O ex-procurador-geral de Justiça de São Paulo Rodrigo César Rebello Pinho foi condenado a pagar indenização de R$ 70 mil ao seu colega e ex-corregedor geral do Ministério Público, Carlos Henrique Mund. A sentença, assinada pelo juiz José Paulo Camargo Magano, da 17ª Vara Cível Central da Capital, afirma que Pinho agiu, no exercício do cargo de chefe do Ministério Público paulista, com o intuito de fazer prevalecer suas deliberações classificadas pelo magistrado como “ilegais”, “desarrozoadas” e “exorbitantes”.
Cabe recurso da sentença ao Tribunal de Justiça, mas a apelação ainda não foi apresentada. O ex-procurador Rodrigo Pinho disse que confia na Justiça e tem certeza absoluta que a sentença será reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Em sua defesa, Rodrigo Pinho alega que não foi ele quem instaurou o processo administrativo contra Mund, mas sim o corregedor-geral à época, Paulo Shimizu. Coube ao então procurador-geral apenas a tarefa de aplicar a pena recomendada pelo corregedor-geral.
A briga entre os dois começou quando Mund, então corregedor-geral do Ministério Público, decidiu investigar um outro procurador de justiça, suspeito de corrupção. Por causa dessa decisão do corregedor, que era adversário político de Rodrigo Pinho, o então procurador-geral de Justiça decidiu abrir um processo administrativo contra seu rival. Concluído o processo, o chefe do MP paulista aplicou a pena de advertência contra Mund.
O corregedor-geral do MP recorreu da decisão ao Órgão Especial do Colégio de Procuradores. No entanto, antes do julgamento do recurso, Pinho mandou publicar no Diário Oficial a ata da reunião, com a decisão do relator do recurso, com a pena de advertência. O então chefe do Ministério Público ainda tornou público o documento, que seria sigiloso, no portal da instituição. Pinho sustentou a legalidade da publicação, mas ao mesmo tempo alegou que a ordem partiu do Órgão Especial.
O colegiado anulou a pena de advertência imposta a Mund com o argumento de que o procurador-geral Rodrigo Pinho era incompetente para aplicar sanção disciplinar contra o corregedor-geral. Pinho ficou contrariado e entrou na Justiça com mandado de segurança contra a decisão do Órgão Especial do Colégio de Procuradores. O Tribunal de Justiça ratificou a decisão do colegiado do MP.
Na sentença, o juiz José Paulo Camargo Magano afirma que é impossível que uma pessoa que ocupou o cargo de procurador-geral de Justiça não soubesse o signifcado das regras administrativas da própria instituição. Para Magano, Rodrigo Pinho descumpriu “frontal e arbitrariamente” a Lei Orgânica do Ministério Público. “O réu [Pinho] agiu de maneira indefensável”, disse o magistrado.
O juiz sustenta que Rodrigo Pinho deu publicidade ilegal ao processo disciplinar admninistrativo, negou-se a mandar suspender a publicação, tornou ultra eficaz a pena nula que aplicou e desconsiderou a competência recursal e a deliberação de suspensão do julgamento do órgão colegiado. Para o magistrado, a publicidade sugeria ter sido aplicada a Mund uma pena diferente e mais grave.
“O réu [Pinho] responde civilmente pelas maniffestas e injustificáveis ilegalidades que praticou e que ofenderam a honra subjetiva do autor [Mund], provocando-lhe inegável dissabor indenizável”, completou o magistrado. O juiz explicou que sua decisão visava, além de compensar a dor do ofendido, ter um efeito pedagógico sobre o infrator e puni-lo pelo ato que maculou a honra do ex-corregedor-geral do Ministério Público.
Leia a sentença
Trata-se de ação ordinária ajuizada por CARLOS HENRIQUE MUND em face de RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO. Após narrar sua história de vida e formação de caráter, o demandante assevera que, em 2004, encetou – no exercício de suas funções de Corregedor Geral da Justiça do Ministério Público de São Paulo – investigações preliminares a fim de apurar eventuais crimes praticados por outro procurador de justiça, para, fosse o caso, instaurar procedimento administrativo.
