Lei do grampo – Prazo de 360 dias para interceptação é inconstitucional

por Marina Ito

O prazo de 360 dias para fazer interceptações telefônicas legais, previsto no Projeto de Lei 3.272/2008 que o governo recomendou ao Congresso essa semana, é um abuso contra o cidadão e uma ofensa à Constituição. Essa é a opinião de advogados e juízes que estudaram a matéria, ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

O parágrafo 1º, do artigo 5º, do projeto diz: “O prazo de duração da quebra do sigilo das comunicações não poderá exceder a 60 dias, permitida sua prorrogação por iguais e sucessivos períodos, desde que continuem presentes os pressupostos autorizadores da medida, até o máximo de 360 dias ininterruptos, salvo quando se tratar de crime permanente, enquanto não cessar a permanência”.

Parece um avanço, pois hoje, não existe limitação para o grampo e há casos recentes de pessoas que ficaram com seus telefones sob a vigilância da polícia por até dois anos. Mas não é. Para o desembargador Geraldo Prado, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o prazo de 360 dias fixados no projeto, é inconstitucional. “Não tem o menor sentido”, afirma. Quanto à última parte do dispositivo, que pode estender o prazo indefinidamente em caso de crime permanente, o desembargador resumiu em uma frase: “isso não existe”. Prado acredita que se o projeto for aprovado, as instituições devem se posicionar e entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.

“A partir de 60 dias [de interceptação] não é investigação. É devassa”, afirmou o criminalista Luís Guilherme Vieira. Outro problema apontado pelo advogado é o prazo ser de 60 dias sem ter o efetivo controle por parte do juiz. “O inquérito, quando aberto, tem de ser remetido ao juiz em 30 dias, exatamente, para ter o controle”, compara, enfatizando a desproporcionalidade da interceptação, muito mais invasiva.

“O prazo é muito longo”, afirma o criminalista Marcio Barandier, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). O advogado também entende que o prazo deveria continuar em 15 dias, prorrogáveis por mais 15, ainda que seja muito complicado para o juiz examinar atentamente cada pedido de prorrogação.

“Não compreendi bem a lógica do projeto”, afirmou a juíza da 5ª Vara Federal Criminal do Rio, Simone Schreiber. Isso porque, a princípio, o objetivo de uma nova lei é regular melhor a questão tendo em vista os abusos das interceptações telefônicas legais. Entretanto, explica, o projeto ampliou o prazo em que o investigado pode ter suas conversas monitoradas e as hipóteses para o grampo.

A juíza entende, também, que a ampliação do prazo de interceptação de 15 para 60 dias reduz o controle judicial sobre o resultado do grampo. É claro que se o juiz antes tinha que prorrogar o monitoramento a cada 15 dias e agora só precisa fazê-lo a cada 60 dias, a Polícia terá nesse aspecto mais autonomia para conduzir o grampo”, afirma.

Por outro lado, a juíza entende que 15 dias é pouco tempo. Segundo ela, os pedidos de prorrogação nesse período fazem com que os juízes fiquem sobrecarregados. Com isso, o controle efetivo do monitoramento pelo juiz também acaba afetado.

Tempo necessário

O juiz Marcello Granado, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, entende diferente. Ele acredita que aumentar o prazo da autorização para interceptação de 15 para 60 dias é uma boa medida em casos que já se sabe ser necessário uma escuta mais prolongada. “Evitam-se, assim, sucessivos pedidos de prorrogação que só atrapalham a própria investigação e tomam tempo do Judiciário”, afirma. Granado considera suficiente e razoável o prazo de 60 dias para que sejam revistas a necessidade e a eficiência do monitoramento telefônico.

Para o juiz, o prazo máximo de 360 dias em que uma pessoa pode ser interceptada ininterruptamente é uma limitação que pode dificultar e impedir a apuração de muitos crimes. “Para todos os casos, entendo pode dificultar ou mesmo impedir o esclarecimento de muitos crimes. “Quando se fala abstratamente em mais de um ano de interceptação telefônica, pode se imaginar que esteja ocorrendo algum abuso. Todavia, em muitos casos concretos, as investigações demandam bem mais do que isso”, constata, citando os crimes financeiros, chamados de colarinho branco, e tráfico de drogas internacional.

“É claro que, no tráfico internacional, a finalidade principal da investigação não é a simples apreensão de drogas com os chamados mulas, mas sim a identificação de toda a estrutura da organização com características mafiosas”, explica. Para Granado, eventuais abusos devem ser coibidos caso a caso e não com a limitação do prazo.

Especificidades do projeto

O projeto prevê recurso para o caso de o juiz negar a interceptação. Para Simone Schreiber, o recurso é visto como uma ampliação da possibilidade de monitoramento. “E cria alguns problemas. Por exemplo, se o juiz havia indeferido o primeiro pedido, é possível que se posicione contrariamente à prorrogação”, constata. Isso pode fazer com que haja a necessidade de recorrer novamente ao tribunal. explica. Para a juíza, a possibilidade de recursos acaba sendo incompatível com “timing” da prorrogação.

