Lei do Estágio não revoga normas previstas pelo Estatuto da Advocacia

A nova Lei do Estágio não revogou as normas previstas para os estudantes de Direito no Estatuto da Advocacia. Porém, as regras podem ser interpretadas de forma harmoniosa. O entendimento é do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil sobre questionamento da Procuradoria-Geral do Trabalho.

Segundo decisão do Conselho, a revogação da Lei 8.906/94 pela lei 11.778/2008 resultaria em um critério de estágio que “pouco contribuiria para a formação profissional dos estudantes de direito”, mas há pontos que podem agregar a antiga lei como as normas relacionadas à saúde, segurança do trabalho, jornada máxima e recesso anual.

Entre os exemplos de como as leis podem agir harmoniosamente é a possibilidade de fazer estágio desde o início do curso, sem deixar de levar em conta o período máximo de dois anos previsto pelo Estatuto da Advocacia. “Para que os estagiários possam exceder desse prazo nos escritórios de advocacia, esses teriam que adotar vínculo empregatício após o período inicial.”

Leia o entendimento da OAB sobre o assunto:
Processo: 2009.31.09409-01
Consulta: Procuradoria Geral do Trabalho

Assunto: Lei nº 11788/2008 – Estágio de Estudantes. Aplicação ao estágio profissional de advocacia

O Procurador Geral do Trabalho encaminhou ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Consulta sobre o entendimento desse Egrégio Conselho sobre a aplicação da Lei nº 11.788/08 aos estagiários de direito, tendo em vista a existência de norma específica anterior na Lei nº 8.906/94.

A consulta decorre de provocação do Ministério Público Estadual de Estrela do Sul-MG sobre a aplicação do art. 9º da Lei nº 11.788/08 aos estagiários contratados por escritório de advocacia.

Inicialmente o processo foi autuado como consulta e encaminhado ao Órgão Especial. Posteriormente o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil chamou o feito à ordem encaminhando a matéria à apreciação do Conselho Pleno.

É o relatório.

Inicialmente cumpre esclarecer o caráter das disposições contidas na Lei nº 11.788/08 e na lei nº 8.906/94 sobre o estágio de bacharéis em direito.

A Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, que “dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6o da Medida Provisória no 2.164-41, de 24 de agosto de 2001”, é norma de caráter geral, já que procura estabelecer a disciplina ordinária da atividade de estágio.

Por sua vez, a Lei nº 8.906/94, em relação ao estágio profissional da advocacia, é norma de caráter especial, aplicável exclusivamente aos alunos dos cursos de Direito, conforme disposto no art. 9º, § 1º do referido diploma, que não foi expressamente revogado pela Lei nº 11.788/08. Essa norma não disciplina o estágio em termos gerais, mas tão somente o estágio profissional de advocacia.

Desse modo, incide na espécie o art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil:

“Art. 2º – Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

……………………………………….

§ 2º – A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”

Em face dessa disposição, não raro encontra-se na jurisprudência exemplos de aplicação de norma especial anterior a norma geral (1).

Com efeito, não se presume a revogação, posto que deve estar clara a intenção do legislador em revogar as disposições anteriores de caráter especial.

Não por outro motivo, o art. 9 da Lei Complementar 95, que disciplina as regras para redação de leis, determina:

“Quando necessária a cláusula de revogação, esta deverá indicar expressamente as leis ou disposições legais revogadas.”

No caso presente não se pode inferir que o legislador tenha pretendido revogar as disposições sobre estágio contidas na Lei 8.906/94.

Aliás, é de se observar que a Lei 11.788/08 foi expressa ao revogar na íntegra as leis 6.494/7 e 8.859/94, e dois dispositivos isolados, a saber, o art. 82 da Lei 9.394/96 e o art. 6 da Medida Provisória 2.164-21/2001.

Por esses motivos, deve-se buscar a interpretação harmônica dos dispositivos sobre estágio da Lei 8.906 com a Lei 11.788/08.

Sobre esse tema, trago a lição do ilustre Professor Estevão Mallet, em consulta proferida na Seccional da OAB de São Paulo:

“…mais acertado é dizer que as disposições da Lei n. 8.906/94 sobre estágio não foram revogadas pela Lei n. 11.788/08. Dá-se a situação, mencionada pela doutrina, de “subsistência de lei geral e

especial, regendo, paralelamente, as hipóteses por elas disciplinadas” (2). Devem conjugar-se, pois, os diferentes dispositivos, harmonizando-se as regras gerais da Lei n. 11.788/08 com as regras especiais da Lei n. 8.906/94.”

De fato, acaso revogadas essas disposições teríamos um estágio que pouco contribuiria para a formação profissional dos estudantes de direito.

Desse modo, os dispositivos sobre estágio profissional de advocacia contidos na Lei 8.906/94 continuam em vigor, permitindo sua realização nos dois últimos anos do curso de Direito, permitidos os atos previstos naquele diploma.

No entanto, alguns dispositivos da Lei 11.788/08 introduzem alterações na realização do estágio por estudantes de direito em escritórios de advocacia.

Admite-se agora a realização de estágio desde o início do curso, que não se confunde com o estágio profissional de advocacia previsto na lei 8.906/94, que, contudo, será limitado ao período máximo de dois anos previsto na Lei 11.788/08. Para que os estagiários possam exceder desse prazo nos escritórios de advocacia, esses teriam que adotar vínculo empregatício após o período inicial de 2(dois) anos.

Passam a ser aplicáveis também aos estagiários de Direito nos escritório de advocacia das normas atinentes à saúde e segurança do trabalho, jornada máxima e sobre o recesso anual.

Em síntese, parece-me que a Lei n 11.788/08 não revogou as disposições sobre o estágio profissional de advocacia previstas na Lei n 8.906/94, devendo a norma geral ser interpretada de forma harmônica a essa norma especial, sendo, no entanto, aplicável aos estágios de estudantes de direito em escritórios de advocacia”.

1. STF, 1ª Turma, RE 49.299, julgado em 16.11.62; STJ, 5ª Turma, AgRg no Ag 677.204, julgado em 04.08.05; TST, SDI, RO-ar 61.493/92, julgado em 14.03.94.
2. Maria Helena Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 77.

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