Em 2005, veio a ser destacado, por grupo distinto de membros do Ministério Público, para disputar a eleição de sucessão do Procurador de Justiça de São Paulo, a que o demandado postulava a recondução, época em que (o demandante) passou a ser alvo de intrigas e ataques pessoais. Findo seu mandato, quando não mais exercia aquele cargo, foi contra ele (autor) instaurado disparatado processo administrativo, findo o qual o demandado, não obstante a inimizade capital entre as partes, aplicou-lhe pena de advertência, decisão da qual o demandante interpôs recurso ao Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça, em preliminar, arguindo a suspeição do demandado, no mérito, visando à desconstituição da ilegal sanção. Porém, antes que o recurso fosse julgado (e provido por maioria de votos, para anular a punição), o demandado fez constar na ata da reunião do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça, realizada em 16 de maio de 2007: o nome do demandante e tão-somente a decisão do relator do processo administrativo.
O demandado, na condição de Procurador Geral de Justiça e, assim, como Presidente do indigitado órgão, dissimulou ato administrativo complexo e – contrariando o sistema de freios e contra-pesos dos Órgãos da Administração Superior do MP, em total afronta às normas de regência – fez publicar no Diário Oficial do Estado e no portal eletrônico do Ministério Público, a ata da reunião, contendo matéria sigilosa (é vedada a publicidade de procedimentos administrativos disciplinares, e a publicação de decisão definitiva relativa à imposição da pena de advertência e de censura), vazada nos seguintes termos: “PAS n.º 003/06 – CGPM – Interessado: Carlos Henrique Mund. DD. Procurador de Justiça – Relator: Dr. Luiz César Gama Pellegrini (…) Com a palavra o nobre Relator, leu ele o seu voto, na forma do que dispõe o art. 6º, I, do R.I, pelo qual acolheu a preliminar de suspeição do digno excepto, entretanto mantendo a pena quanto ao mérito.” (grifos apostos).
Assim, referida publicação (de ordem do demandado) deu conhecimento ao público da existência do procedimento administrativo, e sugeriu que a pena aplicada (considerada inexistente, ao cabo do devido processo legal) teria sido, no mínimo, a de suspensão – a mais branda das que, legalmente, comportam publicidade – provocando repercussão entre membros do Ministério Público, da magistratura, das polícias e de outras instituições, a macular seriamente a honra subjetiva do demandante.
Diante de tal ilegalidade, o demandante requereu ao Procurador Geral da Justiça, portanto, ao demandado, a inibição da publicidade naquelas mídias eletrônicas, ao que (ao requerimento) o Dr. Irineu Roberto da Costa Lopes, à época Secretário do Órgão Especial, determinou que assim fosse feito, asseverando expressamente, no entanto, que: “se somente o Sr. Procurador Geral tem poderes para fazer a publicação da ata na imprensa oficial, só ele tem poderes para retirá-la do site do Diário Oficial”.
O requerimento foi encaminhado ao réu, e o mesmo confirmou a publicação da ata, sustentando, arbitraria e dolosamente, a sua legalidade, além de tentar (sem êxito) eximir-se de responsabilidade pessoal, atribuindo-a ao Órgão Especial do Colégio de Procuradores, cuja comissão destacada para o exame do expediente acompanhou, por maioria de votos, o da Dra. Maria Cristina Barreira de Oliveira, certificando que a atribuição da publicação era da alçada do demandado, do Procurador Geral de Justiça.
Concomitantemente, o Órgão Especial deu provimento ao recurso interposto pelo autor, e anulou a pena de advertência que lhe houvera sido imposta, adotando o entendimento de ser incompetente o Procurador Geral, ora demandado, para aplicar sanção disciplinar ao demandante quando esse ainda exercia a função de Corregedor Geral.
Contra a decisão do Colegiado, o réu interpôs mandado de segurança, a que, de início, concedeu-se liminar, vindo a – colhida a manifestação do Parquet, pela denegação do writ – ser julgado pelo Tribunal de Justiça, para ratificar o entendimento do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça, revogando, conseqüentemente, a medida de urgência concedida. Salienta, por fim, ter o atual Procurador Geral da Justiça determinado, de ofício, a retirada da publicação do Diário Oficial, a evidenciar que a sua responsabilidade era mesmo do demandado.
Pede que o réu seja condenado a lhe pagar R$ 100.000,00, a título de danos morais. A petição inicial veio acompanhada de documentos (fls. 02/209).
O réu foi citado e apresentou contestação. Argui preliminares:
a) ilegitimidade passiva ad causam, sustentando que a causa de pedir, pautada, em suma, em ato administrativo, é do Estado, e não do agente público;
b) necessidade de formação de litisconsórcio, pois o ato emanou de colegiado e é subjetivamente complexo. No mérito, sustenta ter sido o procedimento administrativo instaurado regularmente, em decorrência de arbitrariedades praticadas pelo demandante, tendo – finda a instrução – o Corregedor Geral da Justiça do Ministério Público, sucessor do autor, relatado o caso e proposto a aplicação de pena de advertência, acolhida (a proposta) pelo demandado, após as devidas valorações, em setembro de 2006 (após, portanto, ele – demandado – ter sido reconduzido, com votação expressiva, ao cargo de Procurador Geral da Justiça, a evidenciar o despropósito da relação feita na petição inicial, de ter passado o demandante a ser vítima de intrigas e ataques pessoais).
Alega o demandado ter o autor recorrido inoportuna e serodiamente da decisão que acolheu a pena, alegando despropositadamente suspeição do demandado, e suposta incompetência sua, dando azo (o recurso) ao voto do Relator Dr. Luiz Cesar Gama Pellegrini, mantendo a punição, mas acolhendo a suspeição, falta de pressuposto que a maioria dos membros do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça também entendeu carecer. Inconformado com o acolhimento da exceção, o demandado impetrou mandado de segurança perante o Tribunal de Justiça, a que o Des. Elias Tâmbara concedeu liminar, extinto posteriormente pela perda de objeto.
Com relação à ata em que foi apreciado o recurso do demandante, assevera o demandado ser a responsabilidade da lavra de outrem, do Secretário do Órgão Especial, assim como a sua aprovação é do Colegiado, não podendo, portanto, (o réu) responder pela forma como foi redigida nem por sua aprovação ou publicação. Conseqüentemente, sustenta que não lhe cabia alterar a ata ou retirá-la do site do Diário Oficial ou do Ministério Público. Ademais, afirma que a publicação era obrigatória, por força da EC 45/04, que não recepcionou a legislação infraconstitucional.
Alega que o demandante, paradoxalmente, não requereu o trâmite da demanda em segredo de justiça e fez acompanhar a petição inicial de cópia integral do procedimento administrativo, a revelar despreocupação com a publicidade do caso e, bem por isso, com sua honorabilidade, insistindo, por fim, ter o autor sido arbitrário no exercício de suas funções, conduta situada como triste episódio da história da Instituição (no voto do Dr. Luiz Cesar Gama Pellegrini).
A contestação veio acompanhada de documentos (fls. 224/380). Manifestação (fls. 386/405). Realizou-se a audiência de que trata o art. 331 do CPC, em que não se alcançou a conciliação, e somente o demandado requereu a produção de prova testemunhal para demonstrar ter agido com impessoalidade e que a redação da ata foi da lavra do Secretário do órgão do Ministério Público (fls. 406 e 409/410). É o relatório.
DECIDO.
De início, cabe reiterar o dito em audiência: o profundo respeito às partes e, sobretudo, ao Ministério Público. Pois bem. Suporta-se a causa de pedir, essencialmente, em fatos jurídicos pretéritos dimanados de atos e procedimentos administrativos instaurados, instruídos e decididos pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, tendo sido – para a devida segurança jurídica – constituídos e corporificados documentalmente.
A documentação está, em sua íntegra, encartada nos autos, e retrata avaliação de condutas – inclusive a da impessoalidade – feita pelo próprio Parquet. O demandado, por sua vez, não impugnou os documentos. A origem, o conteúdo e ausência de impugnação da prova documental produzida tornam totalmente desarrazoada a dilação instrutória pretendida pelo réu.
Data vênia, a prova testemunhal é, obviamente, inadequada para emissão de parecer jurídico ou revisão da avaliação de condutas e da decisão feita no âmbito institucional e colegiado. Nem se concebe ouvir membro do Parquet que tenha participado de sessão de colegiado ou sido vencido acerca de sua compreensão jurídica ou fática envolvendo as questões contidas na causa de pedir. Divergência consigna-se em ata ou assenta-se em declaração de voto, portanto, em prova escrita. Igualmente, sem sentido pretender ouvir alguém que acompanhou os atos ou procedimentos administrativos e sabe como se portou o demandado.
Os cargos que o demandado ocupava e que ocupa, em simetria com os congêneres que emitiram entendimentos e procederam aos julgamentos (todos procuradores e membros de órgãos de direção do Ministério Público), inviabilizam cogitar testemunha presencial estranha aos registros (documentais) dos procedimentos ou atos administrativos. Inquestionável a falta de razão à produção de prova testemunhal, dando azo ao julgamento nos termos do artigo 330, I, do CPC. Passo ao exame das preliminares.
