escolher se quer abortar com um médico na rede pública de saúde ou em sua casa com misoprostol. Mas sou contra substituir a legalização pela despenalização porque os movimentos kirchneristas não querem reclamar a aprovação da lei ao atual governo.”
Hoje existe no Congresso um projeto de lei pela legalização do aborto que foi apresentado pela quarta vez. Das três primeiras vezes o projeto caducou, em duas delas sem sequer passar por discussão nas comissões da casa.
Feminismo e esquerda
Junto a demandas tradicionais do movimento operário, Andrea aposta que a plataforma feminista da FIT é fundamental para a conquista e a ampliação de direitos de trabalhadores. “A luta das mulheres dentro da esquerda é parte inclusive das discussões que temos com nossos aliados. O feminismo está totalmente afastado do movimento operário, são dois mundos que não se cruzam”, lamenta.
A candidata reconhece que a esquerda tradicional muitas vezes resiste a ideias feministas em sua prática e que o movimento obreiro nem sempre é um espaço onde questões de gênero são centrais em reivindicações, mas defende o PTS como uma força afim às ideias antipatriarcais. “A luta das mulheres por seus direitos, por sua emancipação, é um debate que damos inclusive com nossos aliados”, expõe. “Temos uma visão socialista, anticapitalista e revolucionaria dentro da luta das mulheres, mas também uma prática cotidiana em nossa militância. Não embelezamos o movimento obreiro. É uma luta permanente.”