Apesar da lei atual não prever o recurso, Barandier afirma que não há impedimento para o Ministério Público recorrer contra a decisão que nega a interceptação. Para o advogado, parece estranho um recurso nesse sentido, já que apenas uma parte será representada.

Para a juíza, um ponto interessante do projeto de lei é a previsão de que o investigado saiba que foi monitorado quando as interceptações se encerrarem, tendo acesso, inclusive, ao material relativo às conversas. Schreiber entende que isso pode fazer com que o investigado tenha conhecimento da investigação antes da deflagração da operação policial, a não ser que o Ministério Público peça ao juiz a expedição de mandado de busca e apreensão. “Hoje, as pessoas só sabem que foram monitoradas depois das operações. Agora a lei impõe essa ciência logo após o encerramento da diligência”, constata.

Schreiber também destaca que o projeto pretende regulamentar algo que já é admitido pela jurisprudência: a validade da prova de outro crime que não tenha conexão com o que motivou o monitoramento telefônico. Além disso, permite a gravação ambiental em qualquer investigação. “Por aí já se vê o quanto a lei amplia a invasão do Estado na privacidade das pessoas”, constata.

De acordo com Barandier e Granado, o dispositivo que impede o uso da conversa de advogado com cliente não é inovador. Segundo o advogado, a garantia já está assegurada pela Constituição e pelo Estatuto dos Advogados. Para Barandier, a conversa interceptada entre o advogado e o cliente só pode ser objeto de prova se, antes, o defensor foi incluído como investigado. Ele explica que a garantia do sigilo profissional protege o cidadão, não o advogado.

“O projeto não impede a interceptação da conversa entre cliente e advogado, mas apenas seu uso no processo”, afirmou o juiz. Ele explica que se o advogado estiver no exercício da profissão, os diálogos interceptados não poderão ser usados como meio de prova no processo. “Caso se constate que a atuação do advogado não é própria da função, mas de partícipe de crime, o meio de prova é válido”, constata.

Para Barandier, o sigilo quebrado só pode ser utilizado para a investigação do crime específico. Em relação a outros crimes, ele acredita que é ilegal e não pode ser aproveitado. Para ele, a situação é grave, já que as interceptações acabam se desdobrando em várias investigações. “Há exagero e abuso”, afirma. Ele lembra que a escuta telefônica é muito sedutora, já que a polícia pode ouvir o próprio acusado se incriminando e acaba filtrando informações políticas e econômicas que pode não ter nada a ver com o crime.

O advogado destaca também o dispositivo que prevê que as fitas com os diálogos telefônicos só podem ser destruídas com a concordância do Ministério Público e dos advogados de defesa. Ele afirma que já há vários problemas envolvendo interceptação pela Polícia Federal, como seleção de trechos, transcrição de algumas conversas, geralmente, descontextualizadas, e interpretação dos agentes da PF. Além disso, entende, não dá para saber se tudo o que foi gravado, de fato, foi entregue ao juiz.

A lei prevê prazo de 60 dias para que as gravações sejam destruídas pelas autoridades policiais, a não ser que haja uma determinação judicial determinando o contrário. Barandier considera o tempo muito curto. Nesse prazo, explica, o investigado pode nem saber que existe uma investigação. Isso porque, geralmente, o investigado só toma conhecimento do procedimento quando é deflagrada uma operação, ou há alguma medida cautelar expedida pelo juiz.

Um problema citado por Luís Guilherme Vieira é a falta do prazo para que a defesa tenha acesso aos documentos. Para ele, o tempo não pode ser inferior a 15 dias, sobretudo, se considerar uma interceptação que pode durar por anos.

O juiz Marcello Granado chamou a atenção para o parágrafo 15, do projeto, que diz que as gravações têm de permanecer em cartório, sob segredo de justiça, enquanto for possível a revisão criminal. Granado explica que a revisão criminal, que equivaleria à ação rescisória na esfera cível, não tem prazo. “Pode ser proposta pelo réu até mesmo depois de cumprida a pena. Também pode ser proposta por sucessores do réu caso este já tenha morrido, 2, 5 10, 100, 1.000 anos depois do transito da sentença”, afirma. O juiz conclui que o dispositivo, na prática, pode impedir a destruição das fitas.

Idéia original

O Projeto de Lei 3.272/2008 acabou por alterar o Anteprojeto de Lei que o antecedeu. A versão original mantinha os 15 dias, prorrogáveis por mais 15, desde que não ultrapassassem 60 dias de interceptação. Tudo isso com o controle do juiz para saber se a medida é, de fato, necessária e se precisa ser prorrogada.

O anteprojeto também listava os crimes para os quais caberia o monitoramento telefônico dos investigados e especificava uma série de sanções penais para quem vazasse informação sigilosa.

Revista Consultor Jurídico

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