A causa de pedir, segundo a petição inicial, diz respeito a condutas da alçada funcional exclusiva do demandando, praticadas deliberadamente e de forma arbitrária, tão somente por ele, das quais faz derivar a pretensão condenatória. A simples menção e qualificação das condutas do demandado, feita na petição inicial, é suficiente para certificar a pertinência subjetiva da ação. Análise diversa é a derivada do exame cognitivo judicial aprofundado das condutas e das qualificações feito sob o crivo do contraditório e com suporte na instrução processual (equipamento composto não só de provas, mas, também, dos argumentos das partes). É de mérito a análise.
A outra questão prévia, na maneira como posta na causa de pedir, também se entrosa com a alçada funcional exclusiva do réu, enquanto Procurador Geral de Justiça, de inserir ou manter a deliberação sigilosa constante na ata de reunião de 16 de maio de 2007, em portais eletrônicos oficiais ou institucionais. O destaque da alçada exclusiva, a que a petição inicial densificou com condutas perpetradas faticamente tão somente pelo demandado, torna despropositado cogitar a aplicação do art. 47, caput, do CPC, ainda mais considerando restringir o pedido indenizatório ao réu.
Falar em litisconsórcio necessário é buscar desarrazoada alteração dos elementos da demanda, e, data vênia, provocar embaralhamento processual. Com relação ao mérito, há vetor inafastável: o conjunto hierarquizado de entendimentos valorativos, atos e decisões administrativas, da lavra e da competência do próprio Ministério Público.
Referido conjunto se nutre de estrutura própria do regime de direito público, e, bem por isso, potencializa sua indiscutibilidade, irradiando efeitos, por assim dizer, extra-administrativos. Assim sendo, tal conjunto – retratado na demanda pela causa petendi – não pode ser processualmente degradado. O vetor auxilia a compreensão da lide, e, nos termos do art. 5º, XXXV, da CF, e no art. 131, 2ª parte, do CPC, equipa o convencimento e a prestação jurisdicional.
Pois bem. As grandes questões giram em torno das deliberações sobre o procedimento administrativo relativo ao autor, constantes na ata de reunião do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça, realizada em 16 de maio de 2007, mais precisamente acerca: da amplitude e da atribuição funcional de aferição e de estabelecimento dos lindes da publicidade em comento, nos sítios da mídia oficial e institucional.
O demandado argumentou: a) reger-se a extensão da publicidade pelo instituído pela EC 45/04 – na forma do art. 93, IX e X, combinado com o art. 129, § 4º, da Constituição Federal – que não recepcionou a Lei Orgânica do Ministério Público; b) ter-lhe faltado, enquanto Procurador Geral de Justiça, poderes de ingerência nos lindes e nas revisões da publicidade, tocando àquele órgão, assim como ao secretário desse, deliberação a respeito.
Com efeito. O primeiro argumento – em que o réu, saliente-se, reconhece o segredo positivado do procedimento administrativo disciplinar – sustenta ter passado a ser inconstitucional a norma da Lei Orgânica do Ministério Público em que se lê a sua previsão, em razão do que nenhuma arbitrariedade teria cometido (o demandado).
O argumento, adotado administrativamente pelo demandado (fls. 100/107), carece, data vênia, de aceitação exegética e na estrutura sistemática jurídica piramidal. O agente público – ainda mais de ofício e em sede administrativa – não deve descumprir a lei, subtraindo arbitrariamente a competência exclusiva do Poder Judiciário de exercer o controle de constitucionalidade. E o argumento tanto e tão é mais despropositado ao se observar que o caso está a tratar de agente público ocupante do cargo de Procurador Geral de Justiça, com legitimação ad causam para propor ação direta de inconstitucionalidade (art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo).
Fosse hipótese de regra inconstitucional, o demandado teria o dever-poder de propor ou provocar ação direta de inconstitucionalidade, perante o Poder Judiciário, e não fazer como fez, negar-lhe vigência e eficácia. Ademais, o argumento não conta com apoio em precedentes da própria Instituição (que teriam corporificação obrigatória em documentos), vale dizer, somente foi utilizado pelo demandado, em detrimento do princípio da impessoalidade, em face do procedimento administrativo disciplinar relativo ao autor, materializando e concretizando flagrante arbitrariedade.
A norma que está a se falar é composta dos artigos 104, VII, 240, 248 e 249, todas da Lei Orgânica do Ministério Publico. Os artigos têm natureza de regra e não de princípio, vale dizer, não comportam elasticidade exegética, e são expressos com relação a descaber publicidade ou publicação de procedimento administrativo disciplinar e da pena de advertência. Em suma, o demandado (que não podia negar vigência ou eficácia à lei) descumpriu normas, cuja natureza jurídica (de regra) inviabilizava e inviabiliza qualquer elasticidade interpretativa. Vale dizer: o réu descumpriu frontal e arbitrariamente a Lei Orgânica do Ministério Publico.
O outro argumento refere-se à atribuição funcional de aferir e estabelecer os lindes da publicidade das deliberações concernentes ao recurso administrativo de interesse do demandante, constantes na ata de reunião do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça, realizada em 16 de maio de 2007, nos sítios da mídia oficial e institucional.
O réu sustentou ter-lhe faltado, enquanto Procurador Geral de Justiça, poderes de ingerência nos lindes e nas revisões da publicidade, tocando àquele Órgão, assim como a seu Secretário, deliberação a respeito. No entanto, a argumentação não encontrou nenhum acolhimento nas instâncias administrativas da Instituição. A argumentação poderia representar alguma minimização de arbitrariedade caso tivesse ficado restrita à inserção da publicidade. Não é, todavia, a hipótese. Após a inserção, o demandante formulou requerimento fundamentado pleiteando a supressão da publicidade, já acenando com o dissabor que a situação lhe provocava (fls. 92/93).
O Secretário do Colegiado, Procurador de Justiça Irineu Roberto de C. Lopes, analisou o requerimento e asseverou que: a) as atas eram submetidas ao crivo do Gabinete da Procuradoria Geral de Justiça, que as examinava e, concluindo estarem em termos, encaminhava-as à publicação; b) “(…) se somente o Sr. Procurador Geral tem poderes para fazer a publicação da ata na imprensa oficial, só ele tem poderes para retirá-la do site do Diário Oficial” (fls. 96/97).
Mas o réu, em vez de admitir o equívoco e rever prontamente a publicidade, disse que o Secretário estava incorreto, manteve o trato pessoal e desarrazoado da questão e provocou de modo totalmente desnecessário – em prejuízo inclusive do princípio da eficiência administrativa – manifestação do Colegiado (fls. 100/107), dilatando a exposição e, bem por isso, o estado de sofrimento do demandante.
A Comissão de Regimentos e Normas, destacada pelo Órgão Especial do Colégio de Procuradores, para o exame da questão – asseverou, baseada nas regras que citou, que a atribuição de controle de inserção e manutenção da publicação era da alçada do demandado, do Procurador Geral de Justiça, notadamente por força de ser sua a atribuição de representação externa do Ministério Público (fls. 109/115). A arbitrariedade acabou se findando por meio de ordem emanada – saliente-se, como haviam asseverado o Secretário e a Comissão – de ofício pelo sucessor do réu no cargo de Procurador Geral de Justiça (fls. 127/128). A ação de ofício caracteriza a impessoalidade.
Em suma, as instâncias do Ministério Público – as quais podem ser consideradas intérpretes autênticas das questões administrativas e normativas institucionais, e que têm seus atos e decisões revestidos de eficácia e validade próprias do regime de direito público – não deixam margem a qualquer dúvida: os atos administrativos eram de caráter unipessoal, de responsabilidade exclusiva do Procurador Geral de Justiça, portanto, do demandado, que agiu de forma pessoal e arbitrária e desrespeitou regras (sem elasticidade interpretativa que possibilitasse e possibilite falar em alguma discricionariedade ou mínima aceitação jurídica).
Data vênia, impossível cogitar que alguém que ocupou o cargo de Procurador Geral de Justiça não soubesse o significado das regras administrativas da própria Instituição. O réu agiu de maneira indefensável. Há, de outra banda, a questão da existência e da validade do próprio procedimento administrativo, em que o réu impôs ao demandante a pena de advertência. É questão que deve ser compreendida na forma definida administrativamente, por maioria de votos, pelo Órgão Especial dos Procuradores de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo – na linha do v. acórdão que entendeu prejudicado o writ impetrado pelo demandante (fls. 123/124): o demandado carecia de competência, enquanto Procurador Geral de Justiça, para aplicar sanção disciplinar ao demandante quando esse ainda exercia a função de Corregedor Geral (fls. 120). A decisão administrativa recursal acaba por densificar a renitente conduta do demandado de levar adiante arbitrária publicidade de decisão punitiva de sua pena que viria a ser declarada nula.
Da publicação do julgamento do recurso constou: “PAS n.º 003/06 – CGPM – Interessado: Carlos Henrique Mund. DD. Procurador de Justiça – Relator: Dr. Luiz César Gama Pellegrini (…) Com a palavra o nobre Relator, leu ele o seu voto, na forma do que dispõe o art. 6º, I, do R.I., pelo qual acolheu a preliminar de suspeição do digno excepto, entretanto mantendo a pena quanto ao mérito. Pediu a palavra o ilustre integrante, Dr. Aírton Florentino de Barros, o qual, justificadamente, solicitou vista dos autos, como lhe faculta o art. 68 do R.I. Após referido pedido de vista, foi concedido ao ilustre Relator ler integralmente o conteúdo do seu voto, agora decidindo sobre o mérito da matéria a ser discutida pelo Colendo Plenário. Feito isso, em face desse pedido de vista, a discussão da matéria foi adiada para a próxima reunião a ser realizada no próximo dia 30 de maio, às 13:30 horas, saindo cientes os presentes” (fls. 79/80).
Da leitura da deliberação, emerge a crença de que não se trata de advertência, visto que esse tipo de pena, por expressa disposição legal (artigos 248 e 249 da Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), não pode ser objeto de publicação. A publicação – como visto, da alçada do demandado – sugere ter sido aplicada ao demandante pena diversa, mais grave, a de suspensão, portanto, falta funcional gravíssima.
As posturas do réu – sem precedentes na própria Instituição – acabaram por fazer prevalecer suas deliberações individuais, data vênia, ilegais, desarrazoadas (afrontosas a regras) e exorbitantes:
a) deu publicidade ilegal ao procedimento disciplinar administrativo;
b) negou-se a proceder às supressões cabíveis na forma da regra de regência;
c) tornou ultra eficaz a pena nula que aplicou, cuja publicidade fez parecer ser mais séria do que era;
d) desconsiderou a competência recursal e a deliberação de suspensão do julgamento imposta pelo Colegiado.
O réu responde civilmente pelas manifestas e injustificáveis ilegalidades que praticou e que ofenderam a honra subjetiva do autor, provocando-lhe inegável dissabor indenizável.
É tríplice a natureza dos danos morais: visa, primordialmente, compensar a dor do ofendido, e, em segundo plano, atuar pedagogicamente, prevenindo a sociedade acerca de atitudes que comprometam a convivência estatal harmoniosa, e punir o infrator. Aquele que ingressa e atua no Ministério Público (assim como na magistratura) se imbui de um idealismo que tem explicação, aos que creem, no âmbito divino, ou aos que não creem, nos personagens Tarrou e do médico Rieux, do formidável A Peste, de Albert Camus. Referido idealismo – com justificativa metafísica ou na solidariedade ínsita ao ser humana – constitui, por assim dizer, a alma do Promotor ou Procurador de Justiça.
A publicidade e a arbitrariedade de que trata os autos, dimanadas do seio da Instituição, trazem a sensação de amputação do idealismo, de um viver profissional sem razão, provocam desonra injusta e perene dor. Data vênia, a indenização também se presta a punir o réu, e acena à sociedade, naquele aspecto pedagógico, que as condutas anti-sociais, partam de quem for, não estão blindadas nem devem ser repetidas. Ambas as partes gozam de condição sócio-econômica de prestígio. A desonra e a dor – em razão do efeito midiático dimanado dos sítios eletrônicos oficiais e institucionais – são manifestamente graves e extensas (a ata notarial e a resposta da imprensa oficial revelam a latência sem fim da mácula, fls. 86/89 e 150).
Por fim, a expressão dos danos morais não pode ser diluída pelo fato de a demanda ser pública, regra, nos termos do art. 155, caput, do CPC, em consonância com o art. 5ª, LX, da CF; ou de ter a petição inicial se feito acompanhar de todo o procedimento administrativo, imprescindível, por força do disposto no art. 333, I, do CPC.
Arbitro os danos morais em R$ 70.000,00. Nos termos do art. 269, I, do CPC, condeno o réu a pagar ao autor, a título de indenização por danos morais, R$ 70.000,00, corrigidos desde o ajuizamento da ação, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Arcará o demandado com custas e despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor atualizado da condenação.
Certifique a Serventia o valor do preparo das custas e de despesas de porte e de remessa, à hipótese de eventual recurso.
P.R.I.
São Paulo, 5 de fevereiro de 2010.
JOSÉ PAULO CAMARGO MAGANO
Juiz de